Cadeira de balanço.

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Cadeira de balanço.

Capítulo 60

Sítio...

A noite vem chegando de mansinho.
A escuridão toma conta da mata e do caminho que conduz ao sítio.
Os sapos coaxam em meio aos juncos que beiram o rio.
Os vagalumes voam baixo clareando a relva do pasto e os pirilampos piscam incessantemente, transformando toda a lavoura de café em um céu repleto de estrelas. Na à mesa, Ayana e dona Alma conversando, Gabrielzinho está no quarto de Catarina e Selma, faz gracejos arrancando gargalhadas da menina Selma. Catarina, tem seu olhar distante e triste, porém, de vez enquanto sorri com as peripécias do garoto.
Dona Alma ouve o som do tropeu do cavalo chegando.
- Acho que Damião está chegando!
Poucos instantes depois, ele aparece na porta da cozinha.
- Espero que tenha algo para comer? Estou faminto. Realmente, andar a cavalo por tantas léguas, na minha idade, já não me é fácil.
- Meu marido,
não estais tão velho assim!
- Você é quem pensa, já estou pendendo para o cemitério faz tempo.
- Boa noite, senhor Damião.
Não creio que o cemitério esteja em seus planos.
- Boa noite, Ayana. Ele não está nos meus, a coisa é pior, eu estou nos planos dele...
Te digo mais, se depender de mentiras, vou para o inferno!
Não imaginas o quanto tive que dissimular e mentir nesse dia.
Tudo por sua causa.
- Mentir? Conte-me tudo, meu marido...
- O senhor Samuel, encheu-me de perguntas, fui obrigado a dizer que ela havia partido na libertação e que não á vemos desde então.

Enquanto o senhor Damião come um enorme prato de comida, conta toda a história ocorrida em Esmeralda.

- Ele parte de madrugada a procura de seu marido.
É muito ódio dentro do peito de um só homem.
- Senhor Samuel, não esquece e não perdoa. Leôncio não consegui salvar o filho dele, por isso ele matou a sangue frio meus três filhos. Agora procura meu marido para lhe tirar a vida. Preciso ir até à fazenda Esmeralda, conversar com dona Beatriz...
- Ela perguntou por você e tentou colocar juízo na cabeça do senhor Samuel, ele gritou com ela e a fez se calar...
Aquele só pensa em vingança, não tem outros pensamentos em sua cabeça dura.
- Senhora Alma, posso deixar o Gabriel com a senhora?
Preciso me inteirar de tudo sobre Leôncio, preciso saber para onde ele foi, se posso alcança-lo.
- Cuido de seu filho sempre que você precisar.
- Sou-lhes grata. Senhor Damião, eu lhe agradeço por ir buscar notícias para mim.
Peço- lhe que me perdoe por tê-lo obrigado a mentir.
Sou grata aos dois por tanto carinho e respeito.
Amanhã partirei para Esmeralda, preciso mesmo falar com a sinhá Beatriz.
- Tome cuidado, o senhor Samuel não pode ver você de maneira nenhuma.
- Creio piamente que ele partirá antes do amanhecer...
Ele não mudará de ideia, seu plano é matar seu marido e trazer a cabeça dele em um saco. Nem que seja a última coisa que ele faça na vida!
- Não me diga isso! Leôncio é um bom homem, não merece tal fim.

Fazenda Esmeralda...

Samuel se reúne com os colonos italianos e firma o negócio do arrendamento. Deixa Castilho encarregado de cuidar da fazenda em sua ausência...
A noite chega e após o jantar, senta-se no alpendre para fuma seu cachimbo.
Seu coração está aos saltos, pois não vê a hora de partir e capturar seu rival e inimigo.
Dona Beatriz, pede para a empregada arrumar uma bolsa com algumas peças de roupas para que seu marido leve na viagem...
Sobe até o quarto de suas filhas, às beija e apaga as velas do castiçal que está sobre o aparador. Caminha até seu quarto, deita-se e eleva seus pensamentos a Deus, pedindo que seu marido não venha se deitar junto a ela.

O silêncio reina pelos campos imensos da fazenda, quebrado apenas pelo cricrilar dos grilos e o coaxar dos sapos, que encantam à noite com seus sons rotineiros...

A certa hora da madrugada...

A cadeira de balanço sobe e desce mansamente. À cada baforada que sai do cachimbo; Samuel observa as macaqueias que se formam na fumaça acinzentada, suas formas hipnotizam os sentidos de Samuel...
Ele ouve um estalar de galhos e passos que sobem sorrateiramente pelas escadarias que levam até o alpendre de assoalho de madeiras rústicas e grossas;
Antes que se dê conta, vê Miro que está sobre seus pés sorrindo em sua frente...
- Vejam só! Se não é o nhonhô.
Sentiu nossa falta?

Samuel está sentado sobre a cadeira de balanço, quando tenta se levantar, percebe que seus pés estão no ar; não conseguem atingir o chão.
Sente no encosto, atrás de si, duas mãos negras segurando-o e o mantendo no ar...
Tenta se levantar mais uma vez...
As mãos soltam o encosto e seguram seus ombros com uma considerável força.
- Me soltem, seus negros malditos!
- Samuel, Samuel! O senhor não cansa de me perseguir?
Fiquei sabendo que iria atrás de mim.
Resolvi então diminuir sua procura e vim até aqui.

Em milésimos de segundos, Leôncio que está nas costas de Samuel; falando em seu ouvido, posiciona- se à frente da cadeira.
- Resolvi poupar-lhe tempo, eis-me aqui...
- Deixe-me descer e verá o que tenho preparado para você!

Miro passa para atrás da cadeira e segura Samuel pelo pescoço dando-lhe uma gravata.
Leôncio pega um saco de estopa que está se movimentando muito.
- Trouxe-lhe um presente!
Não, não é o saco para colocar minha cabeça...

Abre a boca do saco e coloca a mão cautelosamente dentro dele.
Quando retira a mão, está segurando uma enorme cascavel pelo pescoço.
A víbora chacoalha seu guizo freneticamente.
- Trouxe lhe sua amiga para fazer te companhia.
Não a morda, pois tenho absoluta certeza que ela morreria com seu veneno, nhonhô!
- Deixe-me em paz, seu negro infeliz.
Sei porque você me odeia tanto!

Samuel sorri com seus olhos esbugalhados tentando se soltar dos braços de Miro.

- Você sabe que possui Ayana, várias, várias vezes!
Ela tremia em meus braços, seus negro Otário!

Gargalha novamente...

- Ela me queria, me chamava!
Me chamava...
Me desejava!

- Eu sei o que você fez com ela, sei também que vingança é um prato que se come frio...

Miro aperta mais o braço no pescoço de Samuel.
Leôncio coloca a serpente próximo aos seus olhos.
Sorri mansamente e vai descendo até chegar rumo ao escroto do senhor de Esmeralda.

- O senhor merece esse tipo de morte, dê lembranças ao demônio!
Encosta a cascavel meio as penas de Samuel, que é picado por várias vezes...

Suas vistas ficam cada vez mais turvas, sua voz não lhe sai da garganta.
Ele escorrega suavemente da cadeira de balanço e para no assoalho frio do alpendre.

Maria Boaventura.





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