Mente humana

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Mente humana.

Capítulo 62

A mente humana é um labirinto repleto de caminhos
sinuosos e bifurcados. Caminhos que conduzem seus caminhantes à perca do bom senso e muitas vezes, à razão.
O corpo responde ao mau funcionamento de seu intelecto perdendo a sensibilidade ou construindo imagens não sólidas, não existentes...
A demência e a loucura passam a fazerem parte do cotidiano daqueles que sofrem de tal mal.

O frio da madrugada e a ansiedade pela partida para a capital, rouba o sono do capitão do mato. Seu único interesse é capiturar o negro desafeto do senhor Samuel.

Serafim, passou sua infância e adolescência como escravo cativo de um mestiço capitão do mato; vendo sua raça ser capturada, vendida e morta pelo seu senhor mestiço...
Quando chega a juventude, já não há misericórdia em seu coração, passa a caçar e capturar negros fujões, sempre usando de um imensa crueldade. Isso passa a agradar deveras seu dono.

Certo dia, no meio de uma mata fechada ele mata seu dono tomando- lhe o lugar de capitão do mato. Sempre astuto e cruel, mata o negro que está caçando, colocando a culpa no defunto pela morte do seu senhor...
Serafim foi criado pelo ódio, sua raça não passa de negócios para ele. Agora que a escravidão foi abolida, caça homens e os mata por dinheiro e por prazer.

São três horas da manhã, Serafim levanta e sai do quartinho onde pernoitou.
Pensa que já é chegada a hora de partirem para à Capital, pois senhor Samuel disse-lhe que sairiam de madrugada.
Ao chegar em frente ao alpendre vê o senhor Samuel caído ao chão.
Ele sobe os degraus correndo e encontra-o esticado no chão com os olhos extremamente arregalados, as duas mãos fechadas, seu corpo está trêmulo, a boca está espumosa e sua calça está coberta de urina.
Ele abaixa-se e segura o senhor Samuel pelo ombro e o chama.
- Senhor Samuel, senhor Samuel! O que houve? O senhor está bem?
Diz Serafim, gritando e balançando o corpo sem sentidos do senhor Samuel...

Após alguns instantes insistindo sem sucesso, o mulato grita por socorro.

Samuel vem recobrando os sentidos...

- Mate os dois negros! Ao de eles estão? E a cobra, mate ela...
- Que negros, que cobra?
Não há ninguém aqui nem cobra alguma!
Samuel vai escorregado de mansinho e com a ajuda de Serafim, encosta na parede perto da cadeira de balanço.
O senhor das terras, tenta se localizar e começa a bater coa as mãos na cabeça.
- Pensa, pensa! Vamos maldita cabeça, pensa!
E assim, tenta recompor seus sentidos...
Sua respiração está ofegante, ele medita, olha para todos os lados, olha para cadeira de balanço e após alguns instantes, diz para Serafim:

- Não diga nada sobre isso a ninguém! Estou bem, foi somente mais um maldito pesadelo...

Nessa hora, dona Beatriz abre a porta que leva até o alpendre, vê seu marido sentado ao chão.
- O que houve, Samuel?
Você está bem?!
- Saia daqui, sua infeliz! Deixe-me em paz!

Dona Beatriz volta sobre seus pés e adentra a sala...

- Vá, Serafim! Arrume suas coisas, partiremos daqui a pouco...
- Minhas tralhas já estão prontas.
- Pois bem! Vou tomar um banho e logo partiremos.
- Eu o aguardo.
- Sele meu cavalo, partiremos em minutos.
- Sim!
Dona Beatriz está sem saber o que aconteceu, se sente impotente e muito burra, apesar de ser constantemente humilhada, atende aos chamados de socorro por seu marido...
Ele entra com um rompante de senhor de escravos e diz com brutalidade:
- Arrume- me um banho e roupas limpas. Partirei logo após para a capital. Rápido, Sua lerda!
- Sim, marido.
Vai até a cozinha e por cima da chapa do fogão, que ainda está morno pelas brasas que estão por baixo das cinzas... Há uma chaleira de ferro com água esperta.
Ela coloca na tina e completa com água fria.
Samuel se banha. Dona Beatriz alcança-lhe suas roupas, ele olha lhe com um olhar enfurecido, ela não compreende o motivo de tanto ódio e pensa: _ Não há motivos, meu marido está enlouquecendo igual ao pai e ao avô...

Beatriz sente medo por ela e por suas três filhas.

Logo após o banho Samuel monta em seu cavalo e parte com Serafim atrás de Leôncio.

Seus pesadelos fazem O ódio de Samuel crescer, neles o negro sempre o vence e isso, faz a frustração e a fúria tomarem conta de sua alma.

Sítio...

Ayana levanta-se com o primeiro cantar do galo.
Senhor Damião pede para o negro que ficou trabalhando para ele, que sele um cavalo manso para que ela vá até a fazenda.
- Você já montou alguma vez?
- Sim, Elizeu. Quando eu era mocinha, levava almoço de carroça até o eito. Quando lá chegava, Leôncio tica a carroça e eu montava pelas estradas da roça.
- Vejo que sua escravidão foi bem melhor que a minha.
- - Eu era a predileta do filho do senhor e essa condição sempre custou caro demais.
Algumas liberdades e regalias nunca compensaram o que tinha que ceder para obte- las
- sei bem como foi e como ainda é. Tome cuidado, o cavalo é manso, mas as estradas estão cheias de pessoas ruins e a cor da pele não tem nada haver com essa maldade.
- Eu sei muito bem.
Ayana monta o cavalo e parte para a fazenda Esmeralda.

O caminho é longo para uma mulher negra e solitária...

Estrada...

Após o grupo de soldados e fazendeiros passarem com os prisioneiros passarem...

Leôncio e Miro se levantam e ficam parados no meio da trilha.
- Prenderam muitos irmãos, Homero está no meio deles.
Imagino que a forca será o triste final para pagar as vidas que ele ceifou.
- Leôncio, deveríamos ter voltado e lutado contra esses soldados!
- Morreríamos ou seríamos presos! Não tínhamos o que fazer...
- Agora temos o que fazer! Voltar e ajudar nosso povo que ficou no acampamento.
Tenho certeza que há muitas maneiras do povo viver sem roubar ou matar.
Vamos Leôncio, podemos fazer a diferença na vida dessa gente!
- Meu amigo, tenho certeza que sim.
Porém, não podemos ficar, tenho que encontrar a Ayana.
Preciso ir para à Capital, preciso!

Os dois negros olham um para o outro, seus olhos vertem lágrimas...
Leôncio olha para Miro que olha para os lados do quilombo...

- Então, é um adeus?
Pergunta Leôncio.
Miro o abraça e diz:
Não, não é um adeus.
É um até logo, meu amigo.
É um até logo. Essa minha perna só irá atrasar sua viagem. E, tenho plena convicção posso ajudar essa gente a viver em paz e sem praticar contravenções.
- creio nisso, meu irmão e meu melhor amigo.
Um até logo então.
- Até logo.
Os dois se abraçam...
Leôncio segue em frente e Miro desce o morro rumo ao quilombo.

Maria Boaventura.






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