Liberdade

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Capitulo 27

Esperança...

Esperança é uma palavra que se difere da palavra esperar; Leôncio com as costas retalhadas pelo chicote, em sua mente, não há esperança... O que lhe resta é somente esperar o dedo do seu inimigo apertar o gatilho.

Esperar a morte da lhe o devido descanso dessa vida de abrolhos.

Nesse momento não tem como ter esperança, pois a arma está apontada para seu crânio, e a mão que a tem, é terrivelmente má e desiquilibrada.

Castilho vê a tropa de cavaleiros que se aproxima, ele segura a arma da mão de Samuel.

- Não se atreva a me impedir de estourar os miolos desse negro! Chega de esperar, acabou a paciência.

- Senhor Samuel, olhe!

Samuel olha para a porteira e lá está dezenas de fuzileiros da guarda Nacional.

Ele abaixa a arma e caminha para o encontro com os oficiais que estão no comando.

- Bom dia! Fazenda Esmeralda, estou certo?

- Bom dia. Sim, está certo! Sou o proprietário, senhor Samuel de Albuquerque.

- Vejo que os escravos estão todos reunidos, isso é deveras bom.

Venho cumprir um mandato ordenado pela coroa. Preciso falar com todos os negros aqui da fazenda, mande chama-los!

- Primeiro preciso saber do que se trata, estou no meio de um corretivo em uns negros fujões e não imagino o que seja mais importante para mim nesse momento.

- O mais importante é me obedecer, senhor Samuel de Albuquerque, saiba que não lhe fiz um pedido; dei-lhe uma ordem!

- Ora, sargento, quem lhe deve obediência são seus subordinados, eu não o sou!

- Capitão, sou Capitão da guarda nacional!

Ele tira o olhar de sobre o senhor Samuel, olha para Castilho com um olhar imponente e diz:

- Qual seu nome?

- Castilho, senhor!

- Castilho, tire esses homens do tronco.

- Mas!

- Agora!

Samuel olha com um olhar arregalado e furioso...

Porém, se cala perante o rompante do Capitão.

Os quatro negros são tirados do troco, e são amparados por seus irmãos, que os consolam e tentam os manterem sobre os pés.

Logo após todos os negros estarem reunidos; os de dentro da casa também, um soldado retira uma declaração timbrada pela coroa e assinada pela regente, princesa Isabel.
Levanta sua voz o mais alto possível.

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Declaro que a partir dessa data; 13 de maio de 1888, todo, e qualquer tipo de escravidão está abolida no Brasil. Todos os homens, mulheres e crianças são cidadãos brasileiros, livres, podendo usufruir de todos os direitos garantidos pela lei...

... toda e qualquer oposição feita por seus antigos donos, quanto à deixa-los seguir sua liberdade, será reprimida com os rigores da lei estabelecida a partir da data presente.

Ass. Isabel Cristina Leopoldina...

Rio de Janeiro, 13/5/1888

- Isso só pode ser brincadeira!

- Não o é, e digo mais; se o senhor não se comportar pacificamente, o prenderei até que os negros saiam em paz!

- Não! É uma brincadeira de mau gosto! Aquela princesa...

Mulherzinha! Desgraçada.

- Cale-se!
Não tolerarei ofensas contra a nossa regente!
Quem estais pensando que é?!

O capitão está enfurecido com o desrespeito que Samuel está mostrando contra ele; que é uma autoridade de alto escalão, também desrespeito com a princesa regente...

Os negros estão parados, estáticos. Não conseguem acreditar, ou não compreenderam o teor da declaração.

O Capitão fuzila o senhor Samuel com o olhar, entra no meio dos negros, e diz:

- Penso que vocês não entenderam o porque estamos aqui. De hoje em diante vocês estão livres, livres!

Vamos, podem ir embora ou ficar. Vocês são donos de suas vidas agora.

Leôncio que está amparado por dois homens, deixa várias lágrimas cair...
Ele chora alto como uma criança com fome, esqueceu-se que a morte lhe sorria a poucos instantes... E de tanta alegria abraça seus irmãos.
Dá alguns passos, olha dentro dos olhos furiosos de Samuel, e cospe no chão próximo aos pês dele.

Isso faz que ele, em um súbito acesso de fúria se atire para cima de Leôncio.

- Eu te mato, negro! Você não sai daqui vivo!

O negro sorri em meio as lagrimas que caem...

Samuel se desespera e é segurado por dois guardas.

- Me soltem seus malditos, não podem fazer isso comigo! Leôncio seu negro dos infernos! Eu vou matar você! Você matou meu filho, vou matar você!

Algumas negras pegam seus filhos e amarram seus trapos em uma trouxa, e se encaminham seguindo a procissão, que ruma para a porteira da fazenda.

O negro caminha com dificuldade, não olha para trás, ouve o seu inimigo aos berros o mal dizendo e o ameaçando.

Uma mistura de euforia e medo toma o coração de todos, olham a estrada de terra batida e caminham para onde a liberdade os levar.

Liberdade!

- Você me paga seu desgraçado, vou matar seu outro filho! Vou matar sua negrinha, seu demônio!

Grita Samuel, buscando com isso, inflamar a irá do negro.

Leôncio para...

- Não, não de ouvidos a ele, vamos enquanto ainda temos vida.

- Como vou encontrá-la? Somente ele sabe onde ela está.

- A gente a acha, mas precisamos estar vivos!
Precisamos viver, Leôncio!

Ele aperta seu punho e com um esforço descumunal, reinicia a caminhada incerta, rumo à liberdade tão esperada...

Acabou-se o tempo de espera.
Vive-se agora...
Tempo de esperança renovada, tempo de viver a vida sendo donos de seus destinos.

E a negra procissão segue rumo ao desconhecido...

29/10/21

Maria Boaventura.

Espinhos da LiberdadeWhere stories live. Discover now