Sem pecado

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Capítulo 6

Apesar de coronéis, barões e fazendeiros se dizerem Cristãos, quando se tratava de fêmeas negras, sua fé sempre ficava em segundo plano.
O adultério não era considerado como um pecado capital para aqueles que o cometiam, pois as negras não eram seres humanos, eram todas suas posses, seus objetos, e usar o que é seu não traz culpas nem imoralidade; tão pouco se faz pecado.

As esposas, em sua maioria, sabiam o que acontecia dentro de suas casas, ou nas senzalas, fingiam não se importarem, pois o machismo e o senhorismo reinavam supremos nos lares.

Dona Beatriz entristeceu- se deveras com a partida da mucama predileta, mas calou-se perante a arrogância de seu marido.
Nos últimos três anos ela sofrera dois abortos espontâneos, e após a morte trágica de seu único filho homem, a preocupação veio-lhe tomar conta de seus pensamentos.
Era chegada a hora de engravidar novamente e dar outro filho homem para seu inconsolável marido.

Passaram-se poucos dias e as feridas de Leôncio estão descascando, ele está magro e desconsolado.
Através das grades da janela da senzala, do lugar onde ele está presos a ferros, da pra ver um monturo de terra vermelha e recém mexida...
Sob aquele amontoado de terra, está seus três inocentes filhos...
A dor desse negro pai é indescritível, imensurável.

Senhor Samuel vem à senzala, puxa um banquinho e fica com o olhar fixo em seu escravo, não esboça nenhuma palavra, apenas fita-o com uma seriedade suprema no olhar.
Leôncio baixa a cabeça, intimidado se mantém quieto e submisso, porém seu coração queima e seus pensamentos são de vingança e morte.

Dois lados opostos da mesma moeda. Samuel máquina em seu coração o mal e uma vingança horrenda e certeira.
Leôncio é um leão enjaulado que aguarda o momento certo para enfiar suas garras na jugular do seu caçador.

- Amanhã esse negro vai para lida! Coloquem ferros em seus pés, correntes bem curtas, não quero que lhe venha algum pensamento de fuga.
Ele não sai de suas vistas Castilho!
- Pode deixar senhor, ele vai estar grudado em meus olhos.
- Se ele pensar, pensar ou sonhar em fugir, mais vinte chicotadas!
Ele vai aprender onde é seu lugar.
Coloque ele na cabeça do eito, sempre na frente, se ele esmorecer dá-lhe chicotadas no lombo!
Vou pensar em algo que dobre a espinha desse nego.
- Sim senhor!
Pode deixar comigo!
Ele vai puxar o eito com ligeireza ou o chicote cantará em seu lombo!

Castilho, o feitor não tinha misericórdia do couro dos negros, apesar de na fazenda Esmeralda quase não haver castigos severos, após a morte do senhorzinho Felipe as coisas estão mudando para os negros, o que alegra o feitor e os capangas, que desconsideram a raça negra.
Os animais de muitas fazendas são melhores tratados que os escravos, melhores alimentados e  cuidados.

Os negros que sempre foram relativamente bem tratados e felizes com a falsa liberdade que tinham na fazenda Esmeralda, se vêem temerosos e amedrontados com o que o seu senhor fez e está fazendo com Leôncio.

Três crianças negras por seu filho branco.
Qual foi o grande pecado que Leôncio cometeu para que sua vida tenha se tornado tão miserável e sem valor?

Todos temem sofrerem os castigos impostos a seu irmão de cor.
O silêncio reina no eito e todos trabalham até a verdadeira estafa.

Ayana chega ao seu novo destino, um sítio distante, um lugar adverso e solitário.
Sua gestação é de seis meses e a barriga já está saliente e arredondada.

4/10/21

Maria Boaventura.
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Espinhos da LiberdadeWhere stories live. Discover now