Sonhos e pesadelos

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Capitulo 86

Sonhos e pesadelos

A noite é uma amiga inimiga.

Amiga para aqueles que fecham seus olhos e adormecem o sono dos justos, trazendo consigo sonhos pacíficos e restauradores para o corpo e a alma.

Todavia, para aqueles que depositam suas cabeças ao travesseiro e maquinam contra seu próximo, ela se torna uma inimiga voraz, enchendo suas mentes de pesadelos e roubando lhes o descanso devido.

Esta noite em particular

Vem roubando o sono dos justos e dos injustos, trazendo em evidência seus sonhos, seus planos e seus medos. Enquanto dona Beatriz sente-se realizada e cheio de forças, a pobre Ayana está desolada, cheio de temores e medos pelo sumiço de seu pequeno filho.

No hospital, Aurélia está acordada cuidando de seu paciente pós operado.

A baronesa cuida com todo amor e carinho do menino que lhe abraça e a chama de mamãe.

No sitio o filho de Catarina, alimenta-se nos braços de sua tia Selma, que já quase não se lembra do infortúnio que o negro Mané cometeu a ela e sua irmã.

Os negros do quilombo juntamente com Miro, se alegram pois na manhã seguinte tomarão posse de suas terras doadas pela bondosa baronesa.

Nhá Jacinta, o Doidinho e Manuela se preparam para mudarem para o Sitio de Damião.

Em contra partida, os quilombolas que roubaram às fazendas, matando os funcionários e os donos, penam sua sorte na cela da prisão.

Os advogados planejam as defesas de seus clientes.

José Jeronimo sonha com sua linda mulata Octaviana.

Serafim Maquina a morte de Leôncio.

E Samuel tenta dormir com seus demônios o atormentando.

E assim, a noite vai passando para todos seus amigos e seus inimigos

Dividindo suas dádivas entre sonhos e pesadelos.

Santa Casa de Misericórdia

Aurélia está acordada cuidando de Leôncio, altas hora da madrugada, após aplicar um medicamento a febre alta cedeu.

O doente abre os olhos lentamente, vê Aurélia de costas escrevendo em uma prancheta todos os procedimento que havia ministrado no doente.

- Senhora, por favor, dê-me um pouco de água. Disse Leôncio com uma voz enfraquecida.

- Ora, vejo que está melhorando! É deveras muito bom que acordastes.

Tome. Beba Água bem de vagar.

Ajuda-o levantar a cabeça e ele pega o copo com as duas mãos bebendo a água com lentidão.

- Preso muito sua recuperação, creio e tenho fé que doravante irás se recuperar, mesmo que seja com lentidão. Apenas peço que sejas um bom paciente e tenha paciência, esse é o segredo. Sem extravagancias e a recuperação virá em bom tempo.

Diz a doutora sorrindo.

- Me diga, senhor Leôncio, o que levou-o a sofrer esse atentado, fostes assaltado?

O negro está com sua respiração ofegante, pois está fraco pela grande quantidade de sangue que perdeu e pela infecção no local das facadas, mesmo assim, ele empurra o corpo com os braços firmados no colchão e levanta um pouco o tronco sobre a cama ficando como se estivesse sentado escorado a cabeceira da cama. Puxa o folego e diz:

- A única coisa que tenho e que podem me roubar é minha vida, pois não possuo mais nada.

- E olhe aì, já estais querendo perde-la, não está obedecendo sua medica, se se esforçares, com certeza sua vida não mais existirá.

Não digas mais nada, descanse.

Ele respirou fundo e tornou a falar.

- Estou bem!

- Bem, Bem perto de vestir o paletó de madeira, isso sim!

- Fui escravo em uma fazenda no interior, meu dono não ficou feliz com a libertação de seus escravos, me culpou por seus infortúnios, imagino que ele é quem deseja minha morte.

- Pois ele a terá se continuares de prosa. Deite-se e durma, amanhã conversarás mais um pouco.

Aurélia fica preocupada com seu paciente, segura lhe o pulso e mede as batidas do coração. Coloca um artefato usado para ouvir as batidas do coração, coloca-o sobreo peito de Leôncio e encosta o ouvido sobre o artefato, constatando que o coração está batendo descompassado.

- Precisas dormir para descansar, amanhã de manhã, meu tio virá visita-lo e ai, talvez, poderás contar para ele sua história. Ele é advogado, quem sabe, poderá te livrar de seu antigo dono.

Durma!

Dizendo isso, Leôncio deita. Aurélia sai do quarto e vai ajudar alguns enfermeiros com o medicamento para outros pacientes que estão internados.

Hotel...

Samuel após o jantar sobe para seu quarto, está deveras feliz por Serafim ter localizado seu desafeto, porém, nervoso por o capitão do mato não ter concluído sua empreita e por isso, ter sido arrastado até à capital atrás do desprezível do Leôncio.

Senta-se sobre sua cama e resmunga sozinho:

_ Aquele mestiço bastardo! Bem que poderia ser eficiente e ter dado cabo de uma só vez do maldito negro.

Terei que dar cabo desse tal de Serafim logo após ele acabar o serviço...

Tenho absoluta certeza que esse mestiço metido a facão sem cabo me dará trabalho no futuro. Meu desgraçado pai sempre dizia-me "nunca dê um ponto sem nó, o barbante desamarrará e lhe servirá como corda para o enforcar" e o pulha do velho tinha razão!

Pois aproveite sua ultima morte seu mestiço imundo! Quando pensares que cumpriu sua tarefa eu darei seu pagamento no cano da minha garrucha. Maldito! Vai pagar caro a ameaça que me fizestes!

Samuel deita-se vestido e calçado de botas, seu corpo movimenta-se involuntariamente.

Ele adormece acompanhado de seus novos amigos; espasmos e tremores.

A relva do pasto está verde. Samuel levanta seus olhos e vê Ayana correndo e sorrindo alto, ele a persegue também sorrindo.

Alcançando-a, a pega pela cintura e os dois caem na relva cheirosa e macia. A negra toca-lhe suavemente o rosto com os lábios sedosos, beija-lhe o lóbulo da orelha, deixa a humidade de sua boca deslizar da orelha até os seus lábios trêmulos. A mulata pega a mão suada de Samuel e a coloca em seu seio, ele beija lhe o pescoço perfumado, suas mãos descem até as coxas firmes e arredondadas, puxa a saia de Ayana que ofegante sussurra em seu ouvido _ Ti amo Samuel, ti amo.

Ele olha para o rosto escultural de sua amada e, e em milésimos de segundo o rosto de Beatriz aparece.

E, como se Ayana fosse sugada para uma outra dimensão, ela some no meio da relva.

Em seu lugar deitada ao seu lado aparece Beatriz, seus olhos estão chorosos e derramam sangue no lugar de lagrimas.

Samuel fica paralisado e quando tenta sair, correr atrás de Ayana ele vê nos braços de Beatriz, um feto quase morto ainda ligado ao cordão umbilical. O sangue dos olhos de Beatriz escorrem como filetes vermelhos que chegam até o feto arroxeado, ele está arquejante e puxa o ar com extrema dificuldade, tentando dar seus últimos suspiros.

Subitamente a criança abre os olhos, e no vazio que há dentro dos olhos dela, ele vê nitidamente três crianças negras escalando aquela imensidão e tentando sair pelo buraco negro e profundo dos olhos do feto. Dedos pequenos saem dos olhos da criança...

Samuel tenta gritar, mas sua voz fica embargada na garganta, ele segura sua cabeça com suas duas mãos e grita bem alto...

Senta-se sobre a cama e diz:

_Maldita Beatriz! Até em meus sonhos atrapalha minha felicidade. Maldita, maldita!

Maria Boaventura

Espinhos da LiberdadeWhere stories live. Discover now