Receptáculo

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Receptáculo

Capítulo 55

O corpo nada mais é que um receptáculo, usado para transportar a alma e o espírito; independente de cor, sexo ou aquisições financeiras.
Ele não traz por si próprio o bem ou o mau caráter, apenas conduz sobre os pés o indivíduo e, esse indivíduo é guiado por sua índole; traço que carrega consigo desde o nascimento, ou adquire durante sua trajetória de aprendizado nessa vida...

Caminho de volta para o assentamento...

Enquanto os negros caminham eufóricos pelas trilhas no meio da mata, vangloriando-se pelos objetos e alimentos que recolheram durante a invasão da fazenda...

Leôncio caminha em silêncio segurando o vestido enrolado em seu braço.
Em suas costas, um saco repleto de fubá. O peso do saco é esquecido por ele, pois àquela família aterrorizada não lhe sai da memória, a sena o arremete ao passado não muito distante, à memória daquele dia não consegue ser apagada pelo tempo, não há como esquecer aquele dia tenebroso.

- Me parece não está feliz com tudo que conquistamos essa noite, Leôncio?!
A felicidade de seus irmãos de raça não o deixam feliz também?

Pergunta Homero, que caminha ao lado de Leôncio.
Ele carrega em seu ombro um saco com feijão, em uma das mãos que está livre, traz uma garrafa de água ardente, a qual vem bebendo desde que saíram da fazenda.

- Como eu não estaria feliz, se as mulheres e crianças do quilombo vão ter o que comer?!
Isso me deixa muito feliz, porém, estou a pensar; se a guarda imperial souber que são os negros do quilombo que roubaram...
- Não diga, roubaram! Nós não roubamos nada! Apenas pegamos o que nos pertencia por direito, nós demos nosso coro, literalmente, para enriquecer esses branquelos de má figa! Não, isso não é roubo, isso é um pagamento pelos couros tirados de nossas costas, pelos dentes quebrados por pauladas, pelas mulheres estupradas!
Não chame de roubo...
- Concordo! Em parte, concordo.
Todavia, a vida dos trabalhadores que matamos, não era nossa por direito.
- Você é muito puritano, negro Leôncio!
- Talvez seja mesmo puritano, mas temo que por causa dessas vidas tiradas a tropa da polícia vira bater na porta de todos os barracos, e se Deus não tiver misericórdia, mulheres e crianças negras, morrerão.
- Eles não virão!
- Não viriam se fosse gente branca matando gente preta, mas dessa vez aconteceu o contrário, então, fique em alerta.

- O que você quer dizer com isso?
- Em primeiro lugar; não deixe nada do que pegamos no assentamento.
Segundo lugar; nada de animais vivos, pois são reconhecidos pelo dono.
Terceiro lugar; mande que os homens não fiquem falando sobre o assunto, se a guarda chegar e pegar mulheres e crianças, não sabendo de nada elas não baterão com a língua nos dentes.

- Vou pensar nisso, agora só quero chegar rápido, minha cabeça tá rodando.
- É bom pensar...

Alguns negros que já estão a muito tempo no quilombo, estão prestando atenção no negro Leôncio, estão murmurando sobre Homero acatar as palavras dele.
Estão indagando o porquê opnar, se ele acaba de chegar, isso está causando inveja e ciúmes entre alguns negros do bando.

Fazenda Santa Efigênia...

Passa-se mais ou menos uma hora, o negrinho sai de dentro de um caixote velho de madeira, o caixote é tão velho e quebrado que não atiçou a curiosidade de nenhum dos negros em abri-lo.

Ele entra pela porta da cozinha, desconfiado e sorrateiro, observa se todos os negros foram realmente embora.
Chega à sala, olha para todos os lados e sobe às escadas para chegar ao segundo andar.
Ao chegar ao corredor que leva aos quartos, vê que tudo foi revirado, às portas estão abertas, seu coração dispara por medo de entrar no quarto principal e encontrar a família morta.
O negrinho caminha lentamente desviando dos móveis quase não consegue enchergar, pois a única claridade que alumia seu caminho é a luz do luar que passa pelas janelas que estão escancaradas.
O casal ainda está dentro do" closet" procurando fazer o mínimo de movimentos possíveis, estão agradecidos a Deus, seus filhos adormeceram, derrepente ouvem passos no quarto e o medo se torna descomunal...

- Sinhá, vocês estão bem?

Pergunta o menino com a voz bem baixa aproximada a um sussurro.
- É o Tadeu!
Diz a Sinhá a para seu marido.
- Menino Tadeu, é você?
- Sim, nhonhô.
Os negros ladrões, já foram embora.
- Graças a Deus!
O casal sai de dentro do " closet" seus olhos marejados, de tanta felicidade abraçam o negrinho.
- Agradecemos por ter nos avisado, se não fosse você, menino, estaríamos todos mortos!
- Ele e aquele negro, se não fosse ele ter mentido para o negro que estava no comando, teríamos morrido, eles matariam até nossos filhos...
- Apesar de tanta maldade, ainda existem pessoas boas:
Diz o dono da fazenda.
- Leôncio, vi aquele negro mau, o chamando de Leôncio.
E ele disse que sua mulher chamava Ayana...
- Aqueles negros mataram todos os capangas.
Eu ouvi ouvi lá de dentro do caixote o negro chamado Leôncio, não deixou que eles colocassem fogo na fazenda.
- Não te disse, meu marido, ele é bom ou é diferente dos outros...

O casal sai para o lado de fora da casa e vêm os homens sem vida no pátio.
O dono da fazenda não teve coragem de deixar sua família sozinha na casa e sair para pedir ajuda nas fazendas vizinhas.
Ao amanhecer o dia, arreia um cavalo e manda o negrinho ir pedir ajuda e contar o ocorrido.

Maria Boaventura.

Espinhos da LiberdadeWhere stories live. Discover now