Corpo frio

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Capítulo 47

Na mata...

Miro e Leôncio, sobreviveram a mais de dois meses na mata.
Durante vários dias às esperanças de Leôncio se dissiparam, como se dissipa as nuvens no céu.
A febre e as dores horrendas que seu amigo passou o fez quase perder a fé, mas Deus os protegeu e seu amigo está quase recuperado.
- Pelo que vejo, muito em breve poderemos partir desse lugar abençoado.
- É verdade, meu amigo.
Esse lugar nos manteve vivos, apesar das dificuldades...
Estamos vivos!
Graças a Deus e a você meu grande amigo Leôncio.
Por muitas vezes te pedi para partir e me deixar viver, ou morrer, porém, você nunca me abandonou.
- Não deixamos os amigos para trás.
Me recordo daqueles dias tenebrosos naquela fazenda do maldito senhor Samuel.
Vocês não fugiram sem mim.
Aguardaram minha recuperação...
Não se deixa um amigo, por nada!
Se você morresse, estaria aqui para enterrá-lo, amigo é amigo até debaixo da água!
-Sou grato, meu irmão negro Leôncio!
- Eu sou grato, meu irmão negão Valdomiro!
- Assim não vale, ninguém me chama de Valdomiro!
Só você meu irmão.

Os dois negros sorriem e se preparam para dentro de poucos dias partirem para a capital da província.

Fazenda Esmeralda...

- Nem acredito que a colheita terminou!
Esses italianos me roubaram a paz por esses meses, se não houver um jeito de trazer essa negaiada de volta à escravidão estaremos perdidos.
Será quase impossível manter às lavouras de café.
- Creio que será melhor dar suas terras em porcentagem para eles, pois a cada colheita, o senhor pega sua parte do café já colhido.
Coloca eles para viverem bem longe da sede da fazenda e vive somente dos lucros.
- Você me deu uma ideia estupenda, Castilho.
Não sei se poderei lidar com essa gente escandalosa e desbocada.
Vou pensar seriamente em arrendar minhas terras.

Senhor Samuel ainda fala quando ao longe vê um cavaleiro se aproximando...
- Já era sem tempo, espero que Serafim me traga ótimas notícias... aguardo a felicidade de ver o coração daquele negro, totalmente podre em um saco de estopa. Essa, com certeza, me será a mais bela visão de todas as que já tive na vida! o coração daquele negro maldito e infeliz!

No sítio...

Bidú está pensativo...
Logo pela manhã irá partir, conhecer coisas que jamais imaginou conhecer.
O medo e a euforia tomam conta do jovem negro, e roubam- lhe o sono.
Ele sai caminhando pelo trilho que leva ao rio e vê uma silhueta parada no meio das águas...
No primeiro instante, pensa ser uma alma penada que apareceu somente para o assombrar, pensa em correr, mas ouve um soluço bem baixinho, o que aguça sua curiosidade.
Abaixando-se por entre as samarras da beirada do rio, constata ser uma silhueta feminina e conhecida...
Após observar aquela mulher nua e estática segurando algo em suas mãos, ele vê que ; aos prantos, ela solta algo e virando às costas, banhasse e sai silenciosa rumo à casa.
O objeto que ela soltou movimentasse lentamente,
Flutua na superfície das águas, meio à mansa correnteza que bem de vagarinho o conduz para a beira do barranco...

O negrinho caminha na beira do rio, em meio aos juncos. Seu interesse é atiçado por aquela coisa estranha
que não para de se movimentar.
O rapazote se detém junto à massa avermelhada que está ligada por um cordão azul até a uma pequena bolinha cabeluda e com bracinhos...
Um pequeno choro é ouvido por Bidú, isso faz o jovem cair sentado ao chão, ele recupera- se rapidamente do susto e pega a criança nos braços.
Pega também aquela massa vermelha que está ligada ao bebê:
- Meu Deuzinho!
É uma criança?!
O que faço agora?

O negrinho tira a camisa enrola no bebê e sai correndo para à casa, chegando depressa até o quarto de Ayana, onde bate com insistência.
- Nega Ayana, abre por favor!
- Menino Bidú? O que houve?
- Abra a porta, tenho algo para dar a você.

Ayana fica um pouco receosa, porém ela conhece o menino Bidú e sabe que ele é um negrinho de boa índole.
Ela levanta-se, vai até a porta e vê um pequeno embrulho nas mãos do negrinho.
Ele dá-lhe a trouxinha que se movimenta em suas mãos.
Ayana pega na ponta da camisa ensopada e se assusta com o rostinho enrugado do mulatinho.
- Deus meu! Onde você encontrou esse bebê?
- Dentro do rio, vi uma mulher no meio do rio soltando algo das mãos...
... ela colocou o vestido e veio para o rumo da casa...
peguei o bebê e trouxe para você.
- Fez bem, o menino está congelando!
Ela pega a criança e a coloca sobre a cama, corta o cordão umbilical... Tira a blusa e coloca o bebê em contato com sua pele quente, se enrola em seu cobertor e aquece a criança.
Bidú está sentado do lado de fora do quarto muito preocupado com o recém nascido.
- Pode deixar, vai ficar tudo bem com a criança.
Vai dormir, menino!
Eu cuido do bebê...
Agradeço por salva-lo.
Ele não merece perder a vida
Seja filho de quem for.

No quarto da casa...
Catarina acorda em um sobre salto!
Passa a mão em seu ventre e não mais encontra o volume que outrora havia ali.
Respira ofegante e profundamente...
Recorda-se do rio; da dor;
De suas mãos se abrindo; do bebê afundando nas águas turvas...
Ela grita desesperada acordando a casa toda.
- Não, não!
Eu não queria ter matado ele.
Meu Deus!
Me perdoa!
Não, não, não!

Sua mãe entra no quarto, pensa ser um pesadelo.
Olha para cama de Catarina, está toda ensanguentada.
Seu ventre está vazio, aonde está o bebê?
Selma chora e grita em desespero, não compreende o que está havendo.
- Aonde está a criança, minha filha?
O que aconteceu?
Diga-me!
Catarina chora e grita!
- Eu o afoguei no rio, ele afundou, matei meu filho, matei!
- Mas como, você teve ele sozinha?
Minha filha, me diz.
Vamos marido, vai até a porta de Ayana e a chame, por favor!
Quando o senhor Damião ia saindo na porta da cozinha, encontra a mulata que já vem entrando enrolada em um cobertor.
- Já ia chama-la, aconteceu algo com Catarina, vamos...
Ayana entra no quarto e vê o grande desespero da menina por ter deixado seu filho nas águas do rio.
- Eu o matei, Ayana!
Deixei que a correnteza o levasse para sempre...
A mulata abre o cobertor e nos seus braços, encostado em seu peito nu, está o menino quente e vivo...

Maria Boaventura.

Espinhos da LiberdadeWhere stories live. Discover now