Cobrando a conta

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Cobrando a conta

Capitulo 52

A caminho do sitio...

O cavalo trota pelas estradas esburacadas, senhor Damião se mantém sério e tristonho.

A carroça sacoleja repetidamente fazendo com que Ayana se segure com força na madeira revestida com pinos de ferro, usada para prender a lateral da carroça.

- Desculpe-me Ayana, os buracos estão bem maiores do que quando viemos.

- A carroça está mais leve agora na volta...

- A carroça deveras está mais leve, porem meu coração está mais pesado e escuro.

- Posso imaginar, senhor Damião. Me permite dizer-lhe algo?

- Permito. Podes me dizer o que bem lhe aprouver.

- Sabes do meu apreço por todos de sua família, o quanto gosto da sinhazinha Catarina, estou muito triste pela reação dela, quanto ao menino, mas respeito a decisão que ela tomou. A menina sofreu deveras com o que aconteceu, ainda mais, tendo uma alma pura.

Penso que o senhor e dona Alma deveriam deixar o menino aos cuidados de alguém de confiança, aquele lugar não é bom para ninguém, quiçá um recém-nascido!

Quem sabe, um dia a menina mude de ideia...

- Não creio que Catarina mude de ideia, ou esqueça algum dia o que aquele negro bastardo fez a ela. E para piorar o menino puxou os traços do pai, se ele ficasse conosco, seria um grande suplicio para todos.

- Entendo...

Posso lhe pedir um favor?

- Sim! Você pode me pedir qualquer favor, que procurarei atende-lo com prazer.

O que fizestes por minhas filhas lhe garantem esse direito.

- Sei que conheces bem o senhor Samuel e a fazenda Esmeralda, quero que vás à fazenda e obtenhas
noticias de meu marido, Leôncio.

Sei que o senhor Samuel sabe onde ele está, porem peço-lhe que não diga que ainda não parti de sua casa, pois ele quer tirar minha vida e a de meu filho. Diga-lhe que parti e que não sabes nada de mim e de Gabrielzinho, por favor!

- Ayana, você crê que ele, após tanto tempo, ainda quer matá-la?

- O feitor Castilho, disse-me hoje que ele procura meu marido para o matar, o ódio dele é sem limites.

- Está bem, amanhã bem cedo partirei para Esmeralda, não se preocupe, não direi nada sobre vocês. Também tenho apreço por você e pelo menino Gabriel, agradeço a ajuda que deste à Catarina, salvando-a daquele monstro e ajudando ela passar pelo martírio que passou.

- Eu agradeço por me fazer esse imenso favor.

A partir daquele momento, a estrada fica mais leve para os dois ocupantes da carroça.

 
Na capital...

O palacete da baronesa está mais bonito nessa noite, um jantar de noivado é oferecido para alguns seletos amigos dos noivos.

Entre amigos, a cor não faz a mínima diferença, os sorrisos enfeitam o salão e os convidados se misturam comemorando a alegria dos belos noivos.

- Muito prazer, sou Joaquim de Bezerra e Silva.

- Professor Joaquim de Bezerra?

Diz Rodolfo, recordando-se que na universidade sempre ouviu falar do professor.

- Já estou velho, passo grande parte do ano em Lisboa, preciso dos ares europeus, a saúde teima em preferir os ares da Europa.

-  Confesso que o invejo, pois adoraria morar no exterior.

- Não existe melhor lugar que em nosso país de origem, amo esse pedaço de chão, grande pena não poder ficar.

- Fostes professor do doutor José Jerônimo?

- Sim, esse negrinho deu-me muito trabalho!

Disse o professor sorrindo.

- Criado de uma família abastada, muito inteligente e sagaz. Apronto-me poucas e boas durante sua formação superior, imagine você; trinta alunos brancos, filhinhos de papai, aí chega o único negro; que aprendeu a ler depois de adolescente... sempre  ocupando o ultimo banco. justíssimo em tudo que fazia. Nota dez em todas as matérias, provas e testes!

- Ele era muito inteligente, então?

- Não, digo-te que esse homem é muito inteligente. Entre os trinta alunos brancos, ele se destacava, abusavam de sua inteligência, o obrigavam a fazer deveres e tarefas...

Aqueles janotinhas! Nunca serviram para limpar as botas do José Jerônimo...

Nós professores tivemos que nos curvar, pois no final do curso ele foi o melhor aluno em todas as matérias.

Se você cometer algum crime, meu amigo! ele é o advogado certo a se contratar.

- É deveras bom saber disso, ele é tio de minha noiva.

- É muita sorte a sua!

Eles tomam um licor e sorriem...

A baronesa esta radiante e o doutor José Jerônimo com seu coração repleto de alegrias.

Assentamento...

- Essa liberdade que empurraram em nossas goelas, não veio para nos libertar. Fomos jogados ao léu, sem perspectivas para nossa raça! Não é somente ir ali e tomar um banho e ficarmos brancos iguais á eles! Eles continuam com suas empáfias, nos olhando de cima para baixo, nos segregando! Que liberdade é essa, que nos aprisiona? Que nos mata de fome?

Liberdade que nos atirou nas estradas, nas praças da cidade, no meio das matas...

Se pelo menos tivessem nos enfiado em um navio e nos mandados para nossa mãe África!

Morreríamos ou viveríamos felizes em nossa terra. Nos jogaram fora como o resto do resto! Não aceitaremos ver nossas crianças morrerem de fome, enquanto os filhos dos nossos senhores empanturram suas barrigas e riem da nossa desgraça.

Temos que pegar o que é nosso, buscar o que nos pertence!

- Como faremos isso? Pergunta Leôncio.

- Vamos em uma fazenda e matamos um boi, trazemos a carne e dividimos entre todos, se encontramos arroz, feijão tudo que pudermos carregar, nos carregamos.

- Nessas fazendas, sempre tem homens armados, o que faremos para que nenhum de nós perca a vida?

- Não se preocupe, Leôncio.

Para essa fazenda que vamos saquear tem alguém que irá nos ajudar...

O esquema esta todo acertado, tudo vai dar certo.

 
Fazenda Esmeralda...

Samuel pensa e pondera, sua cabeça não lhe ajuda muito bem.

 O dia amanhece e Serafim chega logo cedo na frente da casa grande. Samuel está sentado no mesmo lugar, em sua cadeira de balanço fumando seu cachimbo.

- Bons dias, senhor Samuel.

- Bons dias, Serafim.

- O senhor resolveu o que irá fazer, quanto ao negro Leôncio?

- Sim, vamos acha-lo. Aquele negro não pode continuar vivo, tenho que mata-lo o mais rápido possível.

Vamos para capital, procuraremos nas estradas e nas fazendas, alguém deve ter visto aquele negro do demônio, ninguém evapora assim. Amanha partiremos bem cedo. Vou falar com os italianos que moram em minhas terras, logo após estarei livre para partir.

- Aguardo suas ordens!

- Fique descansando, amanhã começa nossa empreitada.

Maria Boaventura.

Espinhos da LiberdadeWhere stories live. Discover now