Brincadeira de criança

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Brincadeira de criança

Capítulo 17

Passam-se alguns dias...

Senhor Damião está com o quartinho Para Ayana quase terminado.
Durante a lida, todos os momentos possíveis, o negro Mané olha para a escrava com os olhos afogueado e lhe faz gestos obscenos.
Ela procura manter distância, porém ele a procura como um cão caçador, a caça.
Catarina sempre está perto da negra, a boa índole da jovem cativou-lhe a afeição.
Dona alma após ouvir a história de vida da escrava Ayana, se compadece, já não a trata com tanta rispidez.
- Hoje a noite poderá dormir em seu próprio quarto: Diz dona Alma vendo Oracio pregar a tramela no batente da porta.
- Ficou deveras bom, não é mesmo Ayana?
- Sim, sinhazinha.
Para mim, é um palácio.

Após a limpeza, o colchão é colocado sobre a tarimba, lençol estendido...
A negra tem seu lugar seguro e somente seu para dormir.

Apesar da distância, o sítio tem seus encantos...
Água cristalina de um riacho que passa a poucos metros da casa, um pomar repleto de árvores frutíferas, um pequeno pasto verde, onde há algumas vacas e dois animais.
A propriedade fora comprada a anos atrás.
Senhor Damião foi feitor do coronel Venâncio, pai do senhor Samuel.
Certo dia aconteceu algo terrível e o senhor Damião recebeu um belo quinhão para calar a boca.
Com isso, comprou a propriedade.

Frente ao riacho há um batedor para a lavagens de roupas, logo ao lado, um cercado para os negros se banharem.
Ayana já adentrou o oitavo mês de gravidez, porém como uma boa escrava, isso não atrapalha em suas obrigações.
Bem a tardezinha, ao terminar a lavagem das roupas sujas, entra no cercado para banham-se, quando termina seu banho e abre a portinhola para sair, encostado na parede está o negro Mané, sempre mantendo em seu rosto aquele sorriso sarcástico.
- Olá negra, você está a me dever muitas noites de prazer!
E vou cobrar uma agora mesmo.

Ele agarra-a pelo meio da barriga, tentando colocá-la de volta ao cercado para o banho.
Ela esperneia e cai ao chão;
enche suas mãos com areia fina e joga nos olhos do negro.

Devido a dor, ele a solta e ela corre para à casa, no caminho ela encontra Catarina que vem ao seu encontro.

- O que houve Ayana?

A negra está com o coração aos pulos e muito ofegante...
Em seu encalço vem o negro bufando.
Ao ver a sinhazinha Catarina amparando Ayana, ele para, esfrega os olhos avermelhados pela rispidez da areia; sorri maliciosamente...
Volta de onde veio.

- Ele intentou algo contra você?
- Deixe para lá, consegui fugir a tempo.
- Não deixarei, você está nesse estado e o sacripantas não te respeita!
Direi tudinho ao papai.
- Não se amofine por mim.
- Me amofino sim. Oras!

Ao entrarem em casa, Catarina conta o ocorrido para sua mãe.
Ayana senta-se em um banco na beira da porta da cozinha, coloca a mão em sua barriga, após uma pequena contração.
Ela assusta-se, ainda falta quase um mês para o nascimento do seu bebê.

- Está se sentindo bem?
- Na verdade, não estou sinhá.
Sinto algumas contrações, e não é minha hora ainda.
- Foi o susto que passau com a investida daquele Negro dos demônios!
Selma traga-me folhas de camomila para fazer um chá para Ayana.

A negra deitar-se e fica imensamente preocupada com a criança.
Quando senhor Damião chega sua esposa conta-lhe o ocorrido.
Ele se enfurece e vai para a senzala.

- Negro infeliz, você tentou pegar a minha escrava de novo?!
- Nhonhô eu tenho desejos de macho, preciso de mulher.
Se ninguém quer coitar a negra; eu quero!
- Cale-se! Você é mesmo um porco nojento.
A negra está lá perdendo o filho por sua causa.
Hoje todos vão dormir sem janta!
- Nós não fizemos nada nhonhô!
- Deveriam colocar juízo na cabeça de negro maldito dos demônios!
E tranca a porta, enfurecido.

- Se ela perder esse negrinho, pode deixar que eu faço muitos nela.
Diz o negro sorrindo.

A noite chega na fazenda Esmeralda...

Samuel anda pensativo por esses dias, ele da uma trégua para Leôncio respirar.

Em seu quarto, dona Beatriz se insinua para ele, ela quer engravidar para lhe dar um filho homem o mais rápido possível.
Ela lhe faz carinho, ele continua parado feito um móvel de madeira.
Ela despe-se mostrando seu belo corpo, isso aguça os desejos de Samuel.
Ele beija seu corpo inteiro, e a possui como nunca.

Após o ato, ele adormece e Beatriz sente-se muito feliz.
Ela é uma mulher fértil e o dia é favorável.

A noite está extremamente escura.
Samuel caminha em meio ao pomar, uma névoa fria e densa faz com que seu corpo arrepie.
Ele sente que está sendo observado, por detrás de algumas árvores ele vê crianças se escondendo e aparecendo; como na brincadeira de esconde-esconde.
Aquilo causa-lhe estranheza:
_ naquela hora da noite não poderia haver crianças fora de suas casas...
Ele caminha mais rápido!
A humidade da névoa se intensifica, fica quase impossível ver além de alguns metros...

Ele tropeça e cai por cima da vala onde foram enterrados os filhos de Leôncio.
O terreno se move e várias mãos pequenas o puxaram para dentro da terra.
Ele ouve vozes de crianças
Dizendo:
- Nhonhô vem, vem!
Ele grita! Seu grito é abafado
Pela terra que encheu- lhe a boca...
Seus olhos se fecham.
Quer gritar, a voz não sai.
Abre seus olhos e vê nitidamente a menina de Ayana com um enorme buraco ensanguentado na cabeça.

Caetano olha dentro de seus olhos, seu olhar é gélido e penetrante...
Samuel da um salto de sua cama ao mesmo tempo que grita em desespero.

Dona Beatriz acorda assustada:
- O que aconteceu Samuel?!
- Volte a dormir, foi apenas um pesadelo.

16/10/21

Maria Boaventura

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