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Guido abriu a porta antes que tocasse a campainha, não dando à Denis ideia do que acontecia ou tempo para fazer algo depois que Oliver estacionou na chuva miúda e subiu. A conversa ali era de sussurros.

— Vou esperar lá embaixo, no carro, certo? Se precisar é só descer, ou pode pedir para me chamarem e venho na mesma hora — disse Oliver.

Ítalo acenou rapidamente, sem retribuir em nada o beijo no canto da boca e ainda tendo os olhos baixos. Guido o puxou pela mão e fechou a porta, apertando a mão do amigo e acenando com a cabeça em tentativa de passar segurança.

— Estou feliz que esteja aqui — afirmou Guido.

— Eu não sei se deveria — Ítalo confessou.

— Deveria sim, e vou ficar com você o tempo todo, prometo.

— Obrigado — sussurrou.

— Denis, temos visita!

Podia sentir o nervosismo de Ítalo, e o tamanho de seu esforço quando viu Denis entrar na sala. Levantando a vista rapidamente para a baixar novamente para não ver-se menosprezado.

— Se temos visita talvez eu possa ir visitar Nicolas — disse Denis cruzando os braços em desafio, encarando o visitante de cima a baixo.

— Denis, por favor... — pediu Guido.

— Nós não... Nós não somos mais amigos, ...mesmo? — Ítalo perguntou.

— Mesmo.

— Deixa ele falar, Denis — pediu Guido.

— O que eu posso dizer, Denis? O que eu posso dizer... pra consertar? — Ítalo perguntou.

— Comece me dizendo o porquê, Ítalo. Por que escondeu isso de mim? — sugeriu Denis.

— Eu tive medo... eu tive tanto medo que não aceitasse, por ser dele. Depois que contou como ele era... Você pode ser muito orgulhoso, às vezes... Eu não podia... arriscar...

Guido passou o braço pelos ombros de Ítalo para tentar acalmá-lo quando viu-o começar a chorar novamente, no entanto não olhou Denis, não queria que pensasse que estava do lado de um ou do outro, apenas esperava que dissessem tudo o que era necessário.

— Não podia? Ítalo, eu precisava saber e ponto final! Se trata dos meus rins de merda! — exclamou furioso.

— Tive medo que não pudesse conviver sabendo de quem era... que... se soubesse... eu te perder por causa do seu orgulho, Denis. A ideia de te perder... sendo de... sendo meu amigo... — Ítalo confessou.

— É este o problema, 'sendo meu amigo'.

Tendo ouvido aquilo como chantagem emocional Denis pegou a carteira, o celular e as chaves antes de sair por um tempo, deixando Guido com o amigo que uma vez tivera. Telefonaria para Nicolas no caminho.

— Calma Ítalo. Não foi tão ruim assim — o consolou Guido.

— Ele não acredita em mim — Ítalo concluiu.

— Ele vai pensar melhor, sei disso.

— Ele ao menos diz meu nome, às vezes?

— Vem, vamos beber um pouco de água.

Uma água fria o ajudaria a se acalmar, talvez com um pouco de açúcar, porém ao abrir a geladeira o viu avançar sobre a bebida que há tanto tempo não consumia, e segurou sua mão sem pegar a lata.

— Oliver não deixou que eu recomeçasse a medicação hoje, depois de conversar com o médico — tranquilizou-o Ítalo.

— Tem certeza que quer beber? — Guido certificou-se.

— Só um pouco, por favor.

— Lhe faço companhia, então.

Beberam pouco, apenas duas latas cada até que Ítalo se sentisse sonolento e decidisse ir embora. Ao sair no corredor não gostou do olhar do vizinho sobre si, o fazendo se sentir sujo e nu, então desceu pela escada de incêndio sem querer encontrar mais moradores no caminho, saindo pela garagem.

Estava confuso demais para se lembrar de Oliver e se deixou vagar tentando lembrar o que deveria fazer enquanto a cabeça mantinha um looping infinito. Ainda estava com sede e não fazia ideia de que horas eram, ou quanto tempo passou fora.

Não tinha ideia de quanto tempo Oliver passara o procurando depois de tocar a campainha procurando-o e descobrir por Guido que há horas havia saído, passando pelas quadras mais próximas com o carro, esperando encontrá-lo. Nem ideia da preocupação por chegar em casa e não encontra-lo, ouvindo os trovões do temporal que se formava.

☼☼☼☼☼

Oliver não sabia mais onde procurar ou o que fazer depois que procurar Ítalo perto de onde o deixou e perto de casa, tentando ligar para ele a todo momento como fazia Guido depois de avisá-lo. Usou sua chave para entrar na casa dele, quando bateu e não o encontrou, só que também não estava ali e voltou para casa esperançoso.

Horas depois escutou a fechadura e uma pancada na madeira e novamente a maçaneta e a fechadura. Então abriu a porta, abraçando quem estava atrás dela e mordendo os lábios para não culpá-lo da própria preocupação. Soltou-o percebendo que estava bêbado e encharcado, tomando o rosto gélido entre as mãos.

— Está tendo um temporal lá fora, Ítalo — disse sendo a única coisa que teve coragem de dizer.

— Eu não sabia.

— Vou te levar para tomar um banho quente antes que adoeça.

Encheu a banheira e ajudou-o a se despir e entrar na água aquecida antes de deixá-lo sozinho para tirar dali as roupas molhadas e a sacola que tinha um fardo de bebida. Preparou algo rápido que pudesse comer, embora não acreditasse que tivesse fome, e ligou para o médico em busca de orientações com o novo cenário.

Diante do uso de álcool não poderia medicar Ítalo, o que deixaria o restante do dia mais difícil para ambos. Tranquilizou Guido em seguida, que lhe agradeceu e pediu que o cuidasse bem, prometendo que o visitaria no dia seguinte, independente de estar acordado queria vê-lo pessoalmente.

Estranhou a demora de Ítalo estar no banho por quase meia hora, e o retirou e acalmou seu choro fazendo que entrasse no roupão verde que lhe comprara, com as cores trocadas para que um visse o outro em sua cor favorita.

Viu-o seguir para a cozinha e pegar mais uma lata sabendo que não seria ouvido se mandasse parar e que poderia se agitar se não deixasse, fazendo-o sentar na cama para que tivesse os cabelos secos e ouvindo a lata abrir.

— Como posso me desculpar, Oliver? — perguntou Ítalo.

— Você já se desculpou.

— Não. Ele não deixa eu me aproximar. Ele...

— Então ele não quer ouvir, querido.

— Mas preciso pedir que me perdoe de algum modo que ele saiba que eu realmente sinto muito, e estou arrependido! O que eu posso fazer para ele acreditar?

— Pode dar a ele um navio ou uma montanha. Pode até se oferecer como escravo e ele pode aceitar, mas não significa que ele queira acreditar que você lamenta o que fez. Ele não quer ver isso — concluiu.

— Ele nunca vai me perdoar, não é?

Oliver conseguiu afastar a meia lata de cerveja, abraçando-o quando voltou a chorar, e sem saber o que dizer concordou com o que parecia ser uma ilusão.

— Claro que ele vai, querido — prometeu ainda que não soubesse.

— Você disse que...

— Não foi o que quis dizer. Ele está sendo orgulhoso, mas vai perdoar sim. Você vai ver.

Até Onde Posso Alcançar...Onde histórias criam vida. Descubra agora