Descansado

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Duas semanas depois.

— ... Filho, você está bem? Não retorna mais as minhas ligações! Como você está? Eu estou muito preocupada. Me ligue de volta!

Duas semanas se passaram, e a casa com vida virou completamente algo sem cor, sem ânimo.

Pratos na pia sem ao menos ser lavados, copos sujos, roupas espalhadas. Na mesa de centro centenas de comprimidos. Garrafas e mais garrafas de uísque.

Ao subir, as janelas trancadas. Apenas a do quarto de hóspedes continha um dedo aberto, se quer, nem a luz do sol entrava.

E na cama: Micael Borges. Havia emagrecido sete quilos depois que Sophia lhe deixou.

Estava alcoólatra.

Viciado em remédios.

Tinha medo de sair.

Não queria ver a paisagem lá fora.

Não atendia mais ninguém, nem ao menos sua mãe.

Estava morrendo aos poucos, literalmente.

Usava um roupão, a barba por fazer, tinha olheiras enormes e fundas. Estava sem dormir a dias, quando lhe pegava de madrugada, estava chorando.

E por que chorava? Tinham lhe deixado.

Na porta da frente Michelle havia passado, Micael desativou o comando de alarme, entrou na casa não reconhecendo o local. Estava imundo! Um cheiro horrível, se assustou quando viu as centenas de pílulas quebradas na mesa de centro. Era de se assustar!

Subiu as escadas procurando em todos os quartos, foi até o último achando a porta entreaberta. Micael estava sentado na cama, como um morto-vivo. Michelle não reconheceu quando viu seu maxilar magro, estava péssimo.

Estava a dias sem comer e não se importava.

— Micael? — A morena aproximou-se. O cheiro do seu perfume era de matar, uma delícia!

Mas Micael não ligou, não conseguia ligar para essas coisas.

— Micael, olhe para mim! — Tentou chamar sua atenção. — Sou eu, Michelle. Se lembra? — É lógico que ele lembrava, mas não queria Michelle ali, não queria que ela estivesse em sua casa.

Não queria estar passando por aquilo.

— O que faz aqui? — Sua voz saiu fraca, frágil. Doeu no coração de Michelle.

— Eu vim ver como você está. — Sorriu, acolhedora. Passou a mão nos cabelos de Micael. — Sua mãe anda me ligando, preocupada. Quase comprou um voo para Califórnia. Todos estão preocupados!

O silêncio reinou, Micael preferiu ser assim. Não falar era a melhor opção.

— Diga a ela que eu estou bem. — Encarou Michelle, depois de algum tempo.

Ela abaixou-se na altura do homem, segurou em suas pernas, tendo equilíbrio.

— Eu conversei com Sophia, uma semana atrás, ela me disse que você estava aqui. — Pausou. — Eu não sei muito bem o que aconteceu... Só sei que você precisa de ajuda.

— Eu não quero ajuda!

— Mas precisa. — Continuou. — Olhe ao redor, está se matando aos poucos! Quantos remédios você está tomando? Por um milagre ainda não teve uma overdose! — Brigou. — Me diga, Micael. Onde está aquele homem forte, saudável, brincalhão que eu conheci?

O silêncio.

— Morreu. — Silabou, muito baixo. Quase não pôde se ouvir.

— Então é isso que você quer? Vai ficar sofrendo por uma mulher que não vale nada? Vai estragar a sua vida sadia? — Tocou o rosto de Micael. — Você não pode se entregar desse jeito, está doente!

— EU NÃO ESTOU DOENTE! — Gritou. Cerrou os dentes e começou a chorar.

Michelle ficou em transe, era difícil acreditar que aquilo estava acontecendo com Micael.

— Eu não aguento mais esse lugar, eu não aguento mais ficar ouvindo... Eles me dizem que eu preciso ir, entende? — Disse à Michelle. — Eu quero ir embora, eu quero... Eu não faço mais parte desse lugar, o Micael, aquele lá, ele... Ele morreu! — Soltou.

Nunca havia falado tanto nessas últimas semanas.

— Ele não morreu, ele ainda está aqui! — Michelle deu um sorriso. — Me deixe eu te ajudar, por favor!

— Eu não posso ser ajudado.

— Por favor, Micael! Você não pode acabar desse jeito. Você tem dois lindos filhos, não pode estragar a sua vida. — Estava chorando também. — Annora precisa de você!

— Annora não iria se orgulhar do pai fracassado que tem. — Negou com a cabeça. — Ela não lembra mais de mim, a mãe dela... A mãe dela fez ela se esquecer de mim. — Secou suas lágrimas. — Eu não quero mais estar aqui, Michelle.

— Você tem que estar aqui, ok? — Segurou em suas mãos.

— Injete algo na minha veia, você não vai se arrepender.

— Eu não vou injetar nada na sua veia. — Encarou. — Você precisa de ajuda e eu vou te ajudar. — Levantou-se. — Vou dormir aqui, só hoje. Amanhã vamos para Nova Iorque, irei te medicar e você ficará na casa da sua mãe.

— Eu não quero ir à lugar nenhum.

— Mas vai! — Encorajou. — Não discuta comigo, você precisa ir.

Micael encarou a janela agora, tinha Michelle, sua ex-noiva, a única lhe ajudando. Tinha perdido Sophia e os filhos. Sua vida estava fracassada demais!

Passou um tempo desde então, Michelle ajudou o mesmo a tomar banho, comeu bem pouco e depois se recolheu, não estava com sono, era tarde, mas não estava com um pingo de sono.

Escutou as trovejadas lá fora, estava chovendo em Santa Mônica, uma coisa rara de se ver. Levantou-se e vestiu o roupão, saiu de fininho sem Michelle ver, desceu as escadas e abriu a porta, saindo.

Atravessou a rua na imensa escuridão, sentiu a areia molhada entre os dedos. Virou-se rápido encarando a casa que havia comprado, gastou horrores para sua família e ninguém teve o proveito. Um mal entendimento virou uma bola de neve, estava ali agora, na praia, em meio a chuva, sem ter o que fazer.

Um filme passou em sua cabeça. A cada passo uma lágrima era solta, lembrou-se do nascimento da sua filha, lembrou-se do trabalho que tinha, lembrou-se de Sophia, dos amigos, lembrou-se até dos bons momentos com Michelle. Lembrou-se da sua família, chorou ainda mais quando lembrou de sua mãe, lhe irritando pelos cantos, doida como era! Fungou ao lembrar de Lidiane, adorava a irmã que tinha.

Retirou o roupão deixando seu corpo contra a chuva, as ondas estavam agitadas, o mar estava bravo! Micael não teve medo, sentiu a água gelada nos pés e afundou-se.

Primeiro os joelhos, as pernas, e depois a cintura. Foi indo, indo, indo e indo...

E deixou suas lembranças na areia da praia. Onde ninguém mais poderia encontrar.

Uma Mãe Para o Meu Bebê Where stories live. Discover now