85 - Meu Inferno

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Alucarda abriu os olhos, sua mente demorou um pouco para processar as memórias que acabou de presenciar, memórias que não eram suas, mas que ela pôde sentir na própria pele como se fossem suas. Cada sentimento, cada emoção foi sentida como ela fosse o próprio Abel.

Quanto ódio, quanto rancor, isso é o que Abel era, a casca do que um dia já foi um homem e agora era só um monstro implacável.

E agora que ela acabou de presenciar tudo isso chegou a hora de fazer alguma coisa, se antes as coisas estavam ruins elas piorariam ainda mais se não fizesse algo com o garoto.

Mas Ângelo não estava com ela neste momento, o que era estranho, visto que os dois iniciaram juntos a regressão a vidas passadas. Parando para perceber, Alucarda não estava no teatro de antes quando entrou na mente de Ângelo.

Alucarda jazia em um lugar horrível, o céu era nublado e escuro, lançando uma umbra arrepiante ao mundo abaixo. O solo que seus pés pisavam era coberto por camadas e camadas de ossos de mortos esquecidos, era uma grande pilha de ossos que se estendiam para todos os horizontes.

Várias cruzes fincavam este solo maldito, e nelas estavam crucificadas pobres almas que gritavam sem parar, pois seus corpos eram o combustível para labaredas azuis que os flagelava com eterna dor de serem queimados vivos. Havia, no entanto, algumas criaturas que estavam livres, andando por aí sem qualquer rumo, Alucarda percebeu que se tratavam de mortos-vivos.

A única coisa que chamava atenção nesta terra maldita era uma construção que estava não muito longe de Alucarda, parecia ser algum tipo de catedral. A mulher não tinha muita escolha a não ser caminhar até o local e investigar.

Por fora tinha a típica aparência de uma igreja gótica, com vários pináculos, vitrais e uma grande rosácea abaixo da torre principal. Alucarda puxa o grande portão de madeira e entra na construção.

Assim que entra ela percebe que se tratava da mesma igreja de quando enfrentou Abel na morada da fera. A iluminação era baixa e dependia apenas da frágil luz azul de alguns castiçais acesos, mas era o suficiente para enxergar as alcovas onde criaturas demoníacas a observavam com seus brilhantes olhos vermelhos.

Mas ela não se deixou incomodar com a presença delas e caminhou até a nave da catedral, onde conseguiu ver lá no alto a imagem de uma criatura semelhante a um demônio, porém feito apenas de ossos. E abaixo dessa imagem estava o altar, e um garoto sorrindo para a mulher.

Era Ângelo, ou ao menos parecia ser ele, aquele sorriso não era normal, filetes de uma substância escura e viscosa escorriam de seus olhos e nariz.

— Bem vinda ao meu inferno.

Aquele não era Ângelo, era Abel. O homem que ficou louco após não aguentar a dor e ceder totalmente à sua própria magia negra.

— O que fez com o garoto? — Ela pergunta.

— Ele está aqui, falando com você neste exato momento.

— Mentira! Traga ele de volta!

Aquele sorriso pareceu se alargar ainda mais.

— O que você quer aqui, mulher? Já não conseguiu as respostas que queria?

— Há algum limite para a sua crueldade? Você rouba as almas dos homens e os transforma em escravos, o que você ganha mantendo o garoto encarcerado na própria mente?

Abel gargalhou, sua risada ecoou pelo teto abobadado da catedral.

— Parece que está havendo um engano, o garoto que você conhece é apenas uma parte de mim, eu não estou o prendendo, eu apenas estou assumindo o que é meu. Você não vê? Eu fui morto e renascido tanto quanto existem estrelas no céu, e todas as vidas foram iguais. Eu sempre existo como um indivíduo diferente até me lembrar de quem sou de verdade, e quando isso acontecesse tudo o que eu era antes se torna apenas lembrança. É isso o que está acontecendo com o garoto, ele está pouco a pouco se tornando um comigo, se tornando uma lembrança do que já foi um dia.

Creature FeatureWhere stories live. Discover now