9 - Djinn

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Aquela noite era mais especial que as outras, Ângelo estava completando seu décimo aniversário na mesma noite em que recebia seu batismo, esta noite que por si só já era especial graças ao eclipse das duas luas.

Yule era a festa comemorada anualmente durante o solstício de inverno, e durante esse período as duas luas cruzam suas órbitas no céu noturno, o resultado é um eclipse de cor púrpura que dura a noite inteira. Acredita-se que tal fenômeno é uma dádiva divina e que coisas boas acontecem enquanto as luas brilham no mesmo ponto, e abençoadas são as criançadas nascidas sobre este signo, Ângelo era uma delas.

Era no mínimo curioso olhar para si mesmo no passado, o garoto estava parado na nave do templo assistindo uma versão mais jovem dele próprio esperando na fila do batismo. Já tinha ouvido histórias de que antes de morrer as almas passam vagueiam em suas memórias mais profundas antes de partir para o além.

Apesar de ter chegado a essa conclusão o adolescente estava meio apático com a sapiência da própria morte, estava mais focado em prestar atenção naquela criança de cabelos brancos que todos acharam que teria sorte na vida, Velkan e Nadesha olhavam felizes para seu filho abençoado prestes a ser batizado na igreja de Caim.

As raças de Kine foram criadas por deuses diferentes, assim sendo cada uma adora o deus que as criou. Cekhi e Seiras são as duas únicas divindades adoradas por todo o mundo graças à erradicação dos humanos. Caim é o deus dos vampiros, dos carniçais, íncubus, súcubus e morois, isso quer dizer que todos  naquele culto pertencem a uma dessas raças.

—"O fim coroa a obra, em nome da honra e da noite".

O sarcerdote mergulhou dois dedos em um pequeno pote com um líquido vermelho ainda quente, retirado do corpo de um cordeiro. E com este sangue ele desenhou na testa do garoto uma cruz ansata, o símbolo da imortalidade.

—"Pela honra e glória do senhor do eclipse, que Caim te proteja".

Após proferir tais palavras o sacerdote fez sinal para a próxima criança da fila de aproximar enquanto o Ângelo criança voltava para o assento de seus pais felizardos, tinham grande expectativa sobre ele, uma criança nascida durante o eclipse sempre está destinado à coisas grandes.

Pelo visto essa foi outra bobagem que Ângelo acreditou quando era mais novo e que só agora em morte percebeu que era mentira, na verdade, o próprio Caim parecia só uma mentira neste momento.

De um instante para o outro o cenário mudou, a grande catedral deu lugar à um palácio muito movimentado. A música podia ser ouvida em todos os cantos daquele salão, produzida por violinos, violoncelos, flautas e harpas cantavam uma graciosa melodia para os dançarinos mascarados executarem sua coreografia. No meio deles uma mulher também mascarada entoava a voz em um alto soprano.

Espalhados pela sala os convidados dançavam em pares, com máscaras enfeitadas no rosto e trajes de gala no corpo cada casal rodopiava no palácio seguindo o ritmo da música. Era o famoso baile de máscaras realizado periodicamente pela nobreza, uma festa banhada em extravagância e ostentação.

Ângelo lembra-se bem desse baile, assistia ao longe o seu "eu" mais jovem dançar com a moça que seria sua noiva. Verona Roosevelt era uma vampira de outra raça, uma Nachzehrer, a filha do marquês Roosevelt. Como todos os casamentos da nobreza eles também eram noivos por vontade de seus pais, as duas famílias se conheceram na igreja de Caim, as coisas se desenrolaram até que de repente os dois estavam naquele palácio dançando como um casal.

Não é como se houvesse algum sentimento naquela dança, Ângelo nunca se apaixonou em sua vida e não tinha qualquer interesse nisso, sua companheira provavelmente também não sentia pífio desejo por ele. Ambos estavam executando movimentos supérfluos ensinados apenas por questão de etiqueta, faziam aquilo por seus pais e não por si mesmos.

Creature FeatureWhere stories live. Discover now