𝟒. 𝑼𝒎𝒂 𝒙𝒊́𝒄𝒂𝒓𝒂 𝒅𝒆 𝒄𝒉𝒂́.

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                                   Sâmia

 
   Tirei o infusor da xícara do imbecil e aprontei o chá de camomila de Leonora, que não resistiu e fez uma piada.

— Querida, isso não é veneno não, né? — perguntou, com uma risada.
— Todas as ervas podem ser venenosas, meu bem, basta a vontade. — respondi, me sentindo mais calma.
— Assim como as pessoas. — Samir completou, com um breve sorriso, o que chamou minha atenção. Até que era inteligente, pensei e respondi com um sorriso igual.
— Pelo amor de Deus, não tem como um chá de camomila ser venenoso! — o pervertido falou, para variar, dando um gole generoso, o que me fez rir por dentro.
— Ela entende de chás, não tem perigo. Pode beber tranquilo. — minha prima tentou amenizar, bebericando o seu.
— Fiquem a vontade, com licença. — falei e saí, levando o infusor da xícara do pervertido comigo.

  Voltei ao armário com a erva em mãos e guardei-a, trancando, em seguida, observando o ridículo virar a xícara guela a baixo. Aquilo me fez sentir uma paz interior muito grande. Ótimo, vai fazer efeito logo, seu pulha desgraçado. Joguei os resíduos da erva venenosa numa lixeira aonde colocaram as rosas brancas que enfeitaram a mesa de jantar ontem. Notei que Miguel chegou e fui levar uma xícara para ele.

— Cheguei na hora boa! — falou, esfregando as mãos — Ah, muito obrigado, você é um amorzinho! — disse, ao pegar a xícara da minha mão e preparar o seu chá — Senhores, me chamo Miguel, sou o filho mais velho do doutor Alfredo. — se apresentou, apertando as mãos deles — O que você faz sentada aqui? — perguntou para Leonora, acomodando-se ao seu lado.
— Oras, recebendo os convidados! — apontou para eles — Logo, um deles vai fazer parte da casa, e quero que se sintam bem vindos. Fora que tenho de ser uma boa anfitriã.
— Sabe que esses convidados não são para você, não é? — ele questionou, e vi o outro remexendo-se na cadeira, com uma expressão desconfortável.
— Miguel, não atrapalha!
— Senhor Miguel, com todo o respeito, a sua irmã está sendo uma anfitriã muito generosa. — o pervertido sorriu para ela, e meu irmão franziu a testa confuso, levando o olhar até mim, e revirei os olhos, em resposta, fazendo-o sorrir largamente.
— Ah que bom, então. Fico feliz em saber. — afirmou, disfarçando uma risada, me olhando de soslaio, uma vez ou outra.
— Algum de vocês está sentindo calor? — o pervertido perguntou, mexendo na gola da roupa, e notei que estava um pouco vermelho.
— Não, estou bem. — Miguel respondeu — Mas aqui raramente esquenta. Pode ter sido o chá.
— Deve ter sido. — concordou, tirando o paletó — Está quente mesmo! Nossa! — soltou, se abanando com uma das mãos — Mas qual o nome do seu cavalo? — perguntou para Leonora — O doutor exigiu que o guarda-costas montasse.
— Eu não tenho, morro de medo de cavalgar! — respondeu, com um sorriso — Tentaram me ensinar, mas sem sucesso.

  Não é possível que ele ainda achasse que ela era eu! Pelo amor de Deus! Só pela expressão de deboche do Samir, já percebi que ele sabia quem era a pessoa certa.

— Se precisar de aulas, não me importo de ajudar.
— Ah, mas que gentil! Obrigada! — agradeceu, com um sorriso doce.
— Bem, vou voltar para o escritório. Você quer carona até o ateliê? — Miguel perguntou para ela.
— Sim, claro! Tenho que pegar o meu vestido para a festa do titio. Quero estar um pitel! Já pegou o seu? — perguntou-me, se colocando de pé, junto com ele.
— Peguei ontem. — respondi.
— Imagino que sim, deve estar ansiosa, além do mais porque um certo cavalheiro vai vir. — meu irmão acrescentou, lançando-me um olhar malicioso, e eu sorri, sentindo o rosto esquentar — Eu sei que já andaram conversando.
— Hmm, alguém está namorando! — Leonora soltou, abraçando-me por trás.
— Ah, nós só conversamos. Mas ele é muito agradável.
— Não se preocupe, porque tenho certeza que ele não resistirá a essas covinhas. — falou e instantaneamente comecei a rir.
— Só gostaria de achar alguém que me entenda. — disse, com sinceridade — Espero que ele seja capaz.
— Tenho certeza que será. Rapazes, foi um prazer conversar com vocês! Boa sorte a todos! É uma pena que não depende de mim decidir, então escolha bem, Sâmia. — Leonora falou, me olhando, se afastando alguns passos.
— Espere aí, a Sâmia não é você? — ele perguntou, completamente confuso, e Samir não conseguiu segurar uma risada — Qual é a graça, hein? — virou para o outro e disparou, irritado.
— Só você que não notou isso.
— Quem é você, então? — se voltou para ela.
— Sou Leonora, prima da Sâmia. — apontou para mim, parada ao lado dele fazia tempo, e o homem apenas me viu com os olhos arregalados, totalmente constrangido, suando frio.
— Meu Deus, é que eu... Nossa! — exclamou, apertando os olhos.
— Você está bem? — meu irmão perguntou, preocupado — Está suando bastante.
— Só um pouco zonzo, e meu coração está batendo rápido. Gente, eu não... Eu não me sinto bem. — falou, com a voz trêmula, afrouxando a gravata.
— Vamos te levar lá fora, deixa eu te ajudar. — Miguel se apressou para segurá-lo pelo braço, assim como Leonora — Um pouco de ar vai te fazer bem.
— Você comeu algo estranho hoje? — minha prima perguntou.
— Passei numa cafeteria, no caminho para cá. Minha cabeça está girando! Meu Deus, vou vomitar!
— Vamos logo lá para fora!

   Samir me encarou, desconfiado, mas pareceu não estranhar minha tranquilidade. Porque eu deveria estar desesperada? Quem estava passando mal era o outro, oras! Resolveu ir e ajudá-los, me deixando sozinha. Corri até a gaveta  de um dos armários cheios de pratos, no outro lado da cozinha, peguei um papel e lápis, anotando um recado para ele, e coloquei junto do vidro com a hortelã, embrulhando tudo numa folha de papel pardo. Segundos depois, ele retornou, em busca de água para o pervertido, ainda me encarando com os seus belos olhos, pensativo. Achei que me denunciaria, porém apenas partiu com a jarra cheia e um copo nas mãos.
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Hasan    Where stories live. Discover now