𝟐𝟎. 𝑷𝒓𝒆𝒐𝒄𝒖𝒑𝒂𝒄̧𝒐̃𝒆𝒔.

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                               Alfredo

Sábado, 19 de Abril de 1957

  Suspirei, aliviado, quando minha filha entrou no meu escritório com Samir, outro dia. Ela colaborou e escolheu um guarda-costas, o que vai ajudar a manter longe dela Daniel Magalhães, um dos sócios minoritários da minha empresa de exportação, que sempre vinha aqui em casa, tratar de negócios.
   O conheci num jogo de poker, na sua casa, anos atrás. Perdi uma valor considerável, o que deixou a Madi furiosa, e me obrigou a parar com o jogo. Me arrependo até hoje de mentir e continuar jogando. Eu achei que podia recuperar o dinheiro, mas acabei perdendo mais. Daniel me viu aflito e concordou em fazer um empréstimo, depois outros, garantindo que confiava em mim para pagar tudo.
   A dívida cresceu, e ele disse que eu poderia pagar dando-lhe uma pequena porcentagem da Bastos Exportações, o que concordei, já que era a minha única alternativa, e Daniel era um homem de visão, contribuindo muito para a nossa expansão. Finalmente, fiquei em paz, por ter acertado a dívida com ele. Infelizmente, não me afastei dos jogos, e me vi pegando mais e mais dinheiro com ele, ao longo de anos.
   Sâmia sempre pediu para trabalhar na empresa, quando tivesse idade, já que Miguel estava lá. Apesar de Daniel ser muito inteligente, tinha algo nele que não me cheirava bem. Ele dizia que não fazia nada demais, porém eu não acreditava. Fora que começou a elogiar minha filha, na época, com 17 anos, depois que fomos a uma festa na casa de um cliente. Ela é 17 anos mais jovem do que ele.
   Não permiti que ela trabalhasse comigo e nem fosse para a faculdade para mantê-la longe dele tanto quanto fosse possível. E como volte e meia aparecia aqui em casa, para falar de novos contratos, sempre cruzava com minha filha e parecia fascinado com o quanto era inteligente, principalmente porque descobriu que ela sugeriu dispensar o funcionário que acendia as lareiras, porque raramente usávamos-na, apenas chamando alguém para fazer a limpeza, poupando um gasto considerável. É muito sábia para a idade, ele falou, maravilhado. Fora que tinha talento para administração, e sempre ajudava a Madi nas contas, o que aumentou o seu interesse.
   Quando Sâmia fez 18 anos, Daniel pediu permissão para escrever-lhe, já que tentou puxar assunto e não obteve muito sucesso, supondo que fosse por causa de uma possível timidez. Eu não permiti, claro, não a queria com ele. Disse que ela ainda não tinha maturidade suficiente. Obviamente, o homem não desistiu, e vez por outra insistia.
   Daniel veio na festa que dei, e por sorte, minha filha machucou o pé e se retirou, evitando um novo contato. Até porque aquele vestido tão ousado estava expondo-a demais. Péssima hora para a minha filha bancar a rebelde, coisa que não fazia nunca!
   Ela se tornou uma mulher deslumbrante, ele me contou, embasbacado, fazendo-me adverti-lo novamente sobre a pouca idade dela, e que alguém como ele precisava de uma mulher mais madura. Preciso de uma boa esposa, e a Sâmia se encaixa com perfeição na função, falou, e consegui sentir a intensidade do seu desejo por ela. Até aonde minhas forças permitirem, vou mantê-la afastada desse homem, e Samir vai me ajudar nisso.

— O seu currículo é muito bom, e você trabalhou para os irmãos Benedito e José Bento Gonçalves. — falei, ao observar o seu currículo impecável, ao entrevistá-lo.
— Trabalhei sim, primeiro para o senhor José, e depois para o irmão dele.
— Isso é ótimo, já que eles eram homens muito importantes. Foi uma pena o José ter sido vencido pelo câncer. Você também é formado em Contabilidade. Bem, eu posso precisar de um contador, um dia. — disse, brincando, e o outro riu — Nunca quis seguir nessa área?
— Não, eu me dou bem com números, mas preferi seguir outro caminho. — respondeu, tranquilo.
— Olha, eu queria te perguntar uma coisinha: já ouviu alguma ameaça de morte contra os seus chefes anteriores?
— Bem, sempre tinha algum engraçadinho que falava alguma coisa. Mas a rotina deles era muito segura, no geral. Sempre me certifiquei disso. O senhor recebeu alguma ameaça?
— Não, não, só li relatos de mortes estranhas de empresários no jornal, apenas isso. Fiquei um pouco apreensivo. Sou do ramo de exportação e não gostaria de acabar morto. — respondi, e ele sorriu, tranquilo.
— Eu também não gostaria, senhor. — falou, bem humorado.

  Achei o seu jeito parecido com o do Miguel, meu filho mais velho. Ele tinha um ar tranquilo, era bastante simpático e sorridente. Provavelmente, ajudaria a lidar com a minha filha, que puxou a personalidade da minha mãe, o que a deixava meio estranha, às vezes, porém não deixava de ser uma boa moça. Estava torcendo para ela não ficar fugindo, como muitas faziam. Como me prometeu nunca atrapalhar o seu trabalho, depositei minha confiança nessa promessa.

— Eu ouço boatos há anos sobre esses empresários terem um assassino à disposição, para eliminar a concorrência. — contei, sério.
— Tem algum suspeito?
— Não, até porque as mortes não deixavam dúvidas. E como os falecidos eram inimigos comerciais, achei tudo muito esquisito. Mas enfim... espero não ser o próximo. — soltei, e ele concordou com a cabeça, compreensivo — Você pratica artes marciais, o que é ótimo. — continuei, ao ler o currículo — Bem, o fato de ter servido na guerra te ajudou a entender que algumas atitudes são necessárias. Eu preciso que seja extremamente atento e disposto a fazer qualquer coisa para protegê-la. Você acha que consegue fazer tudo para alcançar esse objetivo, Samir? — perguntei-lhe, cruzando as mãos sobre a mesa.
— Não se preocupe, doutor Alfredo. Eu vou fazer o que for para Sâmia ficar bem. — me garantiu, com uma expressão muito determinada, o que me deu um pouco de medo.
— E como achou a minha filha? Ela com certeza não se apresentou. — falei, e ele começou a rir.
— A pulseira vermelha que o senhor mencionou. A Sâmia veio servir o chá e vi no pulso dela.
— Meus parabéns, é bem observador. — elogiei, surpreso — Há detalhes que não podem passar despercebidos. — continuei, e o jovem pareceu pensar em algo, mas apenas sorriu, me entendendo.
— Foi o único detalhe físico que o senhor deu dela. — explicou, dando de ombros — Até porque ela não era a única jovem na cozinha.
— Entendi. Então, sendo assim... — falei, me pondo de pé, seguido dele, e estiquei o braço, apertando a sua mão — Bem-vindo a mansão Bastos. Vou pega o seu contrato.

  Nem dormi depois que Daniel veio aqui, ontem, e exigiu que eu pagasse toda a dívida que tenho. Propus pagar em prestações, no valor que quisesse, mas disse que pensaria, indo embora, em seguida. A dívida total é maior do que o valor da nossa casa, e se ele exigir o pagamento integral, iremos todos para o olho a rua.
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Hasan    Where stories live. Discover now