𝟑𝟑. 𝑯𝒐𝒓𝒂 𝑬𝒙𝒕𝒓𝒂.

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                                 Samir

  Assim que cheguei em casa, deixei a minha bagagem e dirigi para o centro do Rio, dando uma passada no correio. Tinha apenas um envelope com um número de telefone, um papel com um endereço, uma grande quantia de dinheiro e três fotografias, sendo duas de um homem e a terceira da fachada de um restaurante que eu conhecia bem. Sabia que era o contato de alguém querendo os meus serviços.
  Segui para o meu apartamento num prédio simples, na Tijuca, e de lá telefonei. Ninguém sabia daquele lugar, nem mesmo a minha família. Eu usava para guardar minhas armas e a coleção de facas especiais, que trouxe da Itália, e também para me esconder de todos, de vez em quando. O cliente queria que eu interceptasse alguém, que por coincidência, estaria aqui perto.

— Esse maldito é o meu marido e não pode passar vivo desse final de semana! — a cliente falou, nervosa, do outro lado a linha — Ele vai nesse restaurante, religiosamente, aos sábados. Você foi muito bem recomendado por um amigo meu. Foi muito difícil te contatar! Ele falou o quanto custava o seu serviço. Eu o chamei para me encontrar lá, às 14h. O quero morto!
— Não se preocupe, vai ter o que deseja. — respondi e desliguei.

  Sentei sobre o tapete do quarto e abri o estojo com as facas e peguei uma, amolando com cuidado. Com certeza, foi o Benedito que me recomendou. Me concentrei em uma com a lâmina pequena, extremamente afiada, e minha mente foi até Sâmia, naqueles minutos beijando os seus lábios pequenos e carnudos. Deixei a luz do sol correr pelo aço polido e separei-a.
  Não posso ter nada com ela, não seria certo, pensei. Recarreguei a minha Thompson, que tinha desde a guerra, pegando tudo mais que precisava para o trabalho, coloquei numa bolsa discreta e pendurei o ombro, saindo do prédio e caminhando uns 5 minutos até outro, aonde entrei como se fosse um morador qualquer, subindo até o telhado.
  Me posicionei, com uma roupa discreta e aguardei, debaixo do sol. Vi o relógio no pulso, e já eram 13h55min. Olhei na direção indicada e o sujeito estava lá, com uma mulher, provavelmente quem falou comigo ao telefone. Segurei o cabo com firmeza, engatilhei e mirei; não era a primeira vez que fazia aquilo e provavelmente não seria a última.
   Assim que a mulher se afastou do homem e o vento parou de soprar, respirei fundo e soltei o ar, puxando o gatilho, e o eco do disparo dispersou alguns pássaros. Deu para ver a cabeça dele se movendo com o impacto, imediatamente caindo no chão, igual a um boneco, e algumas pessoas ao redor saíram correndo. A mulher ajoelhou ao lado do corpo, observando-o, mas não pareceu triste.
  Saí rápido dali, aproveitando a movimentação na rua e voltei para o apartamento. Limpei o rifle e o guardei num armário no quarto junto com as outras armas e caí na cama. Peguei a faca que separei, na mesa de cabeceira, e fiquei observando-a, com a mente ainda em Sâmia. Ela não é confiável, não, nem um pouco, pensei. É extremamente perigosa e pode me matar quando quiser. Não posso me envolver.
   Eu sabia que não podia me aproximar, porém era a única que não sentia medo de mim. Me entende tão bem, murmurei, querendo beijá-la de novo. Ela nunca me julgou, por incrível que pareça. Não podia me afastar, até porque ela precisava ser protegida, e eu ia fazer o que fosse para isso acontecer. Sâmia se sentia segura ao meu lado, e não iria abandoná-la justo agora.
  Ela precisa se proteger, caso eu não esteja por perto, falei comigo e me levantei, guardando a faca na bainha. Era um objeto pequeno, e cabia numa bolsa feminina com facilidade, até daria para andar com ela presa no elástico da meia sobre a coxa. E ela tem as coxas bem grossas, murmurei, rindo sozinho, lembrando do quanto quis tirar a roupa dela, naquela biblioteca.
   Lembrei que a usei no meu último trabalho, na Itália, depois de quase um mês caçando o homem que abusou da sobrinha de José Bento Gonçalves, meu penúltimo chefe. Ela era uma jovem bondosa, de 17 anos, que tinha vindo visitá-lo, sabendo do seu câncer de pulmão, pois morava com a mãe, em São Paulo.
  O pai não me designou para cuidar dela, pois achava desnecessário sufocar a garota com tanto cuidado. Depois de uma festa na casa, ela começou a ficar estranha, retraída, e três dias depois, a encontraram com os pulsos cortados, de manhã, e um diário aberto, com o relato da violência que sofreu por um conhecido dele, enquanto todos se divertiam. Esse item foi escondido da polícia pelo pai, que usou a sua influência e alegou para imprensa um caso de morte causada por problemas cardíacos, já que ele também sofria desse mau.
  Essa tragédia acelerou a sua morte, e depois do funeral, o seu irmão, Benedito, me contratou, se tornando o meu último chefe, fazendo um uso amplo das minhas habilidades pelo preço adequado, para se livrar dos rivais nos negócios. Meses depois, no final de Fevereiro desse ano, ele me contou que o irmão entregou-lhe o diário da filha, pouco antes de falecer, e pediu que se fizesse justiça para ela, já que ele não tinha mais forças para tal.

Hasan    Where stories live. Discover now