𝟓. "𝑺𝒆𝒓𝒂́ 𝒒𝒖𝒆 𝒔𝒐́ 𝒆𝒖 𝒗𝒊 𝒊𝒔𝒔𝒐?"

56 20 6
                                    

                                  Samir

  
   Mas que diabos estava acontecendo?, pensei, enquanto o candidato vomitava ajoelhado no gramado com Leonora apoiando a mão nas costas dele e Miguel se desesperava. Ele nem conseguiu beber a água que eu trouxe, apenas colocou tudo para fora e revirou os olhos.

— Nós temos que levá-lo ao hospital, Miguel! Rápido!
— Eu vou pegar o carro! Não demoro! — falou e saiu correndo.
— Olha, Felipe, vai ficar tudo bem. — ela disse, tentando acalmá-lo — Só tenta respirar com calma, vamos te levar para o hospital.
— Calma, prima! — Sâmia apareceu, junto com a governanta, e Miguel estacionou o carro ao nosso lado — Vamos colocá-lo no carro.
— Mas o que houve com ele? — Matilde perguntou, preocupada, ajudando a mim e Miguel a pô-lo de pé.
— Ele disse que comeu em algum lugar, a caminho daqui. — Sâmia respondeu, sem um pingo de medo na voz — Se foi uma daquelas coxinhas esquisitas, vai demorar a sair do corpo.
— Rapaz, tem que tomar cuidado com essas frituras! Abaixe a cabeça. — a mulher falou, ao deitarem-o sobre o banco traseiro, enquanto ele gemia.
— Eu e Miguel vamos com ele!
— Eu vou também, para o caso de precisar de algo. Sâmia, por favor, avise o seu pai e a Madi. — pediu, se acomodando no banco da frente — Tudo já está em ordem na cozinha para o almoço.
— Aviso sim, Matilde. Nos mande notícias, assim que possível.

  O carro saiu disparado, levantando uma nuvem de poeira, me deixando sozinho com ela. A encarei e a jovem continuava tranquila, com uma das mãos no bolso. Não é possível, pensei.

— Algum problema, senhor Samir? — perguntou, desenhando um sorriso no rosto delicado, com um brilho nos olhos.
— Eu não sei. — respondi, imitando o sorriso dela — Tem algum?
— Não, não tem, pelo menos não mais. — garantiu, lançando um olhar breve na direção do portão — Preciso te dar uma coisa. — disse, me estendendo um embrulho suspeito.
— O que é isso? — perguntei e peguei da sua mão.
— É eucalipto, para a sua febre. Creio que já deve ter abaixado. Deixei as instruções de preparo num bilhete.
— Espere aí, como você sabia da minha febre?
— Deu para sentir, na hora que soltei o fio do seu relógio. Também vi que estava com dor de cabeça. Ainda está sentindo alguma coisa?
— Não, não estou. — respondi, surpreso — Foi o que eu tomei?
— Sim. Pensou que eu tinha te dado o que?

  Veneno, refleti, mas entendi pela expressão cínica dela que sabia exatamente do que eu estava pensando.

— Nada, não. — respondi, dando de ombros — Só estranhei eu não estar passando mal.
— Mas porque passaria? Acha que eu pareço alguém capaz de te fazer algo ruim, tipo uma assassina? — perguntou, irônica.
— O bom assassino não tem um rosto específico.
— Hmm, fala por experiência própria? — perguntou, e me senti desconfortável, por alguns segundos, porém ela percebeu — Ah, meu Deus, me desculpa, não quis te ofender. — falou, sem graça.
— Não ofendeu, não. Tudo bem.
— Que bom. Olha, preciso que você tome o cha de eucalipto  e talvez alguma outra coisa que tenha na sua casa que te ajude a melhorar. Vou para a casa da Leonora e volto na quarta de noite. Precisa estar bem para o trabalho, na quinta.
— Está me contratando? — perguntei, ainda sem acreditar.
— Sim, estou, já que preciso de um guarda-costas, para meu pai não ficar tão preocupado. A última coisa que quero é desapontá-lo.
— Que bom que você se preocupa com isso.
— Claro, eu faço qualquer coisa pelas pessoas que amo. — falou, me olhando fundo, cheia de certeza.
— Eu também faço. — respondi, encarando-a, e notei que o seu olhar suavizou.
— Bem, precisamos ir até o meu pai. Tem que conversar com ele. Vou ajudar a Madi a organizar o almoço. Venha, te levo na sala dele. 

  A segui, e logo entramos por um corredor estranho, que nos levou até a porta do escritório.

— A propósito, não precisa me chamar de senhor, me sinto com 50 anos.
— Sem problemas, mas quantos anos você tem?
— 29.
— 29? — perguntou, virando para mim, com a testa franzida — Tem certeza?
— Porque não teria? Sou de outubro, então eu realmente ia completar 19.
— Bem, se você ia fazer 19 anos, após a guerra, não pode ter 29, atualmente, sendo que o conflito foi há 12 anos atrás. — afirmou, se aproximando de mim — Devia ter 31 anos. Porque está mentindo? — perguntou, com um ar debochado, cruzando os braços finos, e comecei a rir.
— Eu tenho essa idade mesmo.
— Não precisa mentir para mim, nem para si mesmo. Minha avó sempre dizia isso. Qual a sua idade?
— Promete guardar segredo?
— Sim.
— Só menti a idade no alistamento. Eu ia fazer 17 anos. Surtei e fui para a guerra. Meus pais eram contra, então arranjei com um conhecido documentos falsos, provando que tinha 19 anos. Mas parece que ninguém prestou atenção nesse detalhe, uai.
— Sou boa com números.
— Eu também. Assim como o meu pai, me formei em contabilidade com 24 anos, porém nunca exerci. Voltei a ser guarda-costas logo após a formatura. Fiz mais porque ele queria que eu tivesse uma profissão de verdade.
— Bom saber, para o caso de eu precisar de um contador. Então, como te chamo? Desculpa, nem perguntei seu sobrenome.
— Samir Hasan.
— Muito prazer, Samir Hasan. — estendeu a mão e apertei-a — E por acaso sabe o meu nome? — falou, me olhando, com um sorriso fino.
— Sei, Sâmia. — respondi, e ela sorriu mais largamente — E esse tal de Eduardo é seu namorado?
— Ah, espero que vire. — respondeu, com o olhar alegre — Ele é muito legal. Nos damos bem, e é um dos poucos que não passaram a me achar esquisita.
— E porque achariam isso?
— Por nada. — falou, evasiva, desviando o foco de mim — Pensei que meu pai contrataria alguém mais velho e carrancudo, tipo ele. — afirmou, e eu achei graça — Ah, só mais uma coisa.

Hasan    Where stories live. Discover now