𝟓𝟎. "𝑨𝒄𝒆𝒊𝒕𝒐", 𝒑𝒂𝒓𝒕𝒆 𝟏.

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                                  Sâmia

Quarta-feira, 8 de maio de 1957

  Desci a escadaria principal, com o vestido lilás rodado, nos joelhos, e ajeitei a cauda do vestido de Beatriz. O pessoal estava terminando de arrumar o saguão, aonde seria a recepção, mas tive o prazer de ver Samir, que me olhou admirado, principalmente por causa do contraste perfeito do colar que me deu com o tecido do vestido. Foi difícil só poder trocar um olhar breve com ele, porém logo isso não seria mais um problema.
   Levei a noiva, junto com as damas de honra, para o carro, e um bom tempo depois, chegamos na igreja de São Sebastião de Itaipu, que o casal achou um verdadeiro charme, toda branca, com duas torres. Saí do carro primeiro, e me deparei com Daniel, parado próximo a porta, conversando com alguém. Senti uma pontada de raiva, porém tive uma ideia mais útil que aquele sentimento ruim.

— Daniel! — chamei, depois de me aproximar e ele me devorar com os olhos quase azuis — Como vai? — perguntei, com um ar sereno.
— Sâmia, tudo bem? — perguntou, sorrindo.
— Sim, obrigada. Posso te pedir algo?
— Claro, peça o que quiser. — falou, em tom devoto.
— Os noivos esqueceram de escolher um padrinho. Eu teria que entrar sozinha. Você se importa de entrar comigo? Reparei que o seu terno é parecido com o dos outros padrinhos. — perguntei, e me encarou, surpreso.
— Vai ser um prazer, Sâmia.
— Obrigada. — agradeci, fingindo estar desconcertada — Só vou ajudar a noiva a sair do carro.
— Tudo bem, eu te espero.

 
  Rapidamente, nos posicionamos, e enlacei o meu braço no dele; o homem me olhou fundo, e desviei, sustentando a imagem tímida. Caminhamos pela nave, no tapete vermelho, com os afrescos no teto perfeitamente preservado. A noiva veio por último, de braço dado com o pai, até chegar no altar.
  Daniel me deixou, e parei à esquerda de Beatriz, depois de pegar o buquê de rosas brancas da sua mão. Os olhos do meu irmão brilhavam, e creio que iluminariam a cidade toda. Fizeram os votos emocionados, e me senti vitoriosa no momento em que ele beijou a sua noiva.
   Sorri, satisfeita, deixando uma lágrima correr; todo o meu esforço tinha valido a pena. Quando me virei para sair, encontrei o olhar do meu amado, perto da porta, que também parecia emocionado. Minha vez de ser a sua esposa não tardaria.
  A recepção estava linda demais e muito animada. As mesas redondas permitiram acomodar o máximo de pessoas, que riam e comiam bastante. Circulei pelo espaço enfeitado, me certificando de que tudo estava em ordem, e passei pela mesa aonde a família do Samir estava sentada. Ele também falava com eles, e disfarçou um sorriso ao me ver.

— Como vocês estão?
— Ah, estamos muito bem. A comida está ótima! Muito obrigado por ter nos convidado. — Layla agradeceu.
— De nada, o prazer é meu. — falei, segurando a sua mão — Eu amei te conhecer e queria muito que viesse.
— Sâmia, esses aqui são os meus pais, Omar e Soraya. — Samir indicou o casal mais velho — Esse é o meu futuro cunhado, Amin. — apontou para o homem de terno claro e traço fortes, que respondeu com um sorriso — As outras você já conhece. — falou, bem humorado, se referindo a tia Jamile, Layla e a irmã.
— Bem, quero que saiba que o seu filho presta um serviço muito importante aqui na casa, senhor Omar.
— Que bom, apesar de eu sempre achar que esse trabalho não fosse de muita valia. — afirmou, e Samir suspirou, incomodado.
— Senhor Omar, o Samir impede que eu seja assassinada por um biruta qualquer. — falei, em tom brando, e o homem  ficou sem graça, enquanto Zaina e o irmão seguraram o riso — Por isso, tem que me seguir o tempo todo. A propósito, preciso verificar uma coisa. Samir, pode me acompanhar? Sabe como o papai é paranóico.
— Ah, claro. Fiquem à vontade. Volto já.

  Nos esgueiramos entre os convidados, até sairmos no corredor secundário e descermos até o porão, completamente deserto. Ele fechou a porta e corremos para o fogo um do outro. Acho que sumimos por uns 20 minutos, e notei que Samir não amassou a saia do meu vestido, depois de erguê-la com pressa e me possuir contra a parede.
 

— Não estava aguentando mais! Você está tão linda! — confessou, correndo as mãos pelo meu pescoço e ombros expostos, observando a joia sobre a minha pele, depois de fechar as calças.
— Você também, e não vejo a hora de sair com você da igreja. — falei, correndo a mão pelo seu cabelo — Não se cansa de mim?
— Por mim, eu passaria o dia todo com você, usando só um lençol. — afirmou, me beijando.
— E é um tipo de roupa bem confortável. — completei, correndo a mão pelo seu peito — Eu devia ter falado sobre o Daniel, mas a ideia de entrar com ele veio na hora.
— Tudo bem, mas acho que ele ficou bem derretido.
— Preciso falar com ele ainda hoje. Ah, papagaios! — soltei, com um suspiro cansado.
— Vai acabar logo, meu bem. — garantiu, acariciando os meus braços — Temos que ficar atentos porque provavelmente os pais da Érica foram na polícia dar parte do sumiço da filha. — falou, me deixando preocupada.
— É só o que faltava! — reclamei, apertando os cantos dos olhos — Mas pode deixar, sei como agir caso alguém venha saber dela. A Layla está de 4 por você. Vá até aonde precisar, Samir. Mas parece que 3 meses é tempo demais! — disse, nervosa.
— Eu sei, mas é só o tempo máximo. Como vamos fazer para o Daniel parecer violento?
— Mulheres espancadas sempre tem marcas pelo corpo. — expliquei, e ele ergueu as sobrancelhas, compreendendo perfeitamente a situação — Vai dar certo. E acho que você vai conseguir colocar a Layla de 4 facilmente. — continuei, e ele riu — Porque não a pede em namoro hoje? Aproveite e chame-a para dançar.
— Acho que é uma ótima ideia. Sabe que eu faço qualquer por você.
— Eu também faço tudo por você. — concluí, com um último beijo.
 

    Retornei ao andar principal, parando em frente ao espelho, para conferir o meu cabelo e a maquiagem, ainda perfeitos. Minha roupa estava supimpa, e segui de volta para festa, e vi Daniel parado num canto. Me aproximei, sentindo o interior leve, deixando a sensação chegar no meu rosto, o que era muito fácil, depois de ser tocada pelo Samir. Peguei no seu braço, o que o fez virar de súbito, com a taça de champanhe na mão.

— Acho que precisamos conversar. — falei, sorrindo.
— Claro, porque não nos sentamos aqui? — indicou a mesa vazia.
— Meu pai me deixou a par da situação. — comecei, depois de nos sentarmos — Queria te agradecer por demonstrar interesse em mim. Confesso que fiquei assustada com a proposta. Você é um homem muito importante.
— Não precisa ficar com medo, Sâmia. Só fiz o que um homem apaixonado faria. — falou, e eu o encarei, surpresa — Sempre te admirei e, naquele dia, você demonstrou uma inteligência enorme, ao convencer o seu pai a não ceder. Nos negócios, temos de saber quando ceder e quando sermos firmes. Seu pai nunca deixou me aproximar, mas agora não tenho mais nenhum impedimento. Eu prometo que vou ser o melhor marido que você merece.
— Eu também espero ser a melhor esposa para você.
— Então vai aceitar o meu pedido?
— Sim. Eu me caso com você, Daniel. — falei, e o rosto dele se iluminou.
 

  Apaixonado? Nunca acreditaria nisso! Porém, aquele brilho todo no olhar me mostrou o oposto, principalmente por segurar na minha mão com tanto carinho, como se tivesse nas mãos grandes um objeto feito da porcelana mais fina do mundo.
  Como poderia sentir algo por mim, se nem me conhecia? Com certeza, amava a imagem da jovem promissora que eu sustentava. Se realmente me conhecesse, como o meu amado guarda-costas, teria pavor.
   Fui ensinada a ser uma mulher educada, culta e uma esposa dedicada. Qualquer um poderia afirmar isso sobre mim, incluindo um pai orgulhoso da filha que tem, assim como o meu.
  Sem dúvidas, Daniel foi um ouvinte dos seus inúmeros elogios a meu respeito e teve o seu coração arrebatado por eles. Agora não tinha mais volta. O relógio tinha começado a bater. Se era isso que ele amava, então era exatamente o que teria.

— Não faz ideia do quanto eu estou feliz! — garantiu, com um sorriso de orelha a orelha.
— Que bom que ficou! Tem algo que quero manter, após o nosso casamento, se não se importar.
— O que seria?
— O meu guarda-costas. Eu não quero um estranho me seguindo. Fora que ele é extremamente confiável. Jamais me tratou com malícia, apenas com um respeito que nem sei ser real.  — menti, até porque a malícia era algo que Samir e eu não escondíamos um do outro.
— Sim, o Alfredo falou da sua desconfiança e que foi difícil te fazer aceitar proteção extra. — afirmou, em tom bem humorado — Se ele é realmente confiável, por mim, não tem problema. — disse, e eu sorri, de todo o coração.
— É claro, tem outras coisas que precisamos decidir. O que acha de prepararmos tudo e fazer a cerimônia em um mês?
— Um mês? Tem certeza?
— Não quero esperar tanto. Não vejo motivo.
— Eu também não. — concordou, me olhando com desejo — Faremos tudo em um mês.
— Ótimo! — falei, empolgada — Que tal darmos uma volta pelo saguão? Tem alguns amigos que eu queria te apresentar.
— É claro. — concordou, se pondo de pé, e o imitei — Também preciso apresentar a minha noiva aos meus amigos. — concluiu, animado, e eu o segui, contente com o andamento do plano.

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Hasan    Where stories live. Discover now