𝟓𝟓. 𝑼𝒎 𝒂𝒍𝒎𝒐𝒄̧𝒐 𝒆𝒎 𝒇𝒂𝒎𝒊́𝒍𝒊𝒂.

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                                 Sâmia

  Tempos depois de sairmos da barca, estacionamos em frente ao ateliê que frequentávamos faz anos. Layla se impressionou com o requinte do lugar. Logo falei com a modista, que conferiu as minhas medidas e me mostrou os melhores tecidos para fazer uma peça igual ao da princesa Grace de Mônaco, que era o sonho de muitas moças. Decidi por esse modelo para alimentar a imagem de noiva empolgada e deslumbrada.
   Eu sabia exatamente o que queria usar, e o faria quando finalmente me casasse com Samir. Pedia a opinião de sua namorada na escolha de algumas rendas, e ela se dispôs a me ajudar de todo o coração, uma parte dela que logo estaria em mil pedacinhos.
  Conseguia ver nos seus olhos se imaginando em alguns daqueles vestidos nos manequins, de braços dados com o namorado no casamento. Pobrezinha, aquilo nunca iria acontecer.
   Saímos, depois de um tempo, e voltamos para Niterói às 13 horas. Passamos por Leonora, que tomava um Grapette com uma colega, na praça perto da minha casa, e oferecemos carona. Por insistência de Layla, almoçamos na casa dos pais de Samir.
  A mesa era farta e com um aroma incrível, graças aos temperos exóticos. Comi algo chamado Koshary, uma mistura de macarrão, arroz, lentilha, grão de bico, cebola e alho, com um molho de tomate levemente apimentado.
  Só sei que era belíssimo, com cores vivas e um sabor divino. Reparei num olhar furtivo de Samir em mim, tomando um gole do suco de laranja, a cada garfada que eu dava e secava os lábios sujos com o molho.
  Também mexi no cabelo, mostrando o pescoço, uma parte minha que ele gostava bastante. Vez por outra, Layla segurava na mão dele, fazendo-o suspirar aborrecido, mas logo disfarçava com o lindo sorriso de sempre.

— Esse prato é maravilhoso, dona Soraya. Nunca comi nada tão saboroso!
— Ah, muito obrigado! Mas a sobremesa é da Layla! — disse, depois que a jovem colocou a travessa no centro da mesa — Fez um Baklava delicioso.
— A comida está realmente uma delícia! — minha prima também admitiu.
— Do que é feito? — perguntei.
— É uma massa folhada recheada com uma mistura de castanha de caju, amendoim e pistache. Eu fiz uma caldinha para acompanhar. — a jovem explicou, ao me servir um pedaço.
— Gente, que delícia! — confessei, depois de provar um pedaço, completamente envolvida naquele sabor.
— Nunca comeu nada árabe, Sâmia? — Samir me perguntou, sentado à minha frente, ao provar um pouco do doce delicioso, com um fio de sarcasmo no olhar.
— Só o cuscuz marroquino que a minha avó fez, há uns anos. Estou mais acostumada com a italiana e a francesa. — respondi, sentindo a pele esquentar, correndo os dedos sobre a joia que me deu.
— É verdade, a tia Pia sempre fazia e era do balacobaco! — Leonora reforçou.
— O meu irmão vai passar a lua de mel em Roma. — informei, e as outras mulheres soltaram suspiros admirados.
— Ah, que maravilhoso! Soubemos que está noiva. — o seu Omar se manifestou, com o sotaque forte — Esse é o anel? — apontou para a minha mão, e eu assenti, com a cabeça, forçando um sorriso — Meus parabéns. Aonde pensa em passar as suas núpcias?
— Em Copacabana mesmo. Não me senti confortável indo tão longe, de cara. Meu noivo não viu problema. — contei, com ar inocente.
— Poderia ir ao Egito. Nossa terra é lindíssima.
— Depende do meu noivo. — respondi, bem humorada, e todos riram, e corri os olhos neles, até passar pelo meu amado, que também ria.
— Ele vai sim, Sâmia. Não perca as esperanças, uai. — Samir falou, e eu sorri, sabendo que estava falando de si mesmo — Há uns 10 atrás, fomos conhecer a nossa terra natal e tudo lá é incrível.
— Até o momento em que você tentou me enterrar na areia, não é, maninho? — Zaina falou, sentada ao meu lado; ela chegou na hora do almoço e alegou que saiu muito cedo para resolver coisas do casamento, o que todos engoliram.
— Não me recordo. — ele alegou, rindo, e ela mostrou a língua, de volta — Mas nosso povo não mumificava os mortos?
— Só que eu não estava morta!
— Crianças, por favor! — dona Soraya pediu, bem humorada — Perdoe os meus filhos pela algazarra, Sâmia e Leonora.
— Tudo bem, eu também tenho irmãos e sei como é. — afirmei, depois de rir um pouco com a cena — Tenho 2 menores, com 5 anos, e é muita agitação naquela casa.
— Esse seu colar é lindo, Sâmia. — a irmã dele elogiou — É um lindo cavalinho. — prosseguiu, tocando o pingente, e uma expressão estranha surgiu em seus olhos, como se pensasse em algo, de repente.
— É lindo mesmo! — Layla reforçou.
— Obrigada. É o meu cavalo, Pudim. Só tive prática mesmo em montar animais de grande porte recentemente. Mas eu cavalgo bastante. — expliquei-lhe, e notei um brilho de desejo no olhar de Samir, que relaxou a postura e apoiou o braço no encosto da cadeira da Layla.
— Eu tenho muito medo de cavalos, são muito altos.
— Meu bem, eu posso te ensinar, só preciso de um cavalo. — falou para a namorada, que se animou toda.
— Porque não usa um de lá do meu haras? Posso dizer que uma amiga minha veio me ver e resolvemos cavalgar um pouco, então o Samir ensina, para não parecer que ele não está trabalhando.
— Tem certeza que não vai ser um problema, Sâmia? — ele questionou.
— Não, várias amigas minhas faziam isso. Podemos usar o cavalo que o Miguel montava.
— É verdade, prima, já que ele nunca quis oficializar o bichinho como dele. Se o fizesse, teria que cuidar. — Leonora, sentada ao lado de Zaina, explicou — Preguiçoso.
— Vai ser ótimo! — Samir concordou, sorrindo, e senti a Zaina nos encarando de um jeito esquisito.
— Mas Layla, tem algo que você precisa saber sobre o Samir. — a tia nojenta, ao lado dela, se pronunciou, aparentemente aborrecida — Só faz o que quer. É praticamente impossível convencê-lo do contrário. Pessoas assim costumam ser instáveis. — falou, e todos se encararam com os olhos arregalados.
— Dona Jamile, eu tenho certeza que o meu namorado tem a melhor das intenções comigo. Confio totalmente nele. — afirmou, e tive uma vontade louca de rir.
— Pois é, Layla, eu nunca o vi fazer algo estranho. — afirmei — Sempre teve um comportamento impecável. Outros também já disseram isso.
— Porque a senhora está dizendo isso, dona Jamile? Sabe se o Samir fez algo que não devia? — minha prima perguntou, num tom estranho, e eu não entendi o motivo, assim como ele.
— Acho que esse comportamento dele é sequela do que houve em Minas, naquela escola. Um colega o agrediu, por isso ganhou essa cicatriz na testa. O empurrou contra um espelho. — explicou, e Layla o olhou com pena, enquanto ele encarava a tia irritado — Fora que o tal aluno acabou caindo da escadaria da torre do sino, aonde se escondeu, e morreu. Creio que isso gerou um trauma em você, sobrinho.
— Tia, eu não fiquei traumatizado com nada. — afirmou, com um ar debochado.
— Mas, Samir, você podia ter ficado cego ou coisa pior. — minha prima disse, tensa, e eu senti o mesmo ao lembrar da biblioteca, aonde ele contou o que tinha feito tão friamente.
— Pessoal, eu asseguro que não fiquei com nada. Continuei vivendo normalmente, só que com uma cicatriz.
— Nós erramos em te mandar para lá, filho. — seu Omar contou, em tom arrependido.
— Pois é, mas já passou. Fiquem tranquilos. Tia, eu sei que a senhora se preocupa, mas não é necessário. — disse, num tom brando, se levantando e abraçando a mulher por trás, dando um beijo em seu rosto, e notei que ela encarou a boca dele como se olhasse para um bolo delicioso, louca para saborear um pouco.
— Ai, essa ansiedade está me matando! — Zaina soltou, incomodada, mudando de assunto, correndo as mãos pelos cabelos negros longos.
— Calma, maninha, é sábado agora. — Samir falou, após voltar para o assento.
— Tenho certeza que vai ser muito lindo. Layla, me conte tudo depois. — pedi, amistosa, e a boba riu, ao se recostar no namorado.
— Porque você não vai com a sua prima?
— Tem certeza, Zaina? Eu não quero ser um peso.
— Está mesmo nos convidando? — Leonora perguntou, comovida.
— Mas é claro. Sâmia, você levou todo mundo daqui para o casamento do seu irmão. É o mínimo que posso fazer para retribuir. — garantiu, com um sorriso tão bonito quanto o do irmão que eu tanto amava.
— Vai ser um prazer, Zaina. Obrigada. — agradeci, animada, até porque seria mais uma chance de ficar perto do meu querido — Leonora, a gente precisa ver logo uma roupa!
— Ah, temos sim! Eu não tenho nada para vestir! Amanhã, vamos achar alguma coisa.
— De fato, senão teremos que nos enrolar num lençol e ir, como da última vez. — disse, e caímos na gargalhada.
— Bem, Sâmia, é bom ver que o meu filho está trabalhando para uma pessoa tão animada como você, jovenzinha. — seu Omar se pronunciou, após um bom tempo.
— Obrigada, senhor, porém ele trabalha para o meu pai, na verdade. — falei, com um sorriso.
— Ele sempre afirmou que as jovens que ele vigiava eram insuportáveis. — o senhor prosseguiu.
— Você queria estrangulá-las, não era, jacu? — a irmã perguntou, irônica, e ele soltou um riso baixo.
— O que essa palavra quer dizer? — perguntei.
— É uma expressão mineira. Quer dizer “idiota”. — explicou, e balancei a cabeça, entendendo — É melhor proteger o seu pescoço, Layla. — brincou, e reparei que ela usava um colar com o próprio nome — Você também, Sâmia. — acrescentou, e eu ri.

  Samir fez uma careta para a irmã, seguida de uma carícia no pescoço da namorada magricela, fazendo-a olhá-lo com desejo. Só não vi o mesmo no olhos dele, que respondeu com uma expressão fofa.
  O almoço seguiu animado. Zaina era mais simpática do que eu pensava, e os seus pais eram adoráveis. Esperava que continuassem gostando de mim, depois que nos casássemos.
   O casamento dela seria num salão de festas ali perto, e eu estava contando as horas. Voltamos para casa, e Leonora persistia com o comportamento esquisito. Miguel e Bia estavam de partida, e dei um abraço apertado em ambos.
  Minha prima resolveu sair com a tia Esmeralda para comprar um vestido para a cerimônia. O problema é que demos de cara com a polícia entrando na nossa casa, acompanhados da Matilde. Fiquei gelada, e creio que Samir também.
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Hasan    Where stories live. Discover now