Sâmia
— Ah, Daniel, foi horrível! A pobrezinha estava mutilada, e a polícia ainda não sabe como ela morreu. — falei, ao telefone, simulando tristeza, por volta das 22h30min, na cozinha.
Aquele dia se resumiu às lágrimas intermináveis da Madi e aos longos depoimentos de todos na casa. Eu e Samir repetimos o mesmo para os detetives de antes, que cuidavam do caso. Fiz questão de acrescentar que minha tia brigou com a vítima, que saiu correndo da casa, e que a mulher era dada a ataques de fúria.
Mencionei o incidente na cozinha e o quanto ela foi agressiva. Só não sei se acreditaram em mim, graças às suas expressões frias. Apenas sabiam encarar o meu guarda-costas, vez por outra, enquanto fumavam um cigarro na varanda, o que nos perturbou.
Tia Esmeralda começou a depor e passou mal, desmaiando, adiando a sua conversa com a polícia. Levou quase 30 minutos para ser reanimada. Que fresca, pensei. Leonora chegou aqui na parte da tarde, e fez a sua declaração à polícia.
Trocou poucas palavras comigo, e menos ainda com o Samir. O corpo foi levado ao necrotério uma hora depois de ser achado, e o mal cheiro finalmente deixou a nossa propriedade. Estava livre para voltar para minha nova casa, porém tinha de fazer algo urgente, antes mesmo de sair.— Que coisa horrível que houve com ela! Com podem acabar com uma vida dessa forma? Meu Deus, só de pensar que... Princesa, poderia ter sido você! — ele falou, nervoso.
— Daniel, nunca iria me acontecer nada de mal, fique tranquilo, meu bem. Ela saiu andando sozinha pela propriedade, e tinha muitos estranhos aqui, no dia. Fora que tinha bebido muito, segundo a minha tia Mel.
— Espere, a sua tia a viu sair, no dia?
— Viu e discutiu feio com ela. Só soube disso hoje.
— E porque ela não falou nada antes?
— Não sei, mas estava mais nervosa do que o normal, e ainda desmaiou, adiando o depoimento. — continuei, percebendo que uma empregada passou carregando lençóis e prestou atenção no que eu disse — Até agora não saiu do quarto.
— Ah, eu não acho que ela tenha alguma coisa a ver com o que houve.
— Espero que não, Daniel. Se lembra daquela vez que ela simplesmente agarrou o meu braço, furiosa, só porque defendi a namorada do Samir? Minha tia falou um monte de obscenidades, foi terrível! Quem garante que a garota falou algo e a minha tia explodiu com ela?
— Ah, isso é muito grave, princesa! Com certeza, foi um mal entendido.
— Espero, de verdade. A Madi está arrasada, coitada! Você se importa que eu durma aqui, para dar um pouco de apoio à ela? Volto para casa amanhã. Fique tranquilo, estou com o meu guarda-costas.
— Claro que não, princesa. Com, certeza, ela precisa de você, ainda mais agora.
— Ah, obrigada, por compreender! Preciso desligar agora. Boa noite, querido.
— Boa noite, meu amor. — respondeu, com doçura, e desliguei o mais rápido possível.Samir conversava com a Matilde, sentado à mesa, com outros empregados que jantavam tranquilos. Estava sorridente, principalmente ao falar sobre a sua namorada magricela.
A governanta segurava uma foto dela, com as rédeas de um camelo entre as mãos, observando-a atenta, e me sentei numa cadeira vaga para escutar, depois de pegar um copo de água.— Eu não tinha visto que ela veio, no casamento do Miguel. É muito bonita! — ela elogiou.
— Ah, é mesmo! Mas não sei se vai dar certo.
— Mas porque não? Pelo que me contou ainda pouco, vocês têm muito em comum!
— Ela não quer o mesmo que eu. Pretende se casar e voltar para o Marrocos. Quero continuar aqui, no Brasil.
— Precisam entrar num consenso.
— Eu sei, dona Matilde, só que para a Layla é inegociável morar aqui, e até entendo. Praticamente toda a família dela está lá, é o lugar aonde nasceu e cresceu. É a sua terra, o seu idioma e a sua cultura, assim como é comigo, aqui nesse país.
— Bem, isso precisa ser resolvido. O relacionamento não vai sobreviver nesse cabo de guerra. Um dos dois vai ter que ceder.
— Entendi. — garantiu, com um suspiro cansado e a expressão triste, falsa com certeza — A verdade é que as coisas andam tensas entre nós, por conta disso. — contou, desviando o foco para o garfo no prato vazio.
— Tenho certeza que vai ficar tudo bem. — garantiu, com um sorriso animador, que o induziu a encará-la fundo e sorrir de volta — E se não der certo, acredite: não era a pessoa para você.
— A senhora tem razão. Gosto muito dela, e vou tentar resolver isso tudo o mais rápido possível! — disse, determinado.
— É assim que se fala, rapaz! E o Daniel está bem, Sâmia? — perguntou, voltando o seu foco para mim.
— Está sim. Achou melhor que eu passasse a noite aqui, para dar apoio à Madi. — menti, e vi que Samir abaixou o olhar, prendendo o riso — Ela está arrasada!
— Está sim, coitada! Vai fazer bem à ela a sua companhia. O Miguel e a Beatriz já foram deitar e também vão ficar aqui até de manhã.
— Bem, sendo assim, vou buscar uma muda de roupa na casa dos meus pais. — falou, se pondo de pé — Volto logo, pessoal.
— Eu vou ver como as crianças estão e ir deitar. Se quiser dormir, ao voltar, fique à vontade, Samir. — avisei, e ele concordou com a cabeça.
— O seu antigo quarto está disponível. A chave está na porta. — Matilde avisou, e o meu guarda-costas se retirou.
YOU ARE READING
Hasan
Romance𝐉𝐚́ 𝐫𝐞𝐩𝐚𝐫𝐚𝐫𝐚𝐦 𝐪𝐮𝐞 𝐚 𝐦𝐞𝐧𝐭𝐢𝐫𝐚 𝐠𝐞𝐫𝐚𝐥𝐦𝐞𝐧𝐭𝐞 𝐞́ 𝐛𝐨𝐧𝐢𝐭𝐚? 𝐒𝐞𝐦𝐩𝐫𝐞 𝐦𝐞 𝐜𝐨𝐧𝐭𝐚𝐫𝐚𝐦 𝐚 𝐡𝐢𝐬𝐭𝐨́𝐫𝐢𝐚 𝐝𝐨𝐬 𝐧𝐨𝐬𝐬𝐨𝐬 𝐚𝐧𝐜𝐞𝐬𝐭𝐫𝐚𝐢𝐬, 𝐝𝐞 𝐜𝐨𝐦𝐨 𝐬𝐞 𝐚𝐩𝐚𝐢𝐱𝐨𝐧𝐚𝐫𝐚𝐦 𝐞 𝐨 𝐪𝐮𝐚𝐧𝐭𝐨 �...