𝟐𝟑. 𝑰𝒎𝒑𝒖𝒍𝒔𝒐, 𝒑𝒂𝒓𝒕𝒆 𝟐.

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                                 Samir

  Entrei no banheiro do meu quarto e arranquei o paletó, suando e ofegante. Quase fiz amor com ela na beirada da piscina, onde eu estava com a cabeça? Abri a torneira e joguei agora fria no rosto. Se concentra, se concentra, repeti para mim, tentando respirar devagar, agarrando as laterais da pia, sentindo o volume na calça. Se controla, se controla!
  A última vez que fiz uma coisa dessas foi com a Érica, que disse que eu era meio selvagem, e pediu para não fazer mais aquilo, porque a assustou. Se concentra, se concentra, se concentra! Porque eu estava agindo daquela forma? Não, nem pensar, não tenho interesse na Sâmia, não tenho, não tenho, não tenho! Só estou carente. Ela é jovem demais! Me sentei no vaso e enterrei cabeça entre as mãos. Porque que estou fazendo isso?
  Não aguentei e arranquei a roupa, me enfiando no chuveiro frio. Porque estou sendo tão imprudente? Estava queimando por dentro, com a cabeça girando. Ela é o meu trabalho, se concentra! Depois de alguns minutos debaixo da água gelada, saí, me sentindo um pouco mais calmo. Me arrumei e tive uma crise de riso, ao refazer o nó da gravata, em frente ao espelho. Meu Deus, ela está me manipulando, falei sozinho.
  Sâmia estava fazendo justamente o que eu já tinha percebido, desde o primeiro dia: sendo simpática só para me distrair. E na piscina, tentou me seduzir, tenho certeza. Ela quer se livrar de mim, por isso age desse jeito, murmurei. Quer que eu me apaixone o suficiente para não conseguir trabalhar direito e pedir demissão.
   Em minutos, estava pronto, e saí do quarto, rumo à cozinha, como se nada tivesse acontecido. Para mim, era fácil fingir; com o tempo, ganhei prática. Me sentei e peguei o café, passando um pouco da geleia de amora numa torradinha e cumprimentei Miguel e doutor Alfredo, que estava com uma cara estranha.

— Então, Samir, está gostando de trabalhar aqui? — Miguel falou, depois de tomar um gole de suco, quebrando o silêncio.
— Estou sim, é bem tranquilo. — falei, com um sorriso.
— Não fica entediado andando atrás da Sâmia, o dia todo? Se ela está te fazendo perder a paciência, pode falar. — comentou, irônico.
— Ah não, ela não faz isso! — garanti, mordendo a torradinha.
— E o que acha dela?

Eu poderia dizer o que realmente pensava: ah, Miguel, acho a sua irmã fantástica, só pelo fato dela ser um monstro sanguinário, com um lindo rostinho que engana qualquer um, o que a deixa mais gostosa ainda e me faz pensar em tirar a roupa dela quase o tempo todo.

— Bem, a Sâmia é normal. — respondi, dando de ombros — É simpática, na verdade, igual a você. — constatei, e Miguel riu — E ela parece muito com a minha irmã. — menti, descaradamente, até porque Zaina não matava nem uma mosca, enquanto Sâmia não tinha o menor escrúpulo.

   E ela apareceu, minutos depois, com uma expressão tranquila e uma blusa leve, cor de areia, de alças finas, e uma calça azul escura. Ainda por cima, sentou ao meu lado e consegui sentir o cheiro do seu perfume levemente picante. O cabelo molhado lhe deu um ar mais casual, e a falta de maquiagem ajudou. Não tinha nenhuma mocinha inocente, sentada ao meu lado, apenas uma mulher jovem que sabia exatamente o que estava fazendo.
  Serviu-se com leite e uma torrada com manteiga, depois que o irmão e o pai saíram da mesa. Não tenho dúvidas de que realmente tentou me seduzir; com certeza, colocou aquele maiô azul que deixou os seus seios empinados de propósito, assim como quando puxou o cabelo para o ombro direito, deixando o pescoço à mostra, depois de tomar um gole na xícara.

— A geleia está boa? — me perguntou, com um sorriso irônico.
— Está sim. — respondi, sem olhá-la, com o calor voltando — Gosto desse jeito, bem concentrada. — disse, dando outra mordida na torradinha.
— Que bom. Vou continuar a fazer desse jeitinho, então.
— Você quem fez? — perguntei, olhando-a desconfiado, e engoli com dificuldade.
— Sim, ontem, na Leonora. Pode comer tranquilo, não tem veneno não. — falou, rindo baixo, e enfiei o último pedacinho na boca, encarando-a, só para mostrar que eu não estava com medo do veneno dela. Não vai conseguir o que quer, Sâmia, pensei.
— Está uma delícia. — garanti, preso no seu olhar, que, confesso, não precisava de maquiagem nenhuma.
— Supimpa! Hoje, vou te ensinar a andar pela casa. Está na hora, já que trabalha aqui tem 4 dias. Pode terminar o seu café tranquilo. É melhor ir sem o paletó. Vai ser uma caminhada cansativa.

  Como ela podia ser tão cínica? Uai, eu fui sincero com ela!, pensei. Quer me manipular a troco de que? É só para se livrar de mim? Será que Sâmia era tão insensível assim? Tempos depois, saímos da cozinha e segui-a por uma porta no final do corredor onde ficava o meu quarto.

— Esse é um dos acessos que eu uso para chegar aqui mais rápido. — falou, depois de entrarmos — Basta entrar e subir as escadas para o andar de cima. Vamos, vou te mostrar os outros acessos. — apontou para as outras entradas, um pouco mais ao fundo — Essa casa foi construída na época do império, e o dono fez esses corredores secundários só para não ver os empregados circulando. Até que são bem úteis.
— Sâmia, porque está fazendo isso? — perguntei, aproveitando que estávamos sozinhos naquele espaço esquisito e pouco iluminado.
— Isso o que? — indagou, virando para mim.
— Está tentando me manipular? — perguntei, incisivo, e ela fez uma careta — É por isso que sempre foi simpática comigo e tentou me seduzir mais cedo?
— Te seduzir? Você está biruta, só pode! — falou, soltando os braços, cansada — Sabe, Samir, eu ia te perguntar a mesma coisa. — disse, se aproximando de mim — Porque tenta colocar medo em mim?
— Eu não faço isso.
— Faz sim! Me agarrou na piscina só para ver se eu ficava apavorada, não é? Já falei que não sinto medo de você, então porque continua tentando?
— Eu não tento te amedrontar, Sâmia! A minha função é te manter segura e fazer com que se sinta assim, do contrário, não confiaria em mim, o que não condiz com fato de achar que tento te colocar medo! E não te agarrei, coisa nenhuma! Foi você que pediu para te mostrar como age um pervertido, o que foi uma grande idiotice!
— E se foi, porque fez então?

  Essa era a grande questão. Nem eu sabia o porquê tinha feito aquilo, o que foi uma completa estupidez.

— Porque você não tentou fugir? — perguntei, de volta, e ela franziu a testa.
— Você me prendeu, como eu iria fazer isso?
— Você não estava totalmente presa, Sâmia. — discordei, encarando-a fundo.
— Já viu o seu tamanho em relação ao meu? Tenho só 1,63cm. Você tem bem mais do que isso, com certeza.
— Isso não é desculpa. Porque não fugiu?
— Eu perguntei primeiro.
— E perguntei depois.
— Responde, Samir!
— Primeiro as damas. — falei, e ela estreitou os olhos, soltando o ar, irritada — Dava para me chutar e sair correndo. Você queria que eu te agarrasse? — indaguei, cético.
— Mas que absurdo, porque eu ia querer isso?
— Ainda disse que não ia gritar. — insisti, e ela desviou o olhar, desconcertada, por alguns segundos — O que queria que eu fizesse com você, Sâmia? — indaguei, aproximando-me, e me encarou, puxando o ar com força.
— Já disse que não dava para fugir. Tem noção da encrenca que seria se alguém entrasse e nos pegasse? A última coisa que quero é te causar problemas.
— Então, jura que não está me manipulando?
— Claro que juro, Samir! — garantiu, aborrecida — Eu só queria saber se… — hesitou, tentando achar as palavras.
— Saber do que? — questionei, sentindo o calor voltar, e nem me dei conta que tinha me aproximado demais dela, que me encarou fixamente — O que tanto queria saber, Sâmia?
— Deixa para lá, Samir. E você? Jura que não estava tentando me manipular?
— Juro, Sâmia.
— Bem, sendo assim... vamos retornar o passeio. — concluiu, soltando o ar com força, subindo devagar os degraus com os belos sapatos brancos da moda.
— Como consegue andar com esse sapato tão alto?
— Podemos conseguir muita coisa, com prática constante. — respondeu, lançando-me um olhar debochado por cima do ombro, e eu simplesmente a segui.
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Hasan    Where stories live. Discover now