𝟏𝟖. 𝑪𝒐𝒏𝒋𝒆𝒄𝒕𝒖𝒓𝒂𝒔.

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                                 Sâmia

  Assim que entramos na cozinha, falei para ele almoçar e descansar, pois eu faria o mesmo. Era o mínimo, depois dele ter feito o que fez por mim. O Eduardo realmente precisava de uma lição, só não esperava que meu guarda-costas o fizesse. Respirei fundo, no meu quarto, depois de sair do almoço, com um verdadeiro nó na cabeça.
  Fez isso para me proteger, murmurei. Mas Eduardo não era um perigo, raciocinei. Não, lembro muito bem da irritação no rosto dele quando contei o que meu ex pretendente me falou, na festa. Samir só agiu assim por pura raiva, refleti. Mas eu também já agi movida pela raiva.
  Ainda sentia o coração disparado e um calor esquisito correndo por baixo da pele. Ele fez por mim. Me deitei, cansada, depois de um banho frio demorado, mas não consegui relaxar. Ele fez por mim. Os instantes na biblioteca me vieram à lembrança, e o seu toque suave e quente ainda marcava a memória, fazendo-me levantar, aborrecida.
   Revirei o armário, em busca de uma roupa leve e resolvi voltar na cozinha e fazer pães, para me distrair. Comecei a separar os ingredientes, pensando no fato do quarto dele estar ali, tão perto de mim. Se concentra, Sâmia! Deixei a massa descansando e saí dali o quanto antes, de volta para o meu quarto, para tentar colocar a cabeça no lugar.

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— Nossa, Sâmia! Isso está bom demais! — Madi elogiou, depois de morder um pedaço do pão doce pincelado com uma geleia de morango.
— Está realmente bom! Ai, que delícia! Parece sexo. — Matilde falou, depois de enfiar o último pedaço na boca, e caímos as três na risada; apenas eu ainda não entendia desse assunto, por pura falta de um candidato viável.
— Matilde, a Sâmia não pode ouvir essas coisas! Ela é ingênua ainda! Sâmia, por favor, ignore tudo!
— Dona Madi, eu já falei: estou viúva e não morta. — falou, debochando — Você está cada vez melhor na cozinha, querida. Meus parabéns. — disse, para mim.
— Obrigada. — agradeci, indo em direção ao forno, para retirar o restante dos pães — Não comam tudo, por favor.
— Nem te perguntei, Sâmia: está gostando do seu guarda-costas? Seu pai não teve tempo de perguntar.

  A língua coçou para mencionar à Madi o que houve na biblioteca e o envolvimento do Samir com o acidente do Eduardo. Era o momento perfeito para me livrar dele. O que eu dissesse, seria a verdade. Esse homem é um criminoso, refleti, e pode me matar facilmente.
  Qualquer um acreditaria em mim, eu tinha o dom de ser convincente. Essa era a chance da minha vida, pensei. Porém lembrei da promessa que fiz ao meu pai, de não atrapalhar o trabalho dele, e o meu carcereiro nem era tão desagradável assim. Diabos, preciso do Samir.

 
— Ah, ele é normal. É como andar com o Miguel. — respondi, em tom tranquilo, rindo, na sua direção.
— Que ótimo, querida! Já fico mais tranquila! Bom saber que ele não é nenhum pervertido. — acrescentou, e ri mais ainda, com a sua inocência, enquanto eu tentava entender o que o Samir era, afinal de contas.

  Estava colocando o último tabuleiro sobre a bancada de mármore quando ouvi voz dele, ao entrar na cozinha, e estremeci. Papagaios, porque estou assim?, questionei-me mentalmente. Respirei fundo, com o coração disparado, ajeitando a gola da minha camisa branca e me virei, tentando parecer o mais serena possível, enquanto as mulheres tomavam café amistosamente, à mesa.

— Ah, boa tarde, Samir. — Madi o cumprimentou, animada — Por favor, sente-se e pegue um pãozinho, antes que o Miguel apareça e coma tudo.

  Prontamente obedeceu, e levei para ele uma xícara de café. Logo me olhou fundo, e os seus olhos pareceram mais verdes do que o normal, o que me deixou a minha boca seca. Não resisti e retribui, sentindo um cheiro salgado emanando dele. Será que foi à praia?, me questionei. Será que foi com alguém? Essa hipótese me incomodou, mas reprimi o pensamento, ao ajeitar o cabelo sobre o ombro.
  Sentei para comer, na cadeira em frente, provando um pedaço do pão. Ele só fez o que fez para me proteger, pensei, e outra vez, o fitei. Só fez o trabalho dele, não se confunda, garota. As duas mulheres, que considerava como minhas mães, riam largamente e vez por outra o incluíam no assunto.
   Com quem será que Samir foi na praia?, pensei, dando um gole no café. Deve ser com a ex, aposto! Notei que estava com a gravata frouxa e parecia levemente queimado de sol. Fugiu enquanto eu estava distraída, fazendo pão para ele também comer! Ingrato!
  De repente, Samir riu de algo que Matilde disse, o que me tirou dos pensamentos confusos. Lembrei que o som da sua risada parecia com a do meu irmão pequeno, algo gostoso de se ouvir. Um sorriso tão bonito, pensei, mas evitei olhar demais, ainda sentindo o calor esquisito.
  Não conjecture sobre as coisas, tenha certeza, Sâmia, lembrei da voz da minha avó, que sempre tinha algo a ensinar sobre as coisas da vida. Ela era a única que me entendia naquela casa, e nunca senti tanto sua falta como naquele momento. Sem dúvida, já teria entendido a situação.
   Ele se reconciliou com a ex e reataram, está alegre demais. Engoli o pão com dificuldade, nem sei o porquê. Seria normal voltarem, que mal há nisso? Eu precisava sair um pouco daquela casa e respirar para organizar a mente. Notei que ele já tinha terminado de comer fazia um tempo e disse para Madi que iria caminhar um pouco. É claro, Samir se levantou e me seguiu, já que aquela era a sua função, sabe Deus até quando.

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Hasan    Where stories live. Discover now