𝟒𝟗. 𝑼𝒎𝒂 𝒋𝒐́𝒊𝒂.

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                               Sâmia

Segunda, 6 de maio de 1957

  

  Ser a madrinha do meu irmão estava sendo puxado. O bobo ainda se esqueceu de escolher um padrinho, e eu entraria sozinha na igreja. Isso deixou de ser um problema, fazia um tempo. Fiquei contente mesmo com a Beatriz, que me disse, ontem, nervosa, que encomendou algumas roupas numa loja perto da casa da Leonora e teria que buscar hoje, para levar na lua de mel.
  Logicamente, me ofereci para buscar, afinal, eu era a madrinha e faria tudo pelos noivos. Sem contar que poderia ter um momento delicioso com o Samir, que estava atrasado, não sei porque.
  Ontem, vasculhei os livros de culinária estrangeira da minha avó, na biblioteca, em busca da receita de Shoreek. Eram pãezinhos muito bons, mas eu queria que meu guarda-costas comece um feito por mim.
   Tive sorte da minha falecida avó amar as comidas de fora, e encontrei o que precisava. Foi bem fácil de fazer; deixei tudo pronto e assei ao acordar.
  Devo ter feito uns 2 ou 3 tabuleiros grandes, para todos poderem comer bem. Por volta das 07h20min, Samir entrou, se desculpando, dizendo que teve um problema no carro.
  Ofereci um pãozinho e o vi morder com vontade, fechando os olhos por alguns segundos, dizendo que estava ótimo, em seguida. Me encarou rapidamente, com fogo nos olhos, e entendi que tinha acertado na receita. Pouco depois, saímos para buscar as encomendas.

— Então, vamos na Tijuca? — perguntou, com um sorriso malicioso, já na estrada.
— Bia comprou umas coisas. E eu, como sua madrinha perfeita, vou buscar tudinho.
— Que sorte a dela!
— E você se atrasou porque? Vou descontar do seu salário. — falei, irônica.
— Eu tomei café com as visitas, lá em casa, e também com a minha mais nova amiga. Disse que levei um fora e a Layla ficou cheia de pena. E precisei pegar uma coisa numa loja. Depois te mostro.
— Sei. — falei, fingindo desconfiança.

  Depois de atravessarmos na barca, um bom tempo depois, chegamos na Tijuca, estacionando na porta da tal loja. Peguei as encomendas e voltei para o carro, em poucos minutos. Seguindo para o seu prédio, em seguida. Antes mesmo de entrarmos no seu apartamento com as sacolas, já estávamos aos beijos. Senti um volume no bolso do seu paletó e me afastei para tentar pegar, depois de fechar a porta.

— O que é isso?
— Já ia te mostrar. Toma, é para você. — disse, um pouco constrangido, ao tirar a caixa de veludo escuro do bolso.

  Assim que abri, vi o pingente reluzente extremamente delicado, em forma de cavalo, preso à uma fina corrente. Fiquei maravilhada com aquela joia. Dava para ver os relevos das manchas que o meu cavalo também tinha. Notei o número 3 gravado atrás e não entendi o porque.

— Dentro da baia 3. — respondeu, notando a minha confusão — Foi aonde aconteceu. — explicou, pegando o colar e colocando no meu pescoço, me fazendo sorrir ao lembrar daquele momento tão intenso no estábulo — Só você e eu sabemos disso.
— Por isso, está na parte de trás?
— Exatamente. É um segredo só nosso.

  Parei em frente ao espelho no quarto, correndo os dedos sobre a joia na minha pele. Era linda e discreta. Um segredo escondido às vistas de todos. Samir me abraçou e me senti envolvida pelo seu calor.

— A sua pele estava tão quente, naquela noite. — falou, próximo ao meu ouvido, correndo os dedos na minha nuca, me arrepiando — O colar é parte do seu dote. — falou, e o encarei pelo espelho.
— O que? Dote?
— Quer casar comigo? — sussurrou, mordiscando a minha orelha e estremeci.
— Claro que sim. — respondi, sem hesitar, e virei para ele, comovida — Eu caso, com certeza. Não posso ficar com mais ninguém. Mas você me conhece há pouco tempo. Tem certeza?
— Tenho, até porque ninguém nunca me entendeu como você. Não me importo com o pouco tempo. Para mim, foi suficiente. Sinto uma conexão fora do normal contigo. Somos extremamente parecidos. Sei que o nosso amor vai durar para sempre, Sâmia. Podemos fazer tudo o que quisermos. Temos todo o tempo do mundo.
— Temos, sim. É claro que eu aceito, Samir! — falei, me prendendo no seu abraço apertado, me sentindo leve, por dentro.

  Não havia mais volta e, sem dúvidas, Samir era o homem da minha vida. Não dava a mínima para o que os meus pais e os dele diriam. Nós pertencíamos um ao outro, e ninguém conseguiria nos separar.
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  Voltamos para casa, depois de roubarmos uma hora para nós, e entreguei as benditas encomendas para a Beatriz. Chequei se o vestido de noiva estava em ordem e se a barriga da minha futura cunhada ainda estava reta.
  Cruzei com a minha prima, que ainda me olhava esquisito. Qual o problema dela? O dia passou correndo, e por volta da meia noite, estava dentro da piscina, agarrada ao meu amante. Olhei nos seus olhos; parecia que eles acendiam, toda vez que tinham a minha atenção, e confesso que aquilo me derretia.

— Eu disse que nadar sem nada era melhor. — afirmou, convencido, falando baixo, ao beijar o meu pescoço molhado, enfeitado com a joia que me deu.
— Verdade. — admiti, rindo — Ainda bem que aqui só tem uma entrada e eu tranquei a porta.
— Como você soube que a Layla não era mais virgem? Estava me coçando para saber.
— Ah, só falei que era virgem e estava com medo da noite de núpcias com o Daniel. Rapidinho, ela abriu o bico.
— Ela também mencionou o nome do Kaysar, para mim. Será que a minha tia confirmaria a existência dele? É porque eu sinto que a Layla pode querer aprontar alguma, quando eu romper com ela.
— Posso perguntar, na quarta. Eu consegui convites para o pessoal da sua casa vir. Sabe que eu sou confiável, e tenho certeza que vou saber o que quero sem dificuldade.
— Ah, se tratando da minha tia, vai ser fácil ela contar. É uma velhota fofoqueira. Cismou que eu não gostava de mulheres, e para piorar, comentava com os outros parentes. Todo mundo me olhava estranho. Dei graças a Deus, quando cheguei aqui no Rio. Eu nem tinha 16 anos e ela já falava em pensar numa esposa. Fora que não namorava muito, ao contrário da Zaina, que sempre queria que a levasse para tomar um Grapette com um tipão que conheceu em algum lugar. A verdade é que eram sempre uns bocós. Por isso, tratei de apresentar o Amin.
— A sua tia é bem chata.
— Não, ela é insuportável. Em todas as cartas, perguntava se eu estava namorando. Não era fácil confiar em qualquer uma, por isso não me envolvia. Claro que não preciso mais fugir. — afirmou, correndo o dedo molhado pelo meu nariz, e sorri — O colar ficou lindo em você. Não precisa usar mais nada. — disse, beijando a minha testa, me girando dentro da água — Não sei o que eu faria sem você.
— Também não sei o que faria. Mas podemos fazer muito mais juntos. — concluiu, me beijando, e terminamos de aproveitar aquele tempo roubado antes que o sono nos derrubasse.
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Hasan    Where stories live. Discover now