𝟐𝟖. 𝑪𝒐𝒏𝒄𝒍𝒖𝒔𝒐̃𝒆𝒔.

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                                   Samir

Sábado, 27 de Abril de 1957.

   
   Nadei até a outra borda da piscina, às 01h20min. Depois daquela conversa com a Sâmia, não consegui dormir. Ela não sentiu nada daquilo, murmurei, apoiando os braços no deque. eu estou enlouquecendo nessa história. Esperava que a água gelada refrescasse as minhas idéias, e fizesse aquela inquietação por baixo da pele passar.
  Não estou sentindo nada, não estou sentindo nada, repeti. Sâmia só foi gentil, não se confunda. Só estou carente, só isso. Vai passar. Mais cedo, pouco depois do jantar, liguei para casa, conversando um bom tempo com minha irmã, Zaina.

— Tudo bem, Samir, eu vou guardar bolo para você. Melhor, vou levar aí no seu trabalho, quando eu for para o meu, de manhã. — falou, do outro lado da linha.
Cadiquê? Eu vou para casa, não precisa.
— Precisa sim, uai, já que nossa prima vem amanhã e vai comer tudo com a mamãe.
— Tudo bem, pode trazer. Escuta, eu queria te perguntar uma coisa. Como você se sente com o Amin?
— Uai, como assim?
— Como se sente com ele?
— Bom, me sinto bem, naturalmente. Consigo ser sincera, sem dificuldade. Totalmente transparente, sabe? Na verdade, sempre foi assim, desde o primeiro dia.

  Pensei naquele dia, na biblioteca, aonde descobri facilmente que a Sâmia era o mesmo que eu: alguém que derramou sangue só porque quis e achou que devia. E ela não sentiu medo de mim, mas quis continuar perto.

— O Amin me atrai desde o primeiro instante que olhei nos olhos dele. Me sinto fascinada pelo tipo de pessoa que é.

  Realmente, Sâmia me fascinava. Era uma mistura perfeita de beleza, perversidade e simpatia, com uma dose de bondade. Não sei como ela equilibrava tudo isso debaixo de uma bela máscara com rosto pequeno e olhos expressivos e inocentes, usada todos os dias com prática. Parece que eles brilhavam mais, quando eu olhava para eles. Não, é só impressão minha, pensei.

— E quando ele me toca, ah... parece que vou assar de dentro para fora.

  Foi o que senti, depois do que houve, na piscina. Na verdade, tenho sentido isso desde sempre. Não quer dizer nada, refleti.

— Na verdade, o Amin nunca me julgou pelo que eu sou e sei que ele me entende como ninguém, ninguém mesmo. Até as coisas que vivemos são praticamente as mesmas. E por mais que eu tentasse evitar, não conseguia ficar longe dele. E me sentia bem, o tempo todo, ao seu lado.

  Eu e Sâmia tínhamos amores fracassados e vários morreram por nossa causa. Fora que nunca me julgou por nada do que eu tenha feito. Ela era uma companhia que me fazia bem e tornava o meu trabalho agradável.

— Só sei que tudo fez sentido depois que assumi o que sentia. Parei de ficar tão confusa.

  Minha cabeça estava uma bagunça, mas isso não significava que eu sentia alguma coisa por ela. Não, não sentia nada.

— Mas, Samir, você sabe que qualquer um apaixonado se sente assim.
— O que? — perguntei, paralisado.
— Pelo amor de Deus, maninho. — falou, num tom brando — Você já namorou antes, assim como eu, sabe que é assim. Mas qual a questão? Está sentindo isso por alguém?
 
  Perdi a fala. Apaixonado? Quis negar, mas não consegui, porque estava sentindo aquilo. Não, não estou, repeti, mentalmente. Não estou, não estou, não estou! Esfreguei o rosto. Como posso estar? Nem a conheço direito! Isso é ridículo! Não tem como!

— Samir? — ela chamou, me despertando.
— Oi, Zaina.
— Uai, achei que tinha caído a ligação. Mas não me respondeu. — falou, em tom malicioso — Olha, a gente nunca escondeu esse tipo de coisa, um do outro. Foi você que me apresentou o Amin, inclusive.

  Isso era um fato. Eu sabia que ele tinha uma queda pela minha irmã, e apenas me certifiquei de que era bom o suficiente. Fiz um bom trabalho, sempre colocando um perto do outro, é claro, fazendo parecer acidental, e agora estavam noivos, extremamente apaixonados.
  Apaixonado. Não, não estou. Não, não posso estar. Sâmia é o meu trabalho, não posso me envolver, ela é muito jovem. Desliguei, em seguida, fugindo da pergunta dela. Não estou apaixonado, não estou, não estou!
  Afundei na água, por alguns segundos, tentando me convencer de que não sentia nada. Não sinto, não sinto. Só sei que tudo fez sentido depois que assumi o que sentia, pensei no que Zaina disse. Não posso sentir nada por ela, não posso! Emergi e esfreguei o rosto. Porque eu sentiria isso? Tudo bem, Sâmia era incrível, com uma inteligência acima da média, capaz de fazer qualquer coisa para conseguir o que queria. Assim como eu.
  Saí da piscina e me sequei. Será que gosto dela? Aquele tempo ali não adiantou nada; eu continuava sentindo um calor esquisito e a mente bagunçada. Não, não a quero e não posso tê-la. Voltei para o meu quarto, me enfiando num pijama, ainda sem sono. Não posso tê-la.
  Senti uma tristeza estranha e resolvi ir à cozinha, tomar água. Me escondi na sombra do corredor ao ver que Sâmia estava no cômodo, com um pijama amarelo florido engraçado e o cabelo enrolado em pequenos coques com fitas, acompanhada da irmã caçula, Theodora.
  Promete que vai dormir, agora?, perguntou para a pequena, dando-lhe um biscoito, e ela apenas balançou a cabeça, em resposta. Sâmia a envolveu num abraço carinhoso, fazendo-a rir, e a levou para fora dali.
Senti inveja da menina, porque queria aquele abraço para mim. A quero para mim, pensei, sentindo a pele esquentar. Peguei a água e voltei para o quarto, me sentindo mau. Porque não posso tê-la?, me questionei, depois de trancar a porta e me jogar na cama.
   Ela era a única pessoa que me entendia, não me julgou e não sentiu medo de mim. Porque não posso? Esfreguei o rosto, irritado. Mas eu a quero. Abracei um travesseiro, me sentindo péssimo, com um nó na garganta. Não, não a quero coisa nenhuma, ela é o meu trabalho. Fechei os olhos, esperando que tudo fizesse sentido quando acordasse.
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