𝟗. 𝑶 𝒗𝒆𝒔𝒕𝒊𝒅𝒐 𝒗𝒆𝒓𝒎𝒆𝒍𝒉𝒐 𝒔𝒂𝒏𝒈𝒖𝒆.

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                                 Samir

  Terminei de dar o laço na gravata borboleta, faltando 10 minutos para as 18 horas. Vesti o smoking que minha mãe me deu de presente para usar no meu casamento, quando finalmente acontecesse. Se é que vai, não é mesmo?, pensei, chateado. A minha última namorada achava que eu agia estranho e não contava tudo o que fazia. Já íamos fazer 6 meses juntos e queria ser o mais sincero possível.

— Samir, eu não sei o porquê de tanto segredo! — ela reclamou, ao sentar no sofá, quando fui na casa dela, um dia — Volte e meia, você desaparece, nos finais de semana!
— Meu chefe confia em mim, e por isso, me pede para buscar encomendas para ele, só isso, uai. — menti.
— Encomendas de que? Meu bem, você sempre ficou me enrolando sobre isso! Está fazendo alguma coisa que não deve? Essas cicatrizes nos nós dos seus dedos não estavam aí, até semana passada. — falou, e olhei para as minhas mãos.
— Érica, por favor, não imagine coisas!
— Eu sei que esses grandes empresários sempre tem um capanga para tirar inimigos do caminho. Você está fazendo alguma coisa errada, Samir?

  Se eu começasse a contar, ela ficaria apavorada, mas precisava ter certeza. Eu a amava, e já estava cansado de esconder tantas coisas dela. Eu era o homem que resolvia certos problemas que outros não tinham capacidade de resolver. Para mim, aquilo era apenas mais um trabalho, algo que nunca se tornava pessoal, nunca. Por isso, era tão fácil.

— Érica, porque acha isso? — perguntei, sentando-me ao seu lado, segurando nas suas mãos — O que eu poderia ter feito de pior?
— Sei lá, ter dado uns tapas em alguém, talvez. Eu sei que você não é capaz de fazer uma coisa horrível, como matar uma pessoa.
— Suponhamos que eu tivesse feito essa coisa horrível, manteria o segredo? Você me protegeria, Érica?
— Claro que não, Samir, seria completamente errado! — garantiu, e senti algo se desmanchando dentro de mim.
— Não protegeria? — indaguei, com o nó na garganta apertando.
— Não, você seria um criminoso, fora que eu não conseguiria te perdoar, se fosse verdade. Nunca protegeria alguém assim. — falou, decidida.
— Não me protegeria?
— Não, jamais!
— Porque não? Eu faria qualquer coisa para te manter em segurança! Porque não pode fazer o mesmo por mim? 
— Samir, ficou biruta? Porque quer ser protegido?

  Meus olhos esquentaram, com o choro preso, me sentindo em perigo. A impressão que eu tinha, de que ela nunca me entendeu plenamente, se confirmou naquele segundo, e o sentimento que tinha pela Érica começou a morrer ali. Ela não me protegeria, refleti, triste. Nunca poderia contar com ela para acobertar a mim e os meus segredos. Segurei suas mãos, admirando as unhas peroladas perfeitas, e abracei-a, com o cheiro do seu cabelo loiro contra o meu nariz.

— Samir, que cara é essa? Fez algo ruim, é isso?
— Não, nunca fiz. Só perguntei por perguntar. É que... Olha, você é uma mulher incrível e, por favor, me perdoa pelo que vou dizer. — falei, contra o seu ouvido, depois me afastei e olhei fundo nos seus olhos escuros — Isso não está dando certo.
— Como assim? — perguntou, com os olhos enchendo — Eu não te entendo, Samir!
— Eu sei que não entende, e acho que nunca entendeu. Talvez eu seja complexo demais, sei lá. Mas isso é culpa minha. Acho melhor terminarmos.
— Que? — levantou, e eu a imitei — Não pode fazer isso comigo! — falou, com as lágrimas caindo — Não assim, do nada!
— Não é você, sou eu. — disse, segurando as suas mãos, com ela paralisada.
— Tem outra, não tem? — perguntou, nervosa.
— Eu nunca te trairia! Nunca! É melhor assim, aí você vai achar alguém que não tenha nada a esconder.
— O que você está escondendo de mim, Samir?
— Adeus, Érica.

  Saí da casa rápido, e não sei como ela ficou depois. Parei o carro a uma certa distância, numa rua qualquer, deixando o choro sair, totalmente perdido. Porque não me protegeria?, sussurrei, para o volante. Fiquei péssimo por ter feito aquilo, porém ela não entenderia, e ainda precisaria manter segredo. Depois disso, não pensei em reatar, apesar dela passar dias me ligando. Foi difícil para mim, mas não vi mais sentido naquilo. Não podia me arriscar tanto por alguém que não faria o mesmo.
  Se eu tivesse perguntado antes, nos pouparia de tantos meses juntos. Ela não me protegeria, não, ninguém faria isso, murmurei, fechando os olhos, sentindo as lágrimas descerem, ao sair dessa lembrança. Respirei fundo, secando o rosto com as costas das mãos, para me acalmar. Não mereço proteção, pensei, tentando assumir uma expressão neutra, vestindo o paletó e saí, seguindo até o saguão principal, fugindo dessa memória.
  A casa estava belamente decorada, e os empregados levavam as últimas bandejas com doces e arranjos de flores para os seus lugares. Não via ninguém da família desde cedo, incluindo Sâmia. Finalmente, parei em frente a escadaria principal e vi uma jovem ajeitar as luvas brancas nos longos braços negros, depois correr as mãos pelo vestido claro, enquanto Miguel corria a mão pelo cabelo escuro.

Hasan    Where stories live. Discover now