𝟐𝟓. 𝑪𝒂𝒗𝒂𝒍𝒈𝒂𝒅𝒂.

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                                  Samir

 

  Entramos por uma nova porta, descendo alguns degraus, seguindo por um túnel interminável, sem uma lâmpada sequer, que nos fez sair por um portão de grades, dentro do estábulo. Sâmia apagou a lamparina, a deixou em algum canto e fomos tranquilos, cavalgando, até sairmos do lado de fora e o sol nos encontrar, seguindo em direção a praia de Itacoatiara.

— Então, você sempre usa aquele corredor para chegar na cozinha?
— Quase sempre. Porque?
— Nada, não, é que você passa na minha porta com frequência.
— Espera, o seu quarto é o último?
— É sim, não sabia? — perguntei, e ela apenas fez que não, com a cabeça — Como não sabia?
— Não sabendo. — disse, dando de ombros.
— Então, aquilo que você falou sobre usar a chave mestra não era verdade? — perguntei, e ela me olhou e soslaio.
— Existe uma chave mestra. Mas como não sou uma pervertida, não vou usá-la para entrar no seu quarto. Pelo menos, não sem você querer.
Uai, e por acaso, eu iria querer isso? — soltei, irônico, ao chegarmos na praia, e Sâmia me encarou, soltando uma risada esquisita.
— Me diga, você. Quer que eu entre escondida no seu quarto? — perguntou, me olhando fixo.
— Claro que não, Sâmia. — falei, sentindo o rosto esquentar, e ela me encarou, caindo numa gargalhada esquisita, que mais parecia uma crise de asma, expondo as lindas covinhas no rosto, fazendo alguns banhistas olharem na nossa direção — Posso saber qual a graça? — perguntei, incomodado.

Cavalgamos devagar na arrebentação. A maresia moveu os cabelos dela, que seguia ao meu lado, e o cheiro de seu perfume veio até mim, outra vez.

— Eu acho que está mentindo. — continuou, me encarando, com um raio de sol tocando o seu rosto, clareando os seus olhos castanhos.
— Porque?
— Você ficou vermelho. Já é a segunda vez que isso acontece.
— Estamos andando no sol, claro que vou ficar vermelho. — expliquei, tentando disfarçar o máximo que conseguia mas, por alguma razão, isso era quase impossível ao lado dela.
— E porque eu não estou, então?
— Sua pele é menos sensível, sei lá. — falei, dando de ombros.
— É, deve ser. — concordou, me olhando de soslaio. — Você tem uma cicatriz quase invisível na testa ou é impressão minha?
— Tenho, sim. — falei, passando a mão sobre o lado esquerdo da testa — Às vezes, a época de escola pode ser complicada e precisamos tomar certas medidas extremas. Um dia, te conto, com calma.
— Sei bem como é, Samir, fazer o que é necessário. O meu pai parecia estranho ou era impressão minha?
— Ele estava assim, no café. Achei aquele tal de Daniel muito esquisito. Fora que estava com muita risadinha para o seu lado.
— Ah, Deus me livre! Esse homem é estranho demais!
— Mas dava para ver a baba escorrendo da boca dele. Espero que ele não apareça mais aqui.
— Impossível, é um dos sócios do meu pai. Volte e meia, o vejo, mas não vou com a cara dele.
— Bem, sócio ou não, não precisa ficar vindo aqui. E nem falando contigo, o que é totalmente desnecessário. — falei, sério, e Sâmia me encarou com os olhos estreitos.
— Qual o problema dele falar comigo? — perguntou, com um ar debochado.
— Não confio nele, só isso. E pelo que estou vendo, vou ter que sumir com esse tal de Daniel. — disse, irritado.
— Olha, qualquer um pensaria que você está com ciúmes.
— O que? — perguntei, com uma sensação esquisita — De onde tirou isso?
— Daniel não fez nada. Porque iria sumir com ele?
— Ele estava muito derretido com você.
— Só me cumprimentou, Samir.
— Por caso, está interessada nele? — disparei, incomodado.
— Pombas, nunca que eu teria interesse nele! Tem quase idade para ser meu pai! Ele tem 30 e poucos anos, podre de rico sem nenhum herdeiro. Homens nessa condição só enxergam um útero fértil, em alguém com 19 anos.
— Que bom que você sabe!
— E por favor, Samir, se for arrumar uma nova namorada, procure alguém que não se pareça em nada com a Érica. Ache alguém que te entenda e não seja ridícula.
— Pode deixar. E procure um namorado que não seja igual ao Eduardo. Não quero ter que quebrar a perna de mais ninguém. — avisei, acariciando a crina do cavalo.
— Prometo. — garantiu, com um sorriso fino, que me fez sorrir também — E se quiser vir aqui na praia, quando tiver um tempo, pode vir, não me importo. Não quis ser chata com você, no outro dia. Pode usar a nossa academia e nadar na nossa piscina também, mas acho que só vai dar quando todo mundo estiver dormindo. É o melhor horário para nadar em paz.
— Por isso, você estava lá tão cedo?
— Isso mesmo. Olha, vamos fazer o seguinte: escolhe um horário para nadar que eu escolho o outro, para evitar mais um incidente.
— É melhor. — concordei.
— Vamos sair logo do sol, porque você está ficando vermelho, de novo. — disse, prendendo o riso, e senti o rosto esquentar de novo — E só para constar: eu li o seu currículo, logo depois que foi embora. É bem qualificado.
— Que bom que você achou. Mas e se eu não tivesse experiência suficiente?
— Ainda sim, seria você, já que o outro teve um mau súbito.
— O que é muito fácil, depois de ser envenenado. — falei, e olhei-a de soslaio, que riu baixo, e notei uma cicatriz próxima à orelha direita — Como ganhou essa marca? — perguntei, e ela correu a mão no local.
— Tudo o que fazemos deixa marcas, não é? Você também tem cicatrizes nos nós dos dedos. — apontou para a minha mão esquerda, e eu automaticamente olhei para ela.
— Eu pratico boxe. Mas você está certa, tudo deixa marcas. — concordei.

  Lembrei do momento em ganhei aquelas cicatrizes, aonde as notei depois de passar um tempo lavando o sangue de um infeliz qualquer das mãos, graças ao penúltimo trabalho que tive.

— Tudo mesmo. — concluí, e Sâmia me olhou, compreensiva. Pelo menos, com ela, eu não precisava fingir, e nem sentia vontade de fazer isso.
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Hasan    Där berättelser lever. Upptäck nu