𝟒𝟓. 𝑷𝒍𝒂𝒏𝒐𝒔 𝒏𝒐 𝒕𝒓𝒂𝒗𝒆𝒔𝒔𝒆𝒊𝒓𝒐, 𝒑𝒂𝒓𝒕𝒆 𝟏.

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                                Sâmia

  Cheguei na casa da Leonora, acompanhada dela e da Beatriz, na quinta, ao anoitecer, horas depois de ficar trancada no quarto, sentada, encostada na porta, chorando sem parar, enquanto desenhava no meu diário as asas que vi nas costas do meu amado, querendo que elas me levassem até ele. Sentia-me desolada; Samir pediu para não escolhê-lo. Como abriria mão dele?
  Ouvi, pouco antes de sair, meu pai e a Madi conversando, de forma mais calma, sobre o pedido do Daniel. Espero que ela aceite, apesar de tudo, o Daniel é rico e vai dar uma boa vida para a Sâmia, minha madrasta disse. É claro que eu sabia disso, mas ele só queria me usar como troféu.
  Não posso ter tudo, refleti, ao entrar na casa da minha prima. Meu guarda-costas não aceitaria ficar como meu amante a vida toda, e eu também não pediria isso. Não seria justo com ele me ter só pela metade. Preciso ajudar os meus irmãos menores, murmurei para o nada, sozinha, no quarto. Não tenho escolha, preciso aceitar a proposta.
  O fato dele tentar me afastar da única pessoa que realmente me amava me cortava por dentro. Desgraçado, pensei, irritada. Preciso contornar esse problema, preciso! Mesmo que me casasse com ele, nunca poderia me divorciar. O homem não abriria mão do seu prêmio. Ouvi então o eco da voz da Beatriz, conversando animada com minha prima, no corredor.
  A verdade é que, se Miguel morrer, vou ser a única herdeira da fortuna e das dívidas, afirmou, caindo na gargalhada com a outra, e senti uma luz se acender na minha mente. Única herdeira, sussurrei, com o rosto encostado na porta, sentindo a vontade de chorar indo embora. Logo, ambas se foram, e lembrei que meu irmão falou que Daniel não tinha nenhum herdeiro.
  Ele era o solteiro mais cobiçado do Rio. Teve várias namoradas, e nunca chegou a ficar noivo de nenhuma delas. Não aceitar esse pedido era burrice, e eu não fui ensinada a ser burra. Vou aceitar, pelos meus irmãos, decidi, com as lágrimas caindo. Sim, o que houve entre mim e Samir foi especial, e jamais voltaria a acontecer.
  Ele vai se demitir, é melhor e menos doloroso. Tentei achar um pensamento otimista, com o destino de riqueza e conforto que eu teria, assim como os filhos que nasceriam de mim. Filhos, essa palavra me arrepiou. Talvez, o Daniel não seja tão mal. Forcei uma expressão menos deprimida e saí do quarto, para o jantar.

— Eu achei a festa linda! — minha tia Esmeralda falou, à mesa, para minha futura cunhada, já que resolveu nos visitar, infelizmente — Tinha muitos rapazes bonitos lá, Leonora. Com certeza, chamou a atenção deles. — observou, e a minha prima apenas riu, ao picar a carne no prato.
— Obrigada, dona Esmeralda! — Bia agradeceu — Mas a Sâmia também merece o crédito, afinal ajudou a organizar tudo. — afirmou, e a minha tia concordou com a cabeça, ao colocar um pedaço de batata corada na boca.
— Está sem fome, sobrinha? — perguntou, ao notar que eu apenas remexia a comida.

  Não dava para comer nada, depois do que houve. Perdi o apetite ao olhar o molho vermelho no prato e lembrar do sangue da Érica jorrando. Ainda por cima, meu estômago doía, com o olhar triste do Samir na minha cabeça. Eu te amo, mas não deve me escolher, falou, com aqueles olhos tão lindos cheios de dor.

— Porque está tão quieta? Aconteceu algo? — indagou, ao ver que eu não respondi — Brigou com o seu pai?
— Não foi nada, tia. — respondi, irritada.
— Ah, esses jovens de hoje, sempre com suas mudanças de humor. — soltou, irônica.
— É verdade, tia. — concordei, encarando-a, fixo, e velha ridícula desfez o sorriso — A juventude é a melhor desculpa para muita coisa. Se a pessoa está mau humorada, é culpa da juventude. Se é cheia de ódio, é culpa da juventude. — expliquei, e ela franziu a testa, confusa — Se faz o que for para ter quem ama ao lado, é culpa da juventude.
— Ah, você não fala coisa com coisa!
— Se vai até às últimas consequências, sem pensar duas vezes, é culpa da juventude. Então, vou usar a juventude como desculpa, sair dessa conversa chata e parar de te dar atenção. — afirmei, e ela arregalou os olhos, ofendida — Com licença.

Hasan    Where stories live. Discover now