𝟔𝟏. 𝑨 𝒈𝒆̂𝒎𝒆𝒂.

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Zaina

Eu nunca fui uma pessoa agressiva, mas a vontade que eu tenho de quebrar a fuça do meu irmão, nesse exato momento, é enorme. Uai, enorme por dimais! Ele nem devia ter vindo hoje, nesse casamento, aí conseguiria disfarçar a cara estranha, que notei assim que me sentei ao seu lado, na igreja. É só cansaço, afirmou, porém não acreditei, assim como naquele dia em que vi a troca de olhares dele com a Sâmia, no portão da casa dela, onde alegou que não sentia nada.
E também depois, quando fugiu de casa, atordoado, jurando que não estava sofrendo por causa do amor que sentia. Passei as horas seguintes preocupada com o jacu. Era impossível não me importar. Nossa mãe perguntou o motivo de eu estar amuada e se sabia o paradeiro dele. Apenas menti, dizendo que estava bem e que quando o vi, já tinha saído.
Foi péssimo a tia Jamile ter trazido a Layla. A sorte é que a moça era muito bondosa. O que estranhei mesmo foi a atitude do Samir, de resolver se aproximar dela, tão repentinamente, principalmente depois de voltar para casa com uma tranquilidade que não era fruto de horas refletindo na praia, sozinho.
Com quem será que estava?, me perguntei, mais tarde, naquele dia, ao separar as roupas para lavar na máquina. Meu irmão nunca foi bom em esconder sentimentos amorosos, e saciei parte da minha curiosidade ao cheirar a sua camisa, sentindo o vestígio de um perfume picante.
O pior foi a cópia em carbono do recibo que achei no bolso da calça, de uma joalheria, com o desenho de um colar e instruções específicas sobre o design. A data é de hoje, pensei, e o colar estaria pronto em um dia. Para quem era aquele presente tão caro?
Achei até que poderia ser a parte em ouro do dote que é pago, na nossa cultura. Mas o dote é dado para uma noiva, e Samir não tinha noiva nenhuma. Guardei o papel no bolso, de volta, e o chamei, para conferir a roupa, coisa que nunca fazia, fingindo não saber de nada.
Não tive coragem de perguntar; talvez fosse um presente para a Layla. Na praia, eles estavam entrosados, e para variar, a Sâmia também se encontrava lá, por coincidência.
Cutuquei o meu irmão, sobre onde ele passou o dia, mas apenas se esquivou. Fiquei abismada com eles dois sozinhos na casa dos nossos pais, supostamente procurando pela Layla.
E eles nem conseguiam parar de se encarar, quando almoçaram conosco. É muito descaramento, pensei, principalmente porque a namorada dele estava sentada bem ao lado, rindo, feliz, acreditando que o meu irmão a amava.
Cada vez que Sâmia mexia no cabelo, Samir lançava-lhe um olhar breve, porém intenso. Porque ele estava com a Layla?, perguntei-me. Reparei no belo colar que ela usava, com um delicado pingente em forma de cavalo, feito do mesmo jeito que vi no recibo. Não pode ser, refleti, na hora, porém disfarcei.
Como ninguém está vendo isso?, indaguei-me, depois que ele perguntou se ela nunca tinha comido nada árabe. Eu entendi muito bem o que quis dizer, e a Sâmia também, a julgar pelo fogo que vi nos olhos dela, ao responder. Na frente dos nossos pais, maninho? Respirei fundo; o que há com você, Samir?
Minhas suspeitas se confirmaram no meu casamento, quando a jovem me abraçou e reconheci o perfume, principalmente porque a prima dela questionou mais uma vez o seu sumiço, por acaso, no mesmo dia em que o meu irmão desapareceu. Será que meu irmão estava traindo a Layla? Meu Deus, ele nunca foi disso!
Essa Sâmia mexeu com a sua cabeça, pensei, ao voltar o foco para a minha tia, depois que nos sentamos à mesa decorada com um vaso com flores vermelhas, falando animadamente sobre a festa de casamento e como tudo estava delicioso. Daniel passou por nós, perguntando se estávamos bem servidos, e que a esposa tinha ido tirar o vestido.
Ela conseguiu subir sozinha essa escadaria toda, afirmou, com um fio de admiração. Olhei para o meu irmão, sentado ao meu lado, e percebi muita raiva em seus olhos, além da sua respiração longa e pesada. O noivo se afastou, e senti a Leonora me abraçando por trás.

- Ah, que bom ver vocês de novo! Que susto que a Sâmia deu!
- Pois é, deve ter ficado bem nervosa! - falei.
- Estava, nem conseguiu comer nada, de manhã. A doida ainda queria ir pelo corredor secundário até o quarto, tirar o vestido. Mas seria impossível, a saia iria agarrar na porta. Deve estar apanhando para desabotoar tudo sozinha. Sempre recusa ajuda. - soltou, e notei que Samir disse para Layla que iria ao banheiro, se levantando e saindo rápido, me preocupando.
- Corredor secundário? - perguntei.
- Sim, Zaina, essa casa foi construída com um sistema desses corredores, ligando todos os acessos da casa, com exceção dos lavabos do térreo e da piscina, que só foram feitos 20 anos atrás. É da época do império, e o dono original mandava os escravos circularem por ali. Eu odiava andar lá, só a Sâmia que faz isso. E são bem silenciosos. - explicou, com a voz animada de sempre - Se ver uma porta suspeita, é do corredor secundário.
- Entendi. Poderia me mostrar aonde fica o toalete?
- Claro, é só me acompanhar.

Hasan    Where stories live. Discover now