𝟕𝟔. 𝑹𝒆𝒕𝒐𝒓𝒏𝒐.

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Quinta-feira, 6 de junho de 1957

                                Layla

 
— EM NOME DE DEUS! O que faz aqui, Layla? — dona Jamile exclamou, ao receber-me assustada, com um abraço apertado, perto das 10 horas da manhã.
— Eu não consegui ficar em Minas e deixar o Samir sair impune. Vou fazê-lo pagar por tudo o que me fez! — garanti, ao entrar na casa e sentar no sofá, segurando firme a minha pequena mala.
— Minha querida, me ouça: deixe como está e siga a sua vida. — aconselhou, segurando nas minhas mãos.
— NÃO POSSO! Ele me fez de boba e merece ser punido! Com quantas moças  mais fez isso? Já parou para pensar?
— Layla, não acho que você deve focar nisso.
— Porque o protege?
— Não estou fazendo isso, mas imagine o caos que vai gerar! Pense na sua reputação! Ele vai contar para todos que se deitou com o Kaysar e nunca mais teria um pretendente!
— Ah, meu Deus! — reclamei, correndo as mãos pelo cabelo — Eu preciso falar com ele, por favor! Prometo não fazer escândalo.  — jurei, agarrando as suas mãos.
— Minha irmã falou que Samir contou que esse tal ricaço vai dar uma festa de aniversário para a esposa, no domingo. Trouxe convites para eles, para a irmã, o marido dela e para mim.
— Onde posso conseguir um convite? Tenho que vê-lo!
— Não sei como, querida, infelizmente. Bem, eu li jornal que teria uma partida de Polo aonde ele trabalhava. Tem que pagar para entrar e posso te ajudar com isso. Mas pelo Deus vivente, não faça besteira.
— Não farei nada, te juro.
— Vou pegar o dinheiro, então. Acho que tenho um vestido aqui que te serve e um chapéu, para passar despercebida. Começa daqui a pouco.
 

   Não demorou muito e eu já estava lá, andando entre os ricos bem vestidos e suas taças de champanhe nas mãos. As mulheres riam despreocupadas com os trajes da moda e os homens conversavam sobre a compra de ações do mercado. Não prestaram atenção em mim, até porque o meu vestido claro com bordados de flores era discreto, e parecia com a estampa usada pela maioria.
  Caminhei abaixando o rosto, principalmente ao passar próximo aos familiares da Sâmia. Não conseguia achar o Samir em lugar nenhum, até o instante que o notei indo até o estábulo, seguindo a sua amante.
  Cheguei lá, segundos depois, entrando sem ser vista, e os ouvi conversando perto da baia 3, tranquilos, com ela segurando algum tipo de equipamento que colocaria no cavalo.
  Falavam em árabe, e os outros funcionários que levavam os cavalos para fora pareciam não entender nada, apenas eu. O Daniel é um idiota, e ainda por cima me fez ir no funeral daquele sujeito, Sâmia se queixou, fazendo Samir rir.
  Foi fácil acabar com o Felipe, e acho melhor encerrarmos essa história no seu aniversário, o que acha?, ele sugeriu, e a outra concordou com a cabeça. Eu te amo e ninguém vai nos separar, meu ex namorado continuou, olhando-a fundo, cheio de paixão.
   Pensei no momento em que voltei para a casa dos meus pais. Ambos receberam-me surpresos, e mostraram revolta, quando mencionei que o Samir me deixou por ser homossexual. O humilharia, do mesmo jeito que ele fez comigo.
   Nunca mencionei a existência da Sâmia e nem o faria. Eles tentaram me consolar, do jeito que conseguiram, porém eu não podia continuar de braços cruzados enquanto o salafrário sairia ileso.
  Refiz a minha mala no mesmo dia e coloquei nela o revólver que meu pai tinha, presente do meu avô, bem escondido entre as roupas, e fugi quando saíram, deixando apenas um bilhete, alegando ter esquecido algo no Rio.
  Antes de deixar a casa de dona Jamile, enfiei a arma na bolsa que ela me emprestou e fui até aquele haras, determinada a limpar minha honra.
   Samir nunca olhou para mim, como olhava para a Sâmia, tentando despi-la só como a mente. Enfiei a mão na bolsa, segurando firme o cabo, ainda observando os dois.
  Queria meter uma bala na cabeça daquela prostituta, mas nunca atirei em ninguém, então provavelmente erraria. Ferir seria suficiente, pensei, porém eles se foram rapidamente, saindo pelo outro lado do estábulo, e continuei plantada ali, como uma tola. Desisti de atirar e fui embora, dando de cara com o marido da outra.

— Espere, você não era a namorada do Samir? O que faz aqui?
— O senhor cometeu um grande erro ao manter o Samir na sua casa. Sabe porque ele me deixou? — indaguei, vendo o seu semblante mudar.
— E por qual motivo seria?
— Esse homem quer a sua esposa. — afirmei, e vi a raiva no seu olhar — Ele me enganou e crê que pode fazer o mesmo com o senhor! Precisa detê-lo!
— O que sugere, senhorita? — perguntou, colocando as mãos nos bolsos, com um sorriso breve, aparentemente se divertindo com a minha atitude.
— Mate-o. — respondi, firme, e me encarou sério, respirando fundo.
— Senhorita, agradeço pela ajuda, porém eu resolverei os meus próprios problemas, isso se houver algum. Não deixarei ninguém tomar o que é meu. Foi um prazer conversarmos, com licença. — despediu-se deixando-me sozinha.

   Tentei secar as lágrimas que caíram e voltei para perto do pessoal, sentindo-me humilhada, mantendo-me escondida entre eles. Percebi como a Sâmia era habilidosa na montaria e Samir não tirava os olhos dela, assim como Daniel.
  Ela reduziu o galope ao se aproximar de onde o guarda-costas estava parado, lançando-lhe um olhar breve, porém intenso, fazendo-o disfarçar um sorriso e o colocar os óculos no rosto.
   Nunca o terei de volta, refleti, e a raiva começou a pesar no meu peito, obrigando-me a partir envergonhada e frustrada. A minha única esperança era entrar nesse aniversário, e sei que minha querida Jamile saberia como ajudar.

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