𝟔𝟕. 𝑻𝒆́𝒓𝒎𝒊𝒏𝒐.

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                                Layla

 
  Saí do consultório do médico, arrasada, secando as lágrimas, dando graças a Deus pela minha calça ser preta, escondendo a mancha de sangue. Acordei com enjoos e cólicas, sentindo uma onda de esperança, acreditando que poderia estar grávida do Samir, até porque as minhas regras estavam atrasadas desde o nosso momento no casamento do irmão da Sâmia. Corri até o doutor, certa de que ele me declararia oficialmente uma gestante, mas só o que consegui foi um diagnóstico de intoxicação.
  Ele me questionou sobre tudo o que eu havia comido e bebido recentemente. Só o que lhe chamou atenção foi o alto consumo do chá de hibisco. Pare de tomar, talvez seja por isso que está passando mal, disse.
  Eu precisava tomar bastante, para aumentar as minhas chances de engravidar, mas então aconteceu o inesperado. Senti algo quente entre as pernas e notei uma mancha pequena vermelha na cadeira branca do consultório. Desesperei-me, e o médico tentou me ajudar como pôde, com toda a delicadeza possível.
   Corri até o banheiro e coloquei um Modess, que por sorte estava sobrando na minha bolsa, retornando para ele finalizar o exame, alertando que o chá em excesso poderia me deixar infértil ou até mesmo causar um aborto.
  Aquilo não era possível! Meu habib não me daria algo tão perigoso, refleti, ao caminhar rápido na rua, a caminho da casa da dona Jamile. Sentia-me fracassada por não carregar um filho, e agora teria de esperar dias até poder tentar de novo. Abri a porta da casa, desesperada pelo abraço consolador da minha amiga e dei cara com Samir, na sala.

— Layla, precisamos conversar. Porque está desse jeito? Minha tia disse que você estava passando mal.
— Onde ela está? — perguntei, secando o rosto com as mãos.
— No quarto. Depois virá falar com você. Ela quer nos dar um pouco de privacidade. Está melhor?
— Estou. — respondi, e ele me parecia um pouco estranho, por conta do seu olhar me analisando — O médico disse que...

  Observei-o fundo; eu não podia perdê-lo. Queria mais do que tudo um família com ele. O fato de dizer que não pensava em ter filhos me incomodou, mas tenho certeza que era apenas um medo momentâneo.
  Ele me amava, então tudo se resolveria naturalmente. Respirei fundo, certa de que meu habib não notaria a diferença no tempo de gestação, e prossegui com a mentira.

— Estou grávida. — falei, e ele não esboçou nenhuma reação.
— Jura? Sabe o que é estranho? — começou, se aproximando de mim, devagar — Você sempre falou do quanto queria filhos, e agora que está grávida, parece triste.
— Não estou triste!
— Não é o que parece. Bem, só há duas hipóteses: ou você não está grávida, ou o filho não é meu.
— Eu nunca me deitei com outro homem, além de você, Samir! — menti de novo, em tom indignado — Você foi o meu primeiro!
— Olha, Layla, é uma moça incrível, mas não acho que vai dar certo. — começou, vindo até mim, fazendo o meu estômago revirar — Não sou a pessoa certa para você. Acho melhor terminarmos.
— O QUE? — berrei, gelada — Você não pode me deixar! Samir, porque está fazendo isso? Qual o problema?
— O problema sou eu, é isso. — afirmou, segurando nas minhas mãos — Não vai dar certo. Quero coisas diferentes.
— É pelo fato de eu querer filhos? Pelo amor de Deus, me dê um motivo justo! Te decepcionei na cama, não foi?
— Eu não sou a pessoa certa para você! Não vou me casar contigo, nem ter filhos e nem me mudar para o Marrocos! Quer tudo isso e eu não! Não vou viver uma vida que eu não quero! Precisa seguir em frente.
— Vai me largar grávida? — indaguei, soltando as suas mãos.
— Layla, eu sei que não está grávida. Não precisa mais ficar mentindo. Olha, não estou bravo pelo que disse, e até te entendo. Quer ficar comigo a todo custo, mas não funcionou. Admiro o seu esforço.
— NÃO PODE TERMINAR COMIGO!
— Posso, sim! Vai achar logo um homem que a mereça. Você vai ser a esposa perfeita para quem quer perfeição. Não há nada que te impeça. — garantiu, puxando um lenço do bolso e me dando para secar lágrimas que fugiram — É perfeitamente capaz de fazer o seu futuro marido feliz, porém eu não vou ter fazer uma esposa feliz. Está fora da minha capacidade.
— Por favor... — tentei implorar, com a voz falha.
— Adeus, Layla. — finalizou, caminhando até a porta.
— Eu não vou sair desse relacionamento de mãos vazias, Samir. — comecei, e ambos viramos um para o outro, nos encarando, sérios — Sua tia falou a seu respeito e vim de longe só para te conhecer. Eu gastei muito tempo e esforço tentando te conquistar para simplesmente ser dispensada dessa forma! — soltei, determinada, caminhando até ele — Se não se casar comigo, conto para todos que estou grávida de você e que pretende me deixar!
— Eu não vou me casar com você, Layla. — disse, calmamente.
— Porque está me rejeitando tão facilmente? É por causa de outra mulher?
— Não, é porque simplesmente eu não sinto nada por você.
— Mentira! Eu sei sobre a Sâmia. — confessei, e vi um brilho de raiva no seu olhar.
— Do que está falando?
— Ouvi você e a Zaina brigando por causa dela. Como pode me trair assim? Rasgou o vestido dela! Deitou-se com a esposa de outro! Isso foi nojento!
— Chega, Layla!
— Ela nunca vai te amar como eu amo! É só uma moça tola gananciosa!
— Sim, eu estava com ela! E quer saber a verdade? Já acabou! — contou, gesticulando, nervoso — Acha mesmo que ela ficaria comigo? Já viu o tamanho da pedra que está no dedo dela? Nunca poderia dar algo assim! Sabe o que houve? A Sâmia ia pedir o divórcio, mas mudou de ideia, porque aquela esmeralda era bem confortável de se usar. — falou, incomodado.
— Mentira!
— Ela ligou para mim ontem e disse isso. Só fui um passatempo, pelo visto. Quer outra prova de que não temos nada? Vou pedir demissão. — falou, o que me deixou sem palavras — Não tenho motivos para continuar lá.
— Você me usou como fachada! Eu pensava que a sua recusa em me ter era porque não gostava de mulheres, mas era por causa da outra! O que vou dizer para os meus pais?
— Sinceramente, eu não dou a mínima!
— Sabe o que acho? Que esse comportamento irracional é fruto desse trauma que tem por causa do que houve em Minas! Meu Deus, você deixou a Érica, e só o Criador sabe quantas mais sem nenhum motivo, e agora está abandonando-me por causa de uma prostituta qualquer! O que aconteceu lá te quebrou pra dentro! — afirmei, enraivecida, e encarou-me de um jeito sombrio.
— Está certa, Layla, me quebrou sim. — admitiu, calmo, com um brilho triste nos olhos — E não será você que vai consertar. A verdade é que não tem conserto, e talvez eu não queira ser consertado.
— Você precisa de ajuda, Samir.
— Talvez, mas não é o que eu quero. Preciso de alguém que me entenda e não tente me transformar em algo que não sou. Infelizmente, não vou conseguir isso com você, Layla. Acabou.
— Seu mau caráter! Você acha que vai me usar e simplesmente me jogar fora? — questionei, depois de me aproximar e empurrá-lo, nervosa — BANDIDO! CAFAJESTE! — berrei, dando-lhe tapas — Nunca essa idiota vai te amar!
— CALA A BOCA, LAYLA! — mandou, segurando-me pelos braços com força, olhando-me fundo.
— Ela te fez promessas, não foi? — perguntei, outra vez, sentindo que o tinha atingido, por conta da força ao me pegar.
— Não existe mais nada entre mim e ela e nem entre nós!
— Vai casar comigo ou conto a verdade para todos! — ameacei, soltando-me dele.
— Layla, aceite isso ou eu vou até Minas e conto que você ficou com o Kaysar antes de mim, e ainda teve a ajuda da tia Jamile para esconder e tentar me enganar!
— Como sabe do Kaysar? — questionei, gelada.
— Não sou tão bobo quanto pareço. Faça isso ou eu arranjo alguém que pode confirmar a história.
— E quem faria isso?
— Alguém de confiança. Sabe porque está passando mal? Intoxicação por excesso de chá de hibisco. — confessou, comigo paralisada — Com certeza, você tomou tanto que agora o seu corpo está rejeitando. Achou mesmo que ajudava a engravidar? Porque eu te daria algo para esse fim? Por isso, sei que não está grávida e nem que era virgem, quando ficamos.
— Como pôde fazer isso comigo? — questionei, me afastando.
— Fiz o necessário. Eu estava desconfiado que você iria fazer algo imprudente. Me agradeça, se achar que deve, um dia. Pode dizer pra todos que terminamos porque eu não queria o mesmo que você. — disse, dando de ombros — Não faz diferença, mas vai ter que dizer algo, ou então eu falo com os seus pais e os seus preciosos dote e reputação imaculada vão para o brejo! — garantiu, e comecei a chorar — Sei exatamente como os seus pais são conservadores e te escorraçariam. Converse com a tia Jamile, para saber o que fazer, já que as duas são grandes amigas.
— Vou dizer a todos que você é homossexual! — ameacei, e ele olhou-me, descrente — Acha que não tenho coragem de dizer isso a seu respeito? Pois eu digo!
— Duvido que você vai dizer qualquer coisa!
— Quem te contou aquilo sobre as estrelas caindo? Foi a Sâmia, por acaso? Vocês sempre estavam juntos! Agora, ela vai fazer isso com outro, seu idiota!
— Não tenho mais nada a ver com ela. Não dou a mínima para isso. Não há mais nada para conversarmos, então adeus, Layla.

Tentei impedi-lo de sair, agarrando a sua roupa, desesperada, porém isso não o impediu de fechar a porta sem olhar para trás. Não, aquilo não podia estar acontecendo! Não iria perder tudo!
   Andei, desnorteada, cega pelas lágrimas até o quarto de dona Jamile, e a encontrei retocando o Kajal. Atirei-me no seu abraço, totalmente confusa, sem chão e destroçada.

— Deixa sair, deixa. Você vai ficar bem. — garantiu, acariciando o meu cabelo, enquanto eu engasgava com o choro.
— A senhora já sabia?
— Pude ouvi-los daqui. Eu não entendo, como ele pode trocar por outra? É perfeita! — falou, me guiando até a cama.
— Eu fiz tudo e não deu em nada! Nem engravidar consegui! Ele me deu um chá para impedir qualquer concepção! Planejou isso desde o início! — contei, e ela me olhou, chocada — Como pode fazer algo tão cruel comigo? Ah, mas não vai ficar por isso mesmo! Vou agora contar para os pais dele o que fez!
— Layla, calma!
— EU NÃO VOU SER TRATADA ASSIM! Eles vão saber do casinho dele com essa prostituta brasileira! O MARIDO DELA VAI MATAR OS DOIS!
— Calma, querida! — pediu, segurando o meu rosto — Do jeito que o Samir é, está arriscado ele fazer o que prometeu! Não se arruíne por vingança!
— Está sugerindo que eu minta para proteger ele e a amante? — questionei, enojada — Como pode falar isso? Porque o defende?
— Não, Layla, vai mentir para se proteger! Pense na sua reputação! Olha, eu escutei o que ele pediu para dizer e é melhor repetir. Fale que vocês dois divergiram muito sobre os planos do futuro. Todos vão entender.
— Não, eu não quero deixá-lo!
— Não tem mais o que fazer!
— Como ele soube do Kaysar?
— Eu não faço ideia, meu bem! Não foi por mim!
— Será que não nos ouviu conversando? Dona Jamile, eu juro, não contei para ninguém, ninguém! Como ele sabia? Ele tinha um caso com aquela moça que ele vigia! Ela o dispensou, e ainda sim, o Samir preferiu me abandonar!
— Olha... — hesitou, pensativa, e estranhei o seu rosto tão tenso — não falemos mais disso. Diga que não concordavam e preferiram se separar. Foi melhor não ter engravidado. Finja que nada aconteceu, encerre esse assunto, minha querida e siga a sua vida.
— Não vou deixá-lo se safar!
— É melhor pensar em você, agora, querida.
— Vou voltar para Minas. Não fico mais um dia aqui! Como vou encarar a dona Soraya e o seu Omar?
— Não pense nisso, certo? Não foi sua culpa! Concordo que deve voltar para casa. Vai te ajudar a clarear os pensamentos. — garantiu, ajeitando uma mecha de cabelo atrás da minha orelha.
— Queria me despedir deles, antes. Me acolheram como se fosse uma filha. A senhora pode ir comigo?
— Se quiser, vamos agora mesmo.
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— E a nova casa? É adequada? — dona Soraya me perguntou, animada, me servindo uma xícara de café, 20 minutos após chegarmos.
— É sim, senhora. — respondi, sem ânimo — Na verdade, eu só vim me despedir. Vou embora o quanto antes.
— Sim, é bom que você fique com a minha irmã, até os seus pais chegarem. É uma pena que teve esse imprevisto que vai atrasar a mudança em 2 meses.
— Dona Soraya, eu vou voltar para Minas. — anunciei, assim que o seu Omar se sentou conosco, e ela me olhou, incrédula — Vou tentar achar um ônibus que parta ainda hoje.
— Mas porque vai assim, tão repentinamente? E o Samir? Já falou com ele? — ela questionou, e notei que o homem abaixou os olhos, chateado — Layla, o que houve?
— Ele rompeu comigo. — confessei, deixando as lágrimas escaparem.
— Pelo Deus vivente! — ela soltou, depois de se apressar e me abraçar por trás — Mas porque ele fez isso? — perguntou, sentando ao meu lado — Vocês dois estavam tão bem!
— Ele disse que não queria as mesmas coisas que eu e nem vai querer. Também falou que eu seria a esposa perfeita e faria o meu futuro marido muito feliz, mas ele não seria capaz de me fazer igualmente feliz.
— Mas que coisa estranha, o Samir nunca demonstrou essa insegurança! Ele deve estar com medo do compromisso. Falar em filhos deve tê-lo assustado. Fique calma que, pela noite, eu vou conversar com o Samir e tudo vai...
— Soraya, deixe como está. — seu Omar se manifestou, com a voz grave e tranquila.
— Meu bem, essa situação está completamente confusa! Nosso filho está tomando uma decisão precipitada por medo do compromisso! Preciso ajudá-lo a pôr as ideias no lugar!
— Ele disse que não mudará de ideia, senhora.
— Mas você é tão boa, sabe cuidar de uma casa e tudo mais! Será que o Samir está apaixonado por outra? Omar, temos que falar com ele!

Jamais admitiria que fui derrotada. Preferiria morrer! Com toda a certeza, diriam que não fui interessante o bastante para o Samir, que preferiu a brasileira do que a mim. Mas não, eu não podia deixá-lo impune.
  Garantiria que sua reputação ficasse manchada, de um jeito ou de outro. Ele não era o filho perfeito, e faria com que todas as pessoas da sua casa o olhassem com o mesmo nojo que eu.

— Dona Soraya, eu desconfio que o motivo é aquele que já foi mencionado pela dona Jamile e as primas, na outra visita.
— Qual, que o meu filho é... NÃO! Isso não é possível! Omar, você está muito calado! Sabe de alguma outra moça na vida do Samir?
— Não, Soraya, até porque se eu soubesse, jamais teria dado apoio e o obrigaria a contar imediatamente. Num momento mais calmo, conversaremos sobre o real motivo do rompimento. Se o confrontarmos agora, vai se fechar, como sempre fez, desde o incidente em Minas.
— Ele mencionou, mais de uma vez, um funcionário, nessa casa aonde ele trabalha, e creio que tenham algum relacionamento impróprio.
— ISSO NÃO É POSSÍVEL! MEU FILHO NUNCA... — exaltou-se, porém respirou fundo, assim que dona Jamile entrou no cômodo.
— Eu não tenho dúvidas, quanto a isso. Talvez a associação nesses trabalhos tenham sido o problema. Ele não gosta do meu gênero, tenho certeza. Ah, isso é tão... — perdi a palavras, secando as lágrimas.
— Agora, não temos mais dúvidas sobre isso, irmã. — dona Jamile acrescentou, sentando-se ao meu lado, acariciando o meu cabelo.
— Não há mais nada para mim aqui no Rio. Vou voltar para casa e deixar isso para trás.
— Ah, o que deu na cabeça dele para fazer isso? Vocês são perfeitos um para o outro! Não pode ir embora, Layla! — dona Soraya insistiu.
— Olha, eu preciso. — soltei, determinada, me pondo de pé, ao ver a minha bagagem perto da porta — Só tenho a agradecer muito por tudo o que fizeram por mim, nesses dias. Foram verdadeiros pais e me acolheram de um jeito que não sei como retribuir. Obrigada. — agradeci, abraçando a senhora, mais uma vez, depois o marido dela.
— Teríamos amado que fosse a nossa nora. Não me conformo com essa atitude dele!
— Soraya, vamos respeitar a decisão dele. — o marido dela reforçou — Mais tarde, quando ele chegar do trabalho, o chamamos para uma conversa. Espero que faça uma boa viagem, Layla. Teria sido uma honra tê-la na família.
— Obrigada. Adeus, então.

  Colocamos tudo no carro, dando um último abraço. Senti que tinha rompido com a família inteira, que era maravilhosa, em comparação ao filho, um verdadeiro monstro.
  Partimos, dirigindo por um bom tempo, por termos perdido a barca, chegando finalmente na rodoviária, no Rio, e por sorte tinha um ônibus partindo para Belo Horizonte, em meia hora.
   Só tinha mais uma vaga, que parecia estar me esperando. Dei mais um abraço na dona Jamile, a pessoa que mais me ajudou, nesses dias todos, e subi no veículo.
   Encostei a testa na janela, sentindo uma lágrima descer, triste por perder um lindo futuro num lugar tão bonito. Respirei fundo e sequei o rosto, fechando os olhos, tentando fingir que nada aconteceu.
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Hasan    Where stories live. Discover now