𝟏𝟗. 𝑷𝒂𝒔𝒔𝒆𝒊𝒐.

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                              Samir

  Aproveitei que Sâmia tinha ido deitar e dei uma escapada até a praia, com uma roupa mais leve. Só 30 minutos, decidi, e pouco tempo depois já estava descalço na areia. Será que fui longe demais?, me perguntei. Ele nem morreu, só quebrou a perna. Ela não merecia ser tratada daquele jeito. Merece alguém que a valorize. O vento mudou de direção, e logo a maresia me impregnou. Porque essa garota não fica com medo? Não é possível!
  Tirei os óculos e esfreguei os olhos. Como não sente medo mim? Caminhei até a arrebentação, sentindo a água gelada nos pés. Ela tem que sentir medo, principalmente sendo tão jovem.
  Sâmia não tem nem 20 anos e fez coisas tão ruins quanto eu, com quase 30. Se sentia algum pavor, perto de mim, disfarçava muito bem. Lembrei da reação dela ao saber que causei a queda do Eduardo. Não era medo, apenas choque.
  Resolvi voltar para o carro, e logo retornei à casa. Olhei na cozinha e não havia ninguém lá, apenas pães cobertos descansando sobre a bancada, então fui deitar um pouco. Passado algum tempo, me arrumei e fui lá de novo, seguindo as risadas.
  Dona Madi e Matilde conversavam e comiam belos pãezinhos com uma geleia vermelha. Ao me sentar, reparei que Sâmia, em pé, de costas, mexendo na bancada à frente, usava um short curto, deixando as belas pernas bem torneadas de fora, o que nem parecia, ao usar outros tipos de roupas que a deixavam mais magra.
  Era uma peça bem jovial, e para piorar, na cor vermelha, combinando perfeitamente com os tênis Oxford brancos. Porque esse trabalho está tão complicado?
  Desviei o foco, com a boca seca, e logo ela me serviu um café, me olhando fundo, o que não me ajudou muito. Provei um pãozinho e a acidez da geleia com a doçura da massa eram maravilhosas, preenchendo a minha boca com suavidade.
   Excitante, na verdade, pensei, correndo os olhos na minha protegida, desde o cabelo na altura dos ombros, da cor do chocolate, até as charmosas covinhas na parte de trás dos joelhos, mas logo os desviei. Depois, ela avisou que iria caminhar, e precisei seguí-la.

— Para onde vamos? — perguntei-lhe, a uma certa distância da propriedade, ao andar na minha frente, com o vento balançando o seu cabelo, me induzindo a olhar para o seu bumbum bem arredondado graças à peça de roupa.
— Dar uma ida até a praça. Se estiver cansado, posso mudar a rota.
— Não tem problema, estou bem.
— Que bom. E pode andar do meu lado, não faz mal. Com você atrás, me sinto perseguida.
— Tudo bem, então. — falei, rindo.
— Com quem você foi à praia? — me interrogou, de súbito, com uma nota de irritação na voz.
— Como sabe que saí?
— Você entrou na cozinha, com cheiro de mar, fora que está meio bronzeado.
— Nem deu para queimar, foi só meia hora que fiquei lá.
— Nossa pele é branca e bronzeia fácil.
— Uai, a minha nem é tão branca, assim. — rebati, e ela me encarou, brava.
— É, pode ser. Olha, não ligo que tenha saído para relaxar, mas não aceito que faça isso pra agradar alguma namoradinha qualquer. Deixa para o sábado! Se quis sair com a Érica, aquela má educada, não ligo, mas isso não vai se repetir. — falou, num tom enérgico, me encarando.
— É impressão minha ou está me dando uma bronca? — perguntei, segurando o riso.
— Está achando engraçado? — indagou, visivelmente aborrecida — Você simplesmente saiu sabe Deus com quem e ainda finge que não fez nada errado! Qual é o seu problema? — questionou, alterada — Já está atrás de outra para vigiar?
— Calma, Sâmia, eu fui na praia sozinho. Nem em sonho quero a Érica de novo! Ela não me entende e com certeza não me aceitaria, sabendo das coisas que eu fiz, então perdeu o sentido ficarmos juntos. Fique tranquila, não estou com ninguém. — garanti, e o seu rosto suavizou.
— Supimpa! — soltou, depois de respirar fundo e se acalmar — Sei que disse que não precisava, mas quero agradecer pelo que fez, mais cedo. — falou, meio constrangida — Nunca fizeram algo assim por mim.
— De nada. Olha, eu preciso te perguntar. Não ia não, mas... Por acaso você não sente medo de mim? Nem um pouquinho?
— Porque sentiria? — perguntou, dando de ombros.
— Sâmia, me responde, por favor. — pedi, interrompendo o seu passo, encarando-a — Tem certeza que não sente nada? É que você sabe que eu sou um… Qualquer um teria pavor.
— Eu sei, mas não sou qualquer uma, Samir. Como eu disse antes, confio em você, me sinto segura, ao seu lado. E você? Não sente medo de mim? Dorme na casa de alguém que fez o coração de uma pessoa parar com um chá.
— Não sinto medo de você.
— Pois, então, qual é a questão? Está pensando em me matar, por acaso? Porque o local é perfeito para isso. Só não atire no meu rosto, por favor. — pediu, apontando para a minha Browning no meu coldre — Senão o meu caixão vai ser fechado.
— Eu nunca te faria mal! E você? Por acaso, pensa em me matar?
— Não, nunca pensei, até porque gosto de você. Fica tranquilo, não vou te matar e nem tentar. Olha, não consigo sentir medo porque nós dois fizemos as mesmas coisas. — explicou, se aproximando de mim, me olhando fundo, o que me deixou um pouco quente — Talvez não com a mesma motivação, mas com o mesmo resultado. E claro, por meios diferentes. As pessoas nunca acreditariam que somos capazes de tanta coisa. Nos julgam por causa da idade ou até mesmo da nacionalidade. Não fica com raiva quando duvidam do seu potencial pra fazer o acha que deve?

Hasan    Where stories live. Discover now