𝟒𝟏. "𝑵𝒂̃𝒐 𝒅𝒆𝒗𝒆 𝒎𝒆 𝒆𝒔𝒄𝒐𝒍𝒉𝒆𝒓. "

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Quinta-feira, 2 de maio de 1957.
                       
                               Sâmia

Abri os olhos, no susto, pensando ter perdido a hora de acordar. Me levantei e caí sobre o tapete, graças ao lençol enrolado na minha perna, deixando o meu joelho dolorido. Pombas! Olhei para o relógio, e já eram 07h30.
  Praguejei, me levantando devagar, acariciando o meu pescoço dolorido, usando um pijama que não combinava, ainda por cima do lado avesso, estranhando o fato do meu pijama novo roxo estar no chão e a roupa da festa de ontem apoiada na cadeira com manchas amareladas e areia.
   Peguei-o e senti um cheiro de perfume masculino no tecido. Ah meu Deus, murmurei, nervosa, esfregando o rosto, com a peça contra o corpo, caminhando até o banheiro, para tomar banho, porque notei que aquele mesmo cheiro também estava na minha pele.
   Até os meus joelhos estavam arranhados e doloridos, por causa da minha queda na mata e dos minutos ajoelhada no estábulo. Também encontrei os meus sapatos cheios de lama, totalmente imundos, num canto.
   O que foi que eu fiz?, questionei-me, depois de achar a minha calcinha jogada com uma pequena mancha de sangue no fundo no fundo. Ah, não, aconteceu mesmo! Me arrumei, com uma camisa clara de mangas longas, por causa da baixa temperatura, e vesti uma calça justa escura, sentindo as nádegas também doloridas, lembrando o quanto fui imprudente.
  Corri até o cofre e peguei a faca que Samir me deu. Tirei-a da bainha, e estava perfeita, como sempre. Guardei-a e encontrei a minha meia calça rasgada, caída no pé da cama, que descartei, em seguida.
  Uma inquietação estranha corria por baixo da pele, sem eu entender o motivo, porém resolvi descer, usando as pantufas, para não fazer barulho, e tomar café, já que não comi direito, na noite passada. Cheguei no térreo, me escondendo atrás das quinas, temendo encontrar o Samir. Por fim, entrei na cozinha, um pouco atordoada, e Matilde veio logo me abraçar.

— Graças a Deus, minha querida, está bem? — perguntou, acariciando o meu rosto, emotiva.
— Estou sim, porque?
— Bem, você sumiu ontem! Ficamos aflitos! Sorte que ele foi atrás de você e te trouxe! — disse, aliviada, desviando o olhar para o Samir, que passou por mim e a cumprimentou com um aceno de cabeça.

  Meus membros gelaram instantaneamente, assim que seus olhos encontraram os meus, por alguns segundos, e senti o meu rosto esquentar, pensando na hora em que me colocou contra a parede da baia, louco de desejo. Quer ver o quanto sou selvagem?, sussurrou no meu ouvido, com a voz grave, o que arrepiou cada parte minha.

— Sâmia, está tudo bem? Estou te achando meio estranha. — questionou, acariciando os meus braços, trazendo-me à realidade — Parece pálida.
— Ontem foi uma noite difícil e não consegui comer nada ainda.
— Ah, querida, vá lá comer logo! Tem um bolo fresquinho para você! — informou, com doçura, guiando-me até a mesa posta, onde finalmente sentei.

  Encarei Samir, que mordia uma fatia de pão e retribuiu o olhar, silencioso. Estava sem o paletó e a gravata, com a gola aberta, e eu amei vê-lo tão casual. Olhei sua boca e meditei na mordida suave que deu na minha coxa, excitando-me ainda mais, e precisei me segurar para não gemer alto naquele quarto. Peguei um pouquinho de café, ainda aérea, sem acreditar no que fizemos.
  Os flashes do que aconteceu ainda me vinham, começado na mata, com a Érica caída morta, nós dois fugindo dali e terminando dentro da baia. Meu Deus, como pude perder a compostura dessa forma?, refleti, segurando a xícara quente, sem conseguir tomar um gole. Não pensamos em nada além de nos devorar no chão, nus, como dois animais. E se nos pegassem?, pensei, bebendo o líquido escuro, antes que esfriasse.
  Lembrei de quando Leonora me contou da sua primeira vez com um namorado que tinha, no ano passado. Aproveitou que os pais tinham viajado e fugiu para a casa dele, subornando a governanta com três colares de ouro, acobertando a sua ausência.
   Disse que o quarto dele estava aconchegante, com pétalas de rosas sobre a cama, um vinho de ótima safra em duas taças e muitas frutas cobertas com chocolate. Perguntei se tinha doído, e ela afirmou que não, toda empolgada, dizendo que o rapaz tinha sido delicado, e que acordou sentindo-se leve e maravilhosa. É claro que o momento com o meu amado guarda-costas passou longe na delicadeza.
   Sim, doeu; parecia que fui rasgada no meio e acordei me sentindo esquisita, assada, com um formigamento no corpo. Ainda sentia o couro cabeludo ardido, graças ao instante em que puxou o meu cabelo com força, e achei que o arrebentaria.
  Recordei no quão bom e estranho foi estar com ele, ainda com o cheiro da chuva na sua pele e a dor do ato. Eu me entregaria de novo, naquelas condições, outras mil vezes, se pudesse. O amava e simplesmente não ligava!
  Subi para o meu quarto, assim que voltamos para casa, com a mente agitada e tremores correndo por cada ponto do meu corpo. Tirei as roupas e tomei um banho morno, ainda perdida. Fiquei andando de um lado para o outro, vestida só com o roupão cinza, sem sono, correndo as mãos pela pele, com o toque voraz dele na lembrança, e a cabeça bagunçada.
  Preciso de mais, preciso de mais, murmurei para o vazio, com o corpo ainda queimando. Nem sei quanto tempo fiquei daquele jeito, até que decidi pegar no cofre um pequeno estojo branco redondo, que cabia na minha mão e abri, encontrando um diafragma, um presente comprado no exterior e dado por uma moça que comprou mudas de Abundância comigo. Ela explicou como usar e disse para manter escondido de todos.
Evitará inconvenientes e saberá quando colocar, contou, e não sei como pude me esquecer daquilo. Pois bem, pus no corpo e tratei de vestir o pijama de renda roxa bem curtinho que comprei, dias antes, me enfiar num roupão bonito e descer escondida até o escritório do papai, vazio naquela hora, e roubar a chave mestra.
  A festa já tinha acabado fazia tempo, e quando finalmente saí no corredor do quarto de Samir, a cozinha estava escura. Destranquei a porta com cautela, e entrei, assustando-o. Tentou me mandar embora, mas o desejo falou mais alto, e logo nossas roupas estavam no chão, outra vez.
   Eu sei que ainda me queria, e temi que alguém tivesse nos ouvido, no instante em que chegou ao máximo de prazer, apertando-me com tanta força que me deixou dolorida. Acordei às 04h33min, com ele mudando de posição na cama.
   O abajur estava aceso, o que me ajudou a achar as minhas roupas. Vi, caído sobre o lençol, o colar que ele usava com duas pequenas placas de aço, numa delas com o seu nome gravado, e peguei para mim. Abri uma gaveta da cômoda e encontrei um caderno com uma caneta presa na capa, com um isqueiro ao lado, aonde escrevi um recado bem curto, colocando sobre o travesseiro ao lado.
  Lancei um último olhar no seu semblante sereno, adormecido tão profundamente. Observei o dorso longo e reto do nariz e os lábios bem desenhados; acariciei o seu cabelo negro bagunçado, dando um beijo leve na sua testa. Parti em silêncio, na penumbra, e caí na minha cama, aonde dormi igual a uma pedra.
  Leonora apareceu na cozinha, arrancando-me dessa memória e sentou ao lado do Samir, ignorando o cumprimento dele, olhando-me séria, o que não entendi, servindo-se depressa, vez por outra fitando-nos.
   Talvez o motivo tenha sido o meu sumiço; provavelmente se cansou ajudando na busca. Então o amado resolveu comer uma fatia do tal bolo e senti uma pontada de inveja do garfo, que deslizou devagar entre os seus lábios, e pensei neles, famintos, numa dança perfeita com os meus.
  De repente, minha prima se levantou, aparentemente aborrecida, saindo rápido da cozinha. Matilde passou por nós, reclamando do sumiço do pote de geleia de amora que estava na mesa, ontem de tarde. Provavelmente, era o que Samir levou para o quarto e acabamos comendo juntos.
  Esfreguei os olhos, ainda cansada de ontem e Samir persistia em me olhar fundo. O calor subiu pelo um pescoço ainda dolorido e ele esboçou um sorriso breve, empurrando o bolo para mim. Soltei um riso baixo, em resposta, pegando uma fatia, comendo tudo bem rápido.

Hasan    Where stories live. Discover now