𝟒𝟎. "𝑴𝒂𝒊𝒔 𝒅𝒆 𝒗𝒐𝒄𝒆̂".

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                                  Samir  

  Pegamos o túnel e saímos no porão. Conseguimos caminhar com os dedos entrelaçados, por uns instantes, e mesmo com as roupas encharcadas, não sentíamos frio. Sâmia me encarou com os olhos castanhos queimando, e o ato que nos consumiu, minutos antes, veio na lembrança, aquecendo-me.
    Antes de subirmos as escadas, beijei-a mais uma vez, e ela partiu, pegando os degraus que a levariam até o corredor do seu quarto. Eu peguei o outro caminho, que me fez chegar no corredor secundário, saindo na porta que Sâmia sempre usava para chegar na cozinha. Antes de entrar lá, tomei fôlego, sem coragem para encarar o meu chefe.
  Tirei o paletó, colocando no encosto da cadeira, e peguei um copo de água, feliz por ninguém estar lá. Me sentei, bebendo em goles grandes, admirando as inúmeras taças e pratos com bordas douradas empilhados sobre a mesa, com a cabeça girando. O que eu fiz, meu Deus, o que eu fiz?, refleti, correndo os dedos pelos meus lábios, ainda sentindo o beijo dela. Notei que não havia mais música, assim como a chuva.
   Ainda tinha o cheiro da minha amada na mente e na pele, o que me fez sorrir, por alguns segundos. Logo, um empregado entrou, carregando uma bandeja cheia de taças vazias, mas assim que me viu, colocou tudo sobre a mesa e saiu correndo. Quis me esconder, porém, infelizmente, segundos depois, dona Madi e o doutor Alfredo apareceram.

— Ah, graças a Deus! — a mulher soltou, com as mãos unidas e os olhos inchados — Onde ela está? Está bem?
— Ela está bem e foi para o quarto. Pediu para não incomodá-la. — menti, encarando o copo entre as minhas mãos.
— Mas para onde ela foi? Sumiu por quase duas horas! São onze da noite!
— Saiu andando, senhora, pelo jardim, mas se escondeu no estábulo. Foi um custo para convencê-la a voltar. Agora está em segurança.
— Já encontraram-a? — Miguel perguntou, igualmente preocupado, após entrar na cozinha, acompanhado da Leonora, que me olhou irritada e não entendi o motivo.
— Sim, ela se escondeu no estábulo, mas o Samir a trouxe de volta. E ela mencionou o que aconteceu? — meu chefe perguntou.
— Só por alto. — disse, forçando indiferença, porque lembrar daquilo doía muito.
— Imagino. — completou, com o semblante triste — Samir, muito obrigado por trazê-la logo.
— Eu só fiz o meu trabalho, não há de quê. — respondi, um pouco desconcertado, sem vontade de encará-lo.
— Você está bem? Está com uma cara estranha. Quer nos dizer alguma coisa? — insistiu, ainda em tom preocupado, e Leonora cruzou os braços, com a mesma expressão brava.
— É apenas o sono, senhor. — respondi, com a cabeça na filha dele nua comigo no chão.
— Porque não tira a manhã de folga, amanhã? Insisto que durma mais um pouco. E ponha logo algo seco, já que pegou chuva, pelo visto. Vou providenciar que te devolvam o seu smoking limpo.
— Deve estar cansado mesmo! Ficar atrás da minha irmã não deve ser fácil. — Miguel se manifestou, e eu apenas concordei, balançando a cabeça, bebendo mais água, pensando no fato de que não fiquei apenas atrás dela, no estábulo.

  O homem informou que a filha não poderia sair até depois do almoço, e despejou mais agradecimentos para mim, retirando-se, em seguida, com todos os outros. Não era para eu estar tão sem jeito, até porque não era a primeira vez com uma mulher. Não era uma mulher qualquer, esqueceu, jacu?, refleti. Tratei de sair logo dali, para refrescar as ideias e descansar.
  Antes, peguei um vidrinho de geleia de amora e um pote de torradas que vi ali por cima e levei para o quarto, cheio de fome. Tranquei a porta com a chave, indo logo para o banho. A água morna cobriu-me de paz e sorri, por alguns segundos, lembrando de como foi difícil vestir de volta a roupa molhada, no estábulo, com a pele suada. Sâmia tentou arrumá-la o quanto pode, tirando a terra do tecido, enquanto eu tentava pôr o cabelo no lugar. Ela me ama, murmurei, comovido.
  Recordei que a olhei nos olhos, assim que refiz o laço da sua frente única, sem acreditar no que tinha acabado de acontecer. Acho que ela estava igualmente surpresa. Não faço idéia de quanto tempo ficamos ali, entregues um ao outro.
  Temi que o chão áspero incomodasse a sua pele suave, mas me enganei. Vesti o pijama mais confortável que achei, e caí na cama, morto de cansaço. Eu a amo, sussurrei, convicto.
Ajeitei a cabeça no travesseiro, me sentindo estranho, comendo uma torrada; meu Deus, onde eu estava com a cabeça?, me questionei, lembrando do beijo dela e das suas mãos atrevidas, que arrancaram a minha roupa. Desliguei o abajur e fiquei olhando para o teto, com o tique taque do relógio na cabeceira quebrando o silêncio e a chuva, que voltou a cair lá fora.
   Uma luz fraca entrava pela janela e a temperatura caiu, arrepiando os meus braços. Já passava da meia-noite, e o sono não vinha. De repente, ouvi uns barulhos suspeitos na porta e me sentei, preocupado. Minha pistola estava na gaveta da cabeceira e peguei, rapidamente. Logo, ela se abriu e Sâmia entrou, me assustando, trancando-a, em seguida.

Hasan    Where stories live. Discover now