𝟕𝟐. 𝑷𝒓𝒐́𝒙𝒊𝒎𝒐 𝒑𝒂𝒔𝒔𝒐.

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                              Samir

Terça-feira, 4 de junho de 1957

  Fiz uma expressão tensa, ao entrar no escritório do Doutor Alfredo, segurando as duas cartas de demissão, sendo a segunda para o imbecil do Daniel, que resolveu chegar muito cedo aqui, para o meu desgosto. O pai da minha amada pediu que eu me sentasse, porém recusei, o que ele estranhou.

— Que semana, horrível, Samir! — reclamou, ao retirar os óculos de grau e apertar os cantos dos olhos — Uma pessoa morta na nossa propriedade! Deus do céu! Uma jovem com um futuro longo que agora... Enfim, agora ela poderá descansar dignamente. Minha filha está bem?

  Ela está ótima, pensei, ao lembrar dela na minha cama, enrolada no lençol claro, rindo baixo, assim que contei que o seu adorado marido iria dar-lhe uma festa surpresa, no final de semana, e pediu que eu guardasse segredo. Sâmia saiu do quarto pouco antes do amanhecer, e acordei ainda cansado, com o seu cheiro na minha pele.

— Foi tomar café na cozinha, com o marido, que resolveu voltar um dia antes. Está abalada ainda. Isso é para o senhor. — menti, entregando-lhe uma das cartas.
— Pela sua cara, não é coisa boa.
— Na verdade, é o meu pedido de demissão. — expliquei, e o homem pareceu chocado.
— Demissão? Mas porque?
— Acho que é o momento certo para isso.
— Espera, espera! Quando foi que decidiu isso?
— Ontem, de noite. — disse, ao pensar em mim escrevendo as cartas, usando as costas da Sâmia como apoio, com ela achando graça e sugerindo fazer um texto bem triste.
— É por causa do que houve? Olha, Samir, uma atrocidade aconteceu aqui bem na minha casa e temo pela segurança de todos, principalmente da minha filha. Eu sei que ela não mora mais aqui, porém temo que o assassino vá atrás dela.
— Entendo, senhor, mas na casa do marido dela tem outro guarda-costas que, com certeza, vai fazer a segurança dela muito bem. Vou sair por razões pessoais. Preciso respirar fora de Niterói. — falei, com um olhar triste.
— Como assim? Por favor, sente um pouco.
— Senhor, eu sou grato por ter me contratado e garanto que a minha saída não é culpa de ninguém da sua casa. — comecei, acomodando-me na poltrona — A verdade é que eu preciso de um tempo para refrescar as ideias. Vou sair do país, por um tempo.
— Mas e a sua namorada?
— Não tenho mais. — confessei, olhando para os meus dedos, fingindo tristeza.
— Ah, Samir, eu sinto muito! — soltou, comovido — Mas vocês pareciam tão bem!
— Pois é, e eu esperava finalmente formar a minha família, só que não deu certo, mais uma vez. Ver que todo mundo já achou a sua metade, incluindo a Sâmia, mexeu um pouco comigo. O Daniel a ama, e sei que fará de tudo pra ela ficar bem. Vou concluir a semana e depois disso não voltarei mais. — expliquei, levantando, indo até a porta.
— Samir! — chamou, alcançando-me — Não se precipite, por favor! Você está tomando uma decisão de cabeça quente, tem que fazer tudo com calma!
— Senhor, o meu relacionamento não andava bem fazia um tempo. Eu já estava pensando no que fazer, quando tudo finalmente ruísse. Preciso sair para achar o meu rumo na vida. Já está mais do que na hora.
— Por favor, fique! Eu não confio no Daniel. Sei que tem as suas necessidades, mas você é o único que pode manter a Sâmia a salvo.
— Desculpa, mas não posso continuar. Poderia informar os outros? Não quero ter que ficar me explicando.
— Para onde você vai?

  Na hora certa, vou dizer, respondi, exatamente como fiz com a Sâmia, ontem à noite, ao senti-la correr os dedos indicador e médio pelo dorso do meu nariz, um carinho familiar e só nosso.
  Eu sabia para onde ir, alegando estar extremamente abalado por acabar com o Daniel. Mas não poderia deixar minha amada saber ainda.
   Ela teria que negar com convicção sobre o meu paradeiro para quem quer que fosse. Me despedi do doutor Alfredo e fui até o imbecil do Daniel, que ainda comia na cozinha, acenando para ele, que logo me viu e veio ao meu encontro, no corredor.

— Meu Deus, Samir, mas porque? — questionou, ao pegar o envelope da minha mão e abrir — O Alfredo disse que não vai mais te pagar? Eu posso te manter, se isso deixar a Sâmia mais tranquila.
— São por razões pessoais, senhor. Vai entender, quando ler. Fique tranquilo, vou reforçar a segurança da festa, no domingo, e depois disso, vou embora. Já expliquei ao seu sogro que não saio porque me trataram mal ou qualquer coisa do tipo.
— Minha esposa fez algo contigo?

  Com certeza, ela fez e várias vezes, pensei, mas desviei disso, contendo a vontade de rir. Apenas respondi que não, encerrando o assunto. Daniel alegou compreender e pediu que o acompanhasse de volta para casa, solicitando que eu procurasse a sua esposa por ali, enquanto iria conversar com o pai dela.
  Assim que o imbecil se foi, Leonora saiu da cozinha, com um lençol branco embolado nas mãos, encarando-me com muita raiva, correndo até a escadaria principal.

— Leonora, o que houve? — perguntei, seguindo-a.
— Não se aproxime!
— Qual o problema? — questionei, ao subir atrás dela.
— O problema é que você não devia estar aqui ainda! Não tem noção da tragédia que vai causar!

  Rapidamente, chegamos no último degrau, para logo passarmos pela porta do quarto da Sâmia, ao som do chamado insistente da prima. Minha amada estava sozinha e se assustou com a entrada súbita, e mais ainda com o tapa bem forte que recebeu da outra, que a fez cambalear dois passos.

— Porque me bateu, Lea? Ficou louca? — indagou, com lágrimas nos olhos, ao esfregar o lado esquerdo do rosto, que estava avermelhado.
— Eu que te pergunto! Porque está fazendo isso? — questionou, aborrecida.
— Eu não estou fazendo nada!
— MENTIROSA! — bradou, dando-lhe outro tapa, e fui forçado a afastá-la.
— Fica longe dela! — ordenei.
— Não! Quem tem que ficar longe é você! — rebateu, me empurrando — É melhor ela receber esse tapa de mim do que do tio Alfredo. — continuou, abaixando a voz — Ou pior, Samir, do Daniel, quando ele descobrir que você está dormindo com a esposa dele! — falou, entre os dentes — Por quanto tempo vocês pensaram que isso iria continuar? — questionou, num tom mais brando, e imediatamente olhei para Sâmia, igualmente muda, como eu, pensando se aquele era o nosso fim.
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Hasan    Where stories live. Discover now