𝟓𝟕. 𝑪𝒂𝒔𝒂𝒎𝒆𝒏𝒕𝒐 𝒅𝒂 𝒁𝒂𝒊𝒏𝒂.

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                              Sâmia

Sábado, 11 de maio de 1957

 
  Recebi a visita surpresa do meu amado no meu quarto, pouco antes de sair para o casamento, o que tornou a minha manhã mais intensa e acabou me atrasando, já que ele achou melhor tirar o meu vestido, para não amarrotar. Tempos depois, estava pronta e parti com a Leonora.
  A cerimônia foi linda! O que estragou foi o fato de Samir, um dos padrinhos, elegante no seu terno cinza claro, entrar de braços dados com a Layla, no salão de festas, mas eu sorri, queimando de ódio e ciúmes.
  Ela estava se achando o máximo, rindo de orelha a orelha, com o vestido verde claro e o cabelo penteado para o lado. Os olhos estavam marcados com uma maquiagem negra, deixando claro as suas origens.
  Estava bonita e parecia um amorzinho. Senti vontade de vomitar ao pensar nessa palavra, porém respirei fundo. Zaina estava deslumbrante com um vestido com gola alta, rodeada com bordados típicos em tom dourado, muito requintado, que também estavam na borda das mangas longas. A saia era mais reta, o que facilitou o seu andar e a deixou mais esguia.
   A coroa reluzia no meio do cabelo negro, preso em cachos perfeitos. O seu noivo olhou-a admirado, principalmente ao levantar o véu e se deparar com os seus olhos claros lindamente pintados. Pensei no momento em que faria aquilo com o meu amado, e sorri, emocionada, quando o casal disse sim e saiu do altar.
  O irmão seguiu, logo atrás, e lançou um olhar breve na minha direção, mas disfarçou pegando na mão da namorada magricela. O casal resolveu fazer tudo num ambiente só, o que facilitou e muito a vida de todos.
  Os convidados já estavam acomodados nas mesas, então apenas retiraram o púlpito e colocaram a mesa dos noivos. Circulei com Leonora pelo espaço lindamente decorado, até chegarmos no casal, que recebia os cumprimentos num canto perto do fotógrafo.

— Meus parabéns, Zaina! — disse, abraçando-a — Parabéns, Amin. — desejei, apertando a sua mão e ele agradeceu com um sorriso.
— Muito obrigada, por ter vindo! Na verdade, eu achei esse colar que você está usando muito bonito! — elogiou, acariciando a minha tão amada joia — Quem o fez é um verdadeiro artesão!
— É verdade! Até eu fiquei surpresa com o acabamento. O ourives conseguiu reproduzir as manchas do meu cavalo com uma perfeição assustadora!
— E a joalheria que o fez fica aonde? — perguntou, o que me pegou de surpresa, e me fez lançar um olhar curto para Samir, parado à sua direita, que me encarou com um fio de preocupação — Eu queria fazer uma joia de qualidade.
— Você não fez na Strauss, aquela joalheria em Icaraí, Sâmia? — Samir falou, me salvando.
— Foi sim, é uma loja supimpa! Você vai amar o atendimento. — respondi, e ela me encarou de um jeito estranho.
— Ah, conheço essa joalheria! — falou, sorridente — Quando quiser comprar um presente para a sua namorada, vamos lá, maninho. — falou, virando na direção dele, aproveitando a ausência da Layla, e ele concordou com a cabeça, porém pareceu estranhar a expressão da irmã; virei para Leonora, que também nos olhava do mesmo modo.
— Ei, Sâmia, aonde você estava naquele dia? Esqueci de te perguntar.
— Que dia, Leonora? — perguntei de volta, ao beber um gole do suco na taça.
— Na véspera da nossa ida para a praia, nós acordamos na minha casa e você tinha sumido. Depois do noivado do Miguel, amanheceu o dia toda estranha. — mencionou, o que me incomodou — Você sumiu por horas! Morremos de preocupação! — reclamou.
— Eu só fui dar uma volta!
— Ficamos te esperando para almoçar! — continuou reclamando.
— Lea, não se apoquente. Comi uma massa e um café naquele restaurante que sempre íamos com a vovó. Conheço bem a região onde sua casa fica. Fique tranquila, prima. — falei, com um sorriso, e notei que Zaina estava séria, atenta, enquanto Samir tentava parecer tranquilo.
— Então, tudo bem, se você diz. — respondeu, debochando.
— Só queria dizer que achei o seu vestido incrível, Zaina. — falei, quebrando aquele clima esquisito, depois que o noivo saiu para cumprimentar um parente — Todo mundo não desgrudou os olhos de você!
— Ah, obrigada! É como a minha avó sempre disse: o coração fala através dos olhos, mas alguns corações gritam, não é, Samir? — perguntou, com um sorriso largo, que não foi imitado pelo irmão, aparentemente incomodado.
— Zaina, está tudo bem? — ele indagou, depois de pegar dois doces árabes delicados da bandeja de um garçom e dar um para a gêmea.  
— Está sim, Samir. Eu só fico admirada com quanto amor eu vejo transbordar nos seus olhos toda vez que a sua namorada está perto. — soltou, acariciando o seu rosto.
— Eu a amo, você sabe. — ele respondeu, olhando-a fundo, brincando com a sua mão, fazendo-a reduzir o sorriso.

  Não sei se era uma coisa de gêmeos, mas parecia que podiam ler a mente um do outro. Confesso que aquilo era bem esquisito, principalmente por causa dos segundos se encarando, porém, ela apenas concluiu com dois tapinhas leves no seu ombro, saindo, em seguida. Leonora também resolveu ir atrás de mais um pedaço de bolo, me deixando sozinha com ele.

— Porque a sua irmã está agindo desse jeito?
— Não tenho certeza.
— Acha que ela desconfia de nós?
— Não tem porque, já que todos acham que estou morrendo de amores pela Layla. Mas a Zaina é esperta, então todo cuidado é pouco. Porém, ela é confiável, jamais contaria nada para ninguém.
— Você não ama a sua namorada? — perguntei, irônica.
 — É claro que amo. — respondeu, dando um passo na minha direção, me olhando fundo — Mais do que tudo. E você ama o seu namorado?
— Amo demais, e ele não é o meu namorado, é o meu noivo, que inclusive me deu esse colar. — falei, correndo a mão pelo pingente, e ele sorriu, se afastando, em seguida.

  Peguei uma fatia de bolo e sentei na mesa de antes, observando os noivos dançando no centro, com outros casais, e Samir girava com Layla, cheio de leveza. Coitada, estava visivelmente apaixonada, sorrindo o tempo todo, acariciando a sua nuca.
  Queria ir embora o quanto antes para não ter que ver aquela cena, mas não podia. Respirei fundo, morrendo de ódio e dei mais uma garfada para aplacar a minha raiva.
  Logo vai acabar, pensei, segurando o pingente no meu pescoço, ao fazer companhia para a minha prima e a dona Jamile, que rendia elogios ao jovem casal. São feitos um para o outro e nenhuma moça é tão perfeita como ela, falou, me enjoando, porém apenas sorri. Samir não queria perfeição, mas sim alguém que o entendesse.
  Me levantei e caminhei até o banheiro, o mais rápido possível, sentindo as lágrimas brotando, agoniada com o fato do meu amado parecer tão à vontade com ela. É só pelas aparências, murmurei, tentando me recompor, dando voltas ao redor de mim.
   Conferi os olhos e voltei à festa, sustentando um sorriso animado e eles dois continuavam dançando; agora a namorada se movia com a cabeça apoiada no peito dele. Aquilo só reforçava a imagem de um casal apaixonado.
  Reforça até demais, refleti. Pobrezinha, a Layla não fazia ideia que segurava nas mãos de um assassino, um verdadeiro monstro, monstro esse que só eu era capaz de entender e amar incondicionalmente.

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Hasan    On viuen les histories. Descobreix ara