𝟑𝟏. 𝑶 𝒐́𝒃𝒗𝒊𝒐.

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                                    Samir

— Samir, o que você tem com essa menina? — Zaina me perguntou, baixo, depois de nos afastarmos do portão, e pararmos perto da porta do táxi.
— Como é que é? — perguntei, com uma careta. — Do que está falando, uai?
— Eu vi o modo como se olharam. — falou, e senti o corpo ficar gelado — Samir, o que está acontecendo?
— Não está acontecendo nada.
— Mentira, ! — falou, entre os dentes — Lembra do que a vovó Fátima dizia? O coração fala através dos olhos, e o seu está gritando, maninho. — afirmou, e suspirei, incomodado — Tem alguma coisa acontecendo! Fora que você nunca foi muito bom em esconder seu interesse em alguém.

  Óbvio que tinha, pelo menos comigo, e eu queria muito que acontecesse entre mim e Sâmia. Mas eu sabia que não era possível, já que ela era o meu trabalho. Prometi sempre protegê-la, independente do que acontecesse. Ficar perto sem me aproximar, até porque não seria nada profissional, e todos sabiam que eu trabalhava perfeitamente bem e tinha um histórico de bom comportamento. Porém, sei que ela sentia algo, o que ficou claro naquele beijo.
 
— Não tem, Zaina. — respondi, segundos depois — Eu sou o guarda-costas dela. Nunca que eu iria ultrapassar os limites. — falei, mentindo descaradamente.
— Será que ela pensa o mesmo? Porque praticamente me bateu mandando me afastar de você!
— O que? — soltei, surpreso.
— Essa menina mandou parar de ficar vindo aqui conversar fiado e manter distância de você, Samir. Nem perguntou quem eu era. Não acha que é uma atitude um tanto agressiva?

  Aquilo tinha fundamento. Eu já vi Sâmia ter uma atitude assim, com a Érica. Creio que se pudesse, cravaria o martelo de Polo na cabeça dela. Mas se ela não sentia nada, porque fez isso com a Zaina, que só me trouxe um bolo? Qualquer um que olhasse para minha irmã veria a clara semelhança entre nós.

Uai, está rindo do que, Samir? — reclamou, e eu nem notei que estava rindo.
— De nada, Zaina. Olha, a Sâmia pode ter se expressado mal. — justifiquei.
—  Não se expressou, coisa nenhuma! Eu estou nesse mundo faz 29 anos, assim como você. Isso foi um surto de ciúmes. Já aconteceu antes?
— Claro que não! — menti; se eu contasse sobre a Érica, Zaina iria dizer para ficar longe da Sâmia, o que justamente eu não queria — Não seja paranóica!
— Para de me enrolar, jacu! Você veio com uma conversa muito estranha ontem. Por acaso, está apaixonado por essa menina?
— Ela tem 19 anos.
— Ah, ela tem 19? Então vou perguntar de novo: está apaixonado por ela, que tem 19 anos e sabe que já é adulta, como você?
— É claro que não, Zaina! Até parece que eu iria fazer uma coisa dessas! Olha, nunca fiz e nem vou! — menti, terrivelmente fácil, com a voz na minha cabeça gritando "está apaixonado, sim!".
— Eu sinto que você está me enrolando! — falou, cruzando os braços — Porque a olhou daquele jeito?
— Só olhei, uai! Eu tenho que manter os meus olhos nela, é minha função!
— Tudo bem, Samir! Eu não vou mais insistir mais nesse assunto. Bem, o seu bolo está aí e já vou indo. — disse, me abraçando — Vê se não faz besteira. — falou, no nosso idioma natal, o árabe.
— Pode deixar, maninha. — respondi, do mesmo jeito.

  Depois que ela se foi, voltei na casa e peguei as minhas coisas. Não vi a Sâmia, e imaginei que estivesse se escondendo. Ela sente algo sim, por isso fugiu, pensei, já deixando a propriedade. Eu só saberia a verdade na segunda e, pela primeira vez, lamentei que precisava partir.
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Hasan    Where stories live. Discover now