𝟔𝟓. 𝑼𝒎𝒂 𝒅𝒆𝒔𝒄𝒖𝒍𝒑𝒂 𝒒𝒖𝒂𝒍𝒒𝒖𝒆𝒓.

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                                Samir

  Encostei na parede do lado de fora da copa, escondido, ouvindo os planos das mulheres para um casamento que não aconteceria. Graças a briga com a Zaina, não consegui dormir, então desci para comer algo, após as minhas primas chegarem. Minha irmã impôs-me apenas uma semana para resolver tudo.
  Para ser sincero, estava aliviado que teria de acabar com aquilo mais cedo do que o esperado. Ainda estava preocupado com a Sâmia e no fato do Daniel estar com ela. Preciso me livrar de você, seu cabrito velho.
   O toque do telefone me arrancou dos pensamentos, e ao atender, ouvi a voz feminina que eu tanto amava do outro lado. Estou bem, volto hoje para ver as estrelas caindo, disse rapidamente, e desligou.
   Fiquei congelado, olhando para o gancho, com o coração disparado, fechando os olhos, por alguns segundos, aliviado; ela está bem, pensei, sorrindo para o nada, como um biruta qualquer. Desliguei e fui comer algo com as visitas, me sentindo animado.
  Dei graças a Deus pela hora ter passado voando. Não conseguia deixar de lembrar do que a Sâmia falou no telefone, e o som do trovão só atiçou a memória de nós dois vendo a chuva cair na claraboia da piscina, o que me reconfortou.
  São as estrelas caindo, pensei alto e acabei tendo de explicar para a Layla o que aquilo significava. Obviamente, não disse exatamente tudo. De noite, fui a contragosto na festa junina da praça.
  Eu gostava bastante daquilo, mas fazer isso com a minha namorada era bem entediante, principalmente porque fiquei procurando pela minha amada.

— Essa moça é mesmo adorável, Samir. — meu pai afirmou, ao comer um pouco de canjica, enquanto aguardávamos a Layla voltar da barraca de cocadas.
— Ela é bacana. — respondi, sem muito ânimo, olhando ao redor.
— Fez uma boa escolha. Na verdade, achei o mesmo que a sua tia, que pensava que você iria ficar solteirão. — continuou, bem humorado — Você terá uma ótima esposa.

  Não queria mentir para o meu pai, na verdade, para nenhum dos meus familiares, porém aquilo ainda era necessário. Só que eu não aguentava mais fingir que não sentia nada.
  Finalmente, vi a Sâmia, conversando com a Layla, e a julgar pelo corte no seu lábio, entendi que o nosso plano estava avançando com sucesso. Se eu ficasse noivo, seria um desastre! Meu coração acelerou e segui-a com o olhar. Ela não me viu; infelizmente, não vi aonde foi para eu poder ir atrás e matar a saudade que pesava em mim.

— Samir, controle os seus olhos! — meu pai repreendeu-me, fazendo-me olhar para ele — Não é certo ficar olhando tanto para a esposa dos outros!
— O que? Do que está falando?
— Filho, você tem namorada! É falta de respeito flertar com outras sendo comprometido!
— Eu não flertei com ninguém! — me defendi, aborrecido.
— Aquela não era a jovem que casou, a Sâmia?
— Era sim. Qual o problema?
— Não é a primeira vez que olha para ela dessa forma.
— Pai, por favor! — pedi, chateado.
— Eu notei isso no dia em que ela e a prima comeram conosco e no casamento do irmão dela. O que sente por ela, Samir?
— Que importância tem, agora? Ela seguiu a vida dela! — lamentei, desviando o olhar dele, tentando afastar a vontade de chorar.
— Pelo amor de Deus, Samir! — reclamou, baixo, esfregando a testa.
— Só eu que não fui capaz de fazer o mesmo! Olha, pai, tentei levar a situação até onde consegui, ignorando o que eu sentia, mas não dá mais. Vou seguir em frente, só que não vai ser com a Layla. — decidi, e o homem me encarou, atônito.
— Vai terminar com ela também? Pelos céus, Samir, você não pode ficar se comprometendo e abandonando as pessoas quando bem entende! — disse, bravo, se aproximando de mim — Já tem idade suficiente para saber disso! Não é mais uma criança, e o namoro não é uma brincadeira que começa e acaba quando enjoa! A Layla seria a esposa ideal e uma nora maravilhosa, justamente o que você precisa.
— É só o que importa, não é, pai, o que eu preciso? — questionei, nervoso — E o que quero, não conta? Ela não me entende!
— Você usa esse argumento toda vez que termina um namoro sem um motivo sério! A verdade é que tem medo de se comprometer.
— Não posso ficar com a Layla, pai! Eu não a amo! — confessei.
— Mas você nem deu tempo para isso acontecer! Como está com ela sem sentir nada? Se conhecê-la melhor, provavelmente vai mudar de ideia!
— Não quero conhecê-la, não quero me aproximar, nem nada, só quero ficar longe! Já vi que o senhor não me entende e com certeza iria alegar que eu sou jovem e isso iria passar.
— Só acho que você está cometendo um grande erro. Está desse jeito porque cultivou sentimentos pela Sâmia, uma mulher casada! Vai se arruinar, arruinar a vida da Layla, e depois fará o que?

  Desviei o foco por alguns segundos, tentando conter o impulso de gritar o quanto eu amava a Sâmia. Foi então que bati os olhos na minha tia insuportável, a uma boa distância, tomando uma bebida alcoólica que a fez tossir muito, arrancando risadas de Amina, que acompanhava-a. Senti as ideias iluminarem na minha mente; essa foi a primeira vez que a sua língua grande se tornou a solução na minha vida, e não o problema.

— Vou me demitir. — continuei, e ele arregalou os olhos, surpreso — O senhor sempre falou que eu precisava de um emprego estável, e que estava desperdiçando o meu diploma. Bem, agora é a hora de tentar uma carreira nova.
— Está acabando com tudo por causa de quê, Samir?
— Sabe o que a tia Jamile dizia sobre mim?
— Ah, ela falava um monte de coisas, inclusive que você não gostava de... — interrompeu a fala, me encarando.
— Eu acredito que seja verdade. — menti, ciente que era uma péssima ideia.
— Mas... Espera, Samir, você acha que não...
— Pai, eu e a Sâmia somos amigos, e conversei bastante com ela sobre essa possibilidade. Não tenho certeza ainda, mas é bem provável que seja o motivo de eu não engatar com ninguém. — expliquei, com ele totalmente mudo — Olha, a Layla é encantadora mas estar com ela não me...
— Não, o que?
— Não me atiça, sabe? — respondi, com falso constrangimento — Pelo menos, nunca senti vontade de fazer nada com ela, nem com as outras, pai. Eu gosto muito da companhia da Layla, é divertida, inteligente, mas não sinto nenhum desejo por ela.
— Mas ela tem valores, é tão bonita e... Filho, você tem certeza disso?
— Eu vou descobrir, só que até lá, não posso mantê-la comigo. Não seria justo prendê-la. Ela merece alguém que realmente a queira. Pai, por favor, não conta para ninguém que esse é o motivo do término. — pedi, segurando nas suas mãos — Sei que você vai falar com a mamãe, mas só não conte essa parte. Deixe que eu digo, na hora certa. Diga que acha que é medo de me comprometer, ou sei lá o que. Preciso ter certeza antes.
— Samir, fale a verdade! Está terminando pela Sâmia?
— Não, pai, é porque talvez eu tenha outra preferência, te juro!
— Olha, se realmente for verdade, ficará numa situação terrível, e não vou poder fazer nada para amenizar!
— Não tem problema. Vou resolver tudo até a semana que vem, só não fale nada com mamãe até terça, à noite, por favor.
— Tudo bem, Samir, não falo. — começou, depois de um longo suspiro — Ainda acho que está se precipitando, porém a vida é sua e as consequências também. Mas pelo menos tenha a decência de dar uma boa explicação para a Layla, ao romper com ela, e não se queixe se explodir contigo. Vai acabar fazendo o que bem entende, como sempre, não é? — perguntou, e eu não tive resposta — Você é quem sabe, filho.

   Obrigado, pai, agradeci, em tom ameno, aliviado por ele ter acreditado, aparentemente, mas continuou sério. Logo, a minha futura ex namorada se aproximou, com uma cara estranha, e seguimos pela feira, gastando os nossos últimos momentos juntos. Mas, depois que voltamos para casa, lá por volta das nove, atendi uma ligação que fez a minha noite terminar melhor.

— Doutor Daniel, em que posso ajudar?
— Samir, eu me sinto péssimo por adiar a minha lua de mel! Houve um problema terrível com um contrato na filial de São Paulo e a Sâmia insistiu muito para que eu fosse resolver pessoalmente. — explicou, e eu segurei a vontade de rir — Gostaria de pedir desculpas por atrapalhar a sua folga prolongada.
— Não precisa se desculpar, senhor.
— Preciso sim, afinal, prometi que ficaria livre, durante a semana. Precisarei que retorne antes ao trabalho. Deixei a minha princesa em casa e viajei. — continuou, e o elogio me enjoou — Enfim, queria fazer uma festa surpresa para a minha esposa, para compensá-la. Ela cancelou a festa de aniversário para gastar mais no casamento, porém achei injusto a Sâmia não poder celebrar os seus 20 anos com o baile de máscaras que tanto queria.
— Eu soube por alto que seria assim.
— Perfeito! Por isso, farei o evento no próximo domingo, dia 9. Vai ser na casa dela. Eu estou em Santos, agora, mas voltarei na quarta, pela manhã, e contarei para ela. Pode guardar segredo, até lá, por favor?
— Sim, senhor, conte comigo.
— Fico feliz em saber! Por favor, certifique de a Sâmia seja bem cuidada. Quero que ela se sinta em casa.

   Sorri, ironicamente, com aquele pedido. Eu faria de tudo para deixar a minha amada em perfeita segurança. E estando perto dela, a faria se sentir em casa, do único jeito que sempre fiz. Eu era o único capaz daquilo. O cheiro do perfume dela veio na cabeça, e mordi o lábio, com a expectativa de correr as mãos pela sua pele quente.

— Eu cuidarei dela, senhor. Pode sempre contar comigo. — garanti, encarando o meu reflexo distorcido no telefone amarelo, que deixou os meus olhos arregalados e com um toque macabro, mas creio que realmente estava daquele jeito.
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