𝟏𝟑. 𝑬𝒍𝒂.

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                                Samir

  Onde eu estava com a cabeça?, pensei, ao arrancar o paletó do corpo e jogá-lo longe, no chão do quarto, depois de deixar Sâmia na porta do quarto dela, ainda em choque, processando o que aconteceu naqueles minutos na biblioteca. Soltei o laço da gravata, sentindo-me sufocado. Eu toquei nela, não podia ter feito isso!, me repreendi, esfregando o rosto, com o pulso acelerado, ainda sentindo o perfume e a textura suave da sua pele nas minhas mãos.
  Ela é uma assassina, não pode ser, não pode ser! É mentira dela! O primeiro desejo que me passou pela cabeça, ao acariciar o pescoço macio de Sâmia e encarar aqueles lábios tão vermelhos, foi arrancar o seu vestido e fazer amor com ela sobre o tapete. E precisei conter a vontade de beijá-la, quando questionou o que eu pretendia fazer. Seu louco, não pensa nisso, ela só tem 19 anos!
  Ainda bem que me empurrou, afastando-me, antes que eu passasse dos limites. Ela estava tão cheirosa, murmurei, fechando os olhos, por alguns segundos. Não, não, tire isso da cabeça, ela é muito jovem! Depois, procurei o doutor Alfredo e disse que ela pisou de mau jeito e resolveu ir deitar, para descansar. Burro, porque me expus dessa forma? Nunca passei por uma situação dessas; a antipatia excessiva das que eu vigiava matava qualquer pensamento impróprio.
  A Sâmia já sujou as mãos, não acredito, murmurei, caído sobre o colchão. É como eu, que matou só porque quis. Não conseguia imaginar alguém como ela, que parecia uma boneca, esquartejando alguém. Não, ela só envenenou, lembrei, e para isso, não precisa de muita força física. Isso não pode ser verdade, não pode!
  Levantei e entrei no banheiro, doido por um banho. Arranquei a roupa e entrei debaixo do chuveiro, fechando os olhos, deixando a água fria espantar o calor. Como pude me distrair? A gentileza e aquele sorriso tão fofinho acompanhado de um brilho no olhar me desarmaram.
   Espertinha, fez de propósito! Saí e me vesti, rindo sozinho, caindo na cama. Tenho que me concentrar, murmurei, olhando para o teto. Ela é um monstro, assim como eu. Obviamente, está mentindo. É biruta e mentirosa! Isso tudo porque era só o primeiro dia. Ainda tinha amanhã.
  Decidi voltar na cozinha, morto de fome, em busca de alguma sobra da festa. Optei por um ovo mexido, que fiz e coloquei num pão fresco. Comi em pé, andando de um lado para o outro, com o olhar dela na cabeça. Nem piscou ao explicar a morte da Melissa. Ela não pode ter feito isso, pensei.
  Caminhei de volta ao quarto, porém ouvi passos e retornei, silencioso. Sâmia entrou, usando um pijama largo verde escuro, sem nenhum atrativo e com o rosto limpo. O cabelo ainda preservava algumas ondas, que se moveram com leveza quando ela caminhou nervosa até o armário de ervas. Mudou todos os vidros de lugar e o trancou, respirando fundo. Não resisti e me aproximei, incomodando-a.

— Algum problema, Sâmia? — perguntei, mordendo o pão, e ela virou, olhando para a minha boca.
— Não. — respondeu, forçando indiferença.
— Arrumando o armário de ervas? — perguntei, notando que ela não usava sutiã.
— Sempre faço isso. Que cheiro é esse?
— Só um pão com ovo. Coloquei um pouco de manteiga que achei na geladeira. Quer uma mordida? — indaguei, e Sâmia levou o olhar fixo do meu pão até mim, porém resolveu se afastar.
— Nunca gostei de pão com ovo. — respondeu, seca, pegando um copo de água do filtro de barro — Com manteiga deve ser bem esquisito. — alfinetou, irritada.
— Não é não. — discordei, indo até ela — Prova um pouco.
— Não quero essa comida da classe média!
— Uai, a sinhá não pode comer o mesmo que o escravo da casse média? — rebati, irônico, me aproximando dela — Qual a questão? Está abaixo da sua dignidade?
— Qual o seu problema, Samir? — perguntou, num tom baixo — Não pode me deixar em paz?
— Eu não estou fazendo nada.
— Ah, não? Porque disse aquelas coisas? Se não quer trabalhar nessa casa, não trabalha, mas não fica de ladainha! É livre para se demitir!
— Mal comecei e já iria me demitir? E se eu não for, vai me prender no tronco e chicotear?
— Ah, você bem que merece, seu irritante! — retrucou, brava.
— Cuidado que eu posso gostar. — soltei, encostando na parede ao lado da entrada do corredor dos empregados, rindo e mordendo o pão, vendo que ela segurou o riso — E você é uma esnobe! Desdenhando de um pão com ovo, só porque é simples demais.
— Não cresci comendo esse tipo de coisa! — afirmou, cruzando os braços — Devia estar usando um prato! A Madi odeia farelos pelo cantos! — reclamou, e eu revirei os olhos, com aquela frescura — Fica aí com o seu pão com ovo, prefiro ir dormir! Já está tarde.
— Espera! — pedi, puxando-a pela mão, e estranhei que ela não me enxotou.
— Para que? Ficar te ouvindo contando mais histórias para tentar me assustar? — perguntou, chegando bem perto de mim, me olhando fundo, sem piscar — Já falei que não sou como essas mimadas que você vigiava. Era isso que fazia, dizia essas atrocidades para ficarem cheias de medo e te obedecerem? — indagou, e eu não achei uma resposta, porque fiquei olhando para os seus belos lábios — Advinha só: não deu certo comigo. — garantiu, falando devagar, deixando apena alguns centímetros entre nós, e consegui sentir o seu perfume apimentado — Então, desista.
— Você ia mesmo me envenenar? — perguntei, encarando-a.
— Havia uma possibilidade. Mas eu preciso de um guarda-costas, então... — explicou, dando de ombros — Não vou fazer nada, prometo.
— Nossa, obrigada pela consideração. — agradeci, irônico.
— Não há de quê. Agora, se me der licença, vou para a cama. — disse, calmamente — Boa noite, Samir.
— Você vê o rosto da Melissa, quando fecha os olhos, ao dormir?

   Seu olhar irritado fraquejou, e vi um brilho de dor neles. Ela tentou responder algo, mas desistiu, recompondo-se rapidamente, analisando-me. Alguns segundos se foram, conosco ainda olhando nos olhos um do outro. Senti que ali estava ficando quente, mas devia ser culpa das portas e janelas fechadas.
  A respiração da Sâmia estava alta, e não entendi a razão, até que ela despertou, pegou o lanche da minha mão e saiu comendo tranquilamente. Logo, sumiu na escuridão do restante da casa, e fui deitar, rindo da sua atitude. É biruta, sem dúvida, pensei. Amanhã, eu perguntaria se gostou do pão com ovo, sem falta. Ri, com a expectativa. Ela vai gostar, tenho certeza.
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Hasan    Where stories live. Discover now