𝟓𝟗. 𝑴𝒆𝒖 𝒏𝒐𝒊𝒗𝒐.

17 12 0
                                    

Sâmia

Domingo, 26 de maio de 1957.

O mês passou num piscar de olhos. Fui várias vezes ao ateliê, e o meu vestido estava perfeito. As mulheres da casa geralmente me acompanhavam, e se desfizeram em lágrimas, ao me ver com a roupa. Parece uma princesa, a Madi falou, ao secar os olhos. Todos achavam que estava apaixonada e deslumbrada com a vida de riqueza que eu teria e com o casamento luxuoso que se realizaria no dia 1º de junho.
Daniel era apenas um degrau que me ajudaria a chegar onde realmente queria. Eu e Samir tiraríamos tudo dele, o que era um castigo mais que merecido. Ele nos impedia de ficar juntos, e ninguém entrava no nosso caminho sem consequências. Graças aos inúmeros preparativos, tive que ir várias vezes ao centro do Rio, é claro, acompanhada de Samir, o que nos proporcionou algumas fugas para o seu apartamento.
Infelizmente, hoje eu teria que fazer um piquenique com Daniel, na nossa propriedade. Só seria lá por insistência do meu pai, querendo garantir a minha pureza, me mantendo sob as suas vistas.
Quis rir disso, porém apenas obedeci. O meu noivo viajou vários dias a trabalho e se desculpou por não me ajudar mais nos preparativos. Eu não senti a menor falta, porém o tranquilizei.
Tive muita ajuda, inclusive a de Layla. Apenas Leonora continuava esquisita; acho que ela levou um fora, por isso agia dessa forma. Não seria a primeira vez. Passei a véspera preparando um lanche delicioso, bancando a boa esposa, o que odiei, e arrumei tudo num cesto, esperando que ele chegasse, por volta das 9 horas.
A verdade é que deixei Samir provar antes cada uma das guloseimas. Tão saboroso quanto você, Sâmia, sussurrou no silêncio do meu quarto, na noite anterior, ao morder um sanduíche de pernil que fiz. Não daria ao Daniel o prazer de ser o primeiro em nada.
Resolvi nadar um pouco, em cima da hora. Coloquei um biquíni preto, bem bonito, e mergulhei, com a voz do meu amado na cabeça. Deixe o Daniel ver como você é interessante, falou, antes de ir dormir. Assim que emergi, dei de cara com ele, me encarando, admirado, como se eu fosse um bolo.
Tratei de sair, encharcada e ficar na ponta dos pés, para beijá-lo, o que o deixou vermelho. Me puxou de novo e beijou com vontade, o que não foi tão ruim. Mas não é como o do Samir, pensei, ao me afastar e sorrir com a sua camisa branca marcada com a água da minha pele.
Me vesti e sentamos no jardim, sobre uma toalha amarela, com os quitutes que fiz sobre o tecido. Ele pegou uma uva verde e colocou na minha boca, o que o fez me olhar com desejo, principalmente ao ver o anel reluzindo no meu dedo anelar.

- Esse sanduíche está delicioso, princesa. - elogiou, mordendo mais um pedaço - Pensei que iríamos para a praia.
- Eu também queria ir, mas meu pai achou melhor fazer aqui mesmo. Não nos quer sozinhos, antes de casar. Até entendo o lado dele. - falei, com falsa inocência.
- Realmente, está cuidando da sua reputação, mas eu não iria fazer nada com você.
- Daniel, você realmente gosta de mim? Tem tantas outras mulheres mais maduras por aí. Porque quer ficar comigo?
- Você sempre me tratou bem e me olhou com sinceridade. Tem uma ótima reputação e é muito dedicada à sua família. Tenho certeza de que faríamos um ótimo par, até porque eu tenho muito apreço aos valores familiares.
- Minha família é tudo para mim. Eu quero passar 50 anos casada, ver os meus filhos e netos crescerem... Sabe, ver até onde vai a minha descendência. - falei, contente, com a mente em Samir, e Daniel me encarou, comovido.
- Você vai ter isso, não se preocupe. - garantiu, segurando na minha mão.

Fiz questão de apertar a dele mais um pouco, deitando sobre a toalha, com ele me imitando, brincando com uma mecha do meu cabelo; vai acabar logo, refleti, ajeitando a cabeça no seu peito, sentindo o tecido macio contra a minha pele e ouvi o seu coração batendo forte, ao contrário do meu, que nunca bateria por ele. Vou te fazer o homem mais feliz do mundo, prometi, e Daniel sorriu, me beijando com doçura. Será que ele sabia que a felicidade podia matar?
Consegui convencê-lo a darmos uma volta de carro, e pedi que me ensinasse a dirigir. Ele achou graça da ideia e concordou, prontamente. Me sentei atrás do volante e o segurei, receosa. Daniel me ajudou a dar a partida, e o carro começou a andar devagar.
Rapidamente, peguei o ritmo e saímos da propriedade, numa boa velocidade. Sorri largamente, feliz com a minha pequena conquista, e olhei para o meu noivo, por alguns segundos, vendo que também sorria.
Parei o carro, de repente, e o beijei de surpresa. Claramente, se assustou, porém retribuiu com vontade, por alguns segundos, me puxando para o seu colo, correndo as mãos pelas minhas coxas até subir para o meu quadril. Ouvi a sua respiração ficando alta, e notei que estava animado com aquilo.
É melhor voltarmos, lembrou, afastando o rosto, porém o seu olhar deixava claro que não estava satisfeito. O casamento está tão perto, só mais um pouco, falei em tom necessitado, correndo o polegar pelos seus lábios. Ele insistiu e concordei, acariciando o seu rosto, voltando ao assento e manobrando o carro, lançando-lhe um olhar, vez por outra.
Daniel acariciou o meu joelho, olhando-me fundo, e desviei o foco, fingindo timidez. Se queria esperar, então faríamos isso, afinal, não queria induzir a sua noiva supostamente intocada a fazer algo que geraria um arrependimento nela. Na verdade, aquele casamento era o meu maior arrependimento.
°

Hasan    Where stories live. Discover now