𝟕𝟗. 𝑭𝒆𝒍𝒊𝒛 𝒂𝒏𝒊𝒗𝒆𝒓𝒔𝒂́𝒓𝒊𝒐, 𝒑𝒂𝒓𝒕𝒆 𝟑.

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                                   Samir

— SEU DESGRAÇADO! — Daniel berrou, ao enfiar um soco no meu rosto, e cambaleei dois passos, enquanto ele tirava o paletó e o jogava num canto — Achou que ia tocar na minha esposa e  ficar por isso mesmo? Já se viu no espelho, seu palerma? — questionou, dando-me outro soco, e senti o gosto metálico do sangue na boca — Ela só estava te usando, seu monte de lixo!

   Tomei impulso e soquei sua garganta, cansado da sua tentativa patética de me derrubar, e o pulha caiu de joelhos, chiando e tossindo, agarrando o pescoço.

— Nossa, até que enfim percebeu, uai! Já estava me perguntando por quanto tempo mais isso duraria!
— Você... seduziu uma... moça ingênua! — acusou, ao recuperar o fôlego.
— Não é ingênua coisa nenhuma, e já está mais do que na hora de você e todo mundo nessa casa perceber isso! Diacho,  acorde, Daniel! Ela é mais inteligente do que você pensa! Porque achou que a Sâmia te amaria, depois do que a obrigou a fazer?
— Não a obriguei a nada! — defendeu-se, levantando, segundos depois, para a minha surpresa.
— Ah, não? Se ela não se casasse, a família iria para a rua!
— Eu dei divórcio hoje, mas ela quis ficar comigo!
— Mas é claro! Depois de entrar no nosso caminho e causar esse transtorno, simplesmente daria o divórcio e ficaria por isso mesmo? Você merece tudo o que está acontecendo, Daniel, tudo! Nós já nos amávamos antes mesmo de você existir! Inclusive, eu fui o primeiro dela, e não você!
— MENTIRA! — berrou, rouco, pulando em cima de mim, e caímos sobre o tapete fino — Seu imundo!
— Vai, pode me bater, bate, seu corno de uma figa! Bate, bate!
— TE ODEIO! — continuou, me socando, e o empurrei para trás, fazendo-o cair e bater a lateral cabeça na perna da mesa próxima, tonteando-o.
— A Sâmia preferiu se entregar para mim no chão do estábulo a dormir com você num hotel de luxo! — prossegui, levantando — O sangue dela manchou o meu lençol, não o seu! O idiota aqui é você, que nem com todos os seus milhões e aquela esmeralda enorme no dedo dela conseguiu comprar o seu amor! Pode dar tudo o que quiser que nunca vai conseguir!
— CHEGA! — ordenou, erguendo-se, agarrando a minha roupa, e me libertei com um soco no seu estômago e outro no seu rosto.
— Você não é nada, para ela, nada! — afirmei, enquanto ele puxava o ar, ajoelhado — A única coisa que fiz para conquistá-la foi amá-la do jeito que a Sâmia é, e só foi possível porque somos iguais, completamente iguais! — disse, sorrindo, com uma satisfação estranha — Sabe o que aconteceu depois que ela fingiu o desmaio na igreja, só para não ter que jurar te amar? Eu rasguei aquele vestido de noiva ridículo e fizemos amor no quarto dela, enquanto você celebrava o seu casamento perfeito!
— Mentira, tudo mentira! — soltou, com as lágrimas nos olhos.
— A nossa primeira noite juntos foi numa cama estreita, dentro de um quarto pequeno e modesto, mas sabe porque foi inesquecível? Porque foi pelo mais puro e simples desejo de nos afundar um no outro, e não por obrigação, como foi com você! Tão esperto e tão ingênuo!
— CALA A BOCA!
— A Sâmia é inteligente, falsa, não tem escrúpulos e consegue ser extremamente cruel, mas, apesar disso, eu a amo mais do que tudo e faria qualquer coisa que me pedisse, incluindo se livrar do Felipe, aquele enxerido que mereceu morrer queimado, e do maridinho besta. — continuei, puxando do cós da calça nas costas a faca da minha amada e desembainhá-la — Você a trata como uma boneca de porcelana. Quer saber se a porcelana corta?
 
  Daniel veio para cima de mim, outra vez, como um animal enraivecido e cravei a lâmina na sua barriga, no seu estômago, enquanto ele me olhava fundo com os seus olhos quase azuis arregalados.
  Eu contei os segundos para isso, sussurrei, deliciado com o momento, vendo a raiva dar lugar ao medo na sua face repuxada pela dor, com as lágrimas marcando a sua pele.
  Ele segurou no meu braço com força, arfando, até que puxei a faca, arrancando-lhe um grunhido, e caiu de joelhos, encurvado, aparando a ferida com uma mão, enquanto sustentava o peso do corpo no braço apoiado sobre a outra mão no tapete.
  O tecido fino da camisa tingiu-se de vermelho, mesmo com a sua mão por cima e respirei aliviado por encerrar aquilo. De súbito, Sâmia entrou, despenteada e nervosa, seguida de um cheiro forte de fumaça.

— O que houve com o seu rosto? — perguntei, ao notar os ferimentos.
— A Layla está aqui!
— Como assim? Quem a deixou entrar?
— Eu não sei, mas temos de sair rápido! Já está tudo queimando! Vamos, Samir! Deixe-o aí, ele não é mais um problema. — disse, puxando-me pela mão, depois de olhar para o marido sangrando com total desprezo — Você mereceu tudo isso, e pode ficar com esse maldito anel! — prosseguiu, arrancando a joia do dedo e jogando perto dele — Vamos, amor, vamos!

  E nos segundos que olhei nos seus olhos, o som de um disparo seco preencheu o cômodo, e minha amada simplesmente caiu, com um ferimento perto do ombro. Virei e vi Daniel como braço erguido, segurando firme a arma, com o restante de força e ódio que lhe sobrou, para finalmente cair e perder a consciência, fazendo o meu mundo desmoronar.
  Corri e debrucei-me sobre ela, desesperado, tentando aparar a ferida com mão, porém bastou encostar nela que contorceu-se de dor, com o sangue sujando a sua bela roupa e o chão.
Precisava ser rápido e seguir o plano, então peguei a faca, fazendo cortes nos meus braços, depois apanhei a garrafa de conhaque que vi ali perto, derramando em cima do Daniel e do tapete, fazendo um rastro da bebida até a lareira, e logo o fogo seguiu até o corpo dele, queimando-o.
  Peguei-a no colo com cuidado e saí no corredor tomado pela fumaça e pelo fogo que se espalhou mais rápido do que esperava.
  Desci as escadas, temeroso pela minha amada, sentindo as lágrimas brotarem, ouvindo os gritos dos convidados que também corriam e pensei ter visto Layla fugindo no meio deles.
   Finalmente, cheguei do lado de fora, aonde todos tossiam e choravam, e coloquei Sâmia devagar sobre o gramado. Seu peito movia-se acelerado, e as lágrimas desciam traçando linhas negras no seu rosto. Tentei aparar o ferimento com o meu paletó enquanto ela me encarava com o mesmo medo que eu sentia.

— Eu não consigo respirar, eu não consigo... Samir... Eu... Eu...
— Calma, respira devagar, você vai ficar bem, não se preocupe. — garanti, acariciando o seu rosto — Estou aqui e não vou te deixar, ouviu? — jurei, segurando na sua mão trêmula.
— Ah, meu Deus, não, não, filha! — doutor Alfredo surgiu, ajoelhando ao nosso lado, apavorado, junto da esposa — Quem fez isso, quem, minha filha?
— FOI O DANIEL! — respondi.
— Como, assim? E onde ele está? — questionou, aflito.
— Ele estava no quarto e... Eu juro para o senhor que foi acidental! — menti, fingindo nervosismo — Não quis machucá-lo mas a Sâmia estava ferida e o Daniel tentou me... Nós precisamos levá-la agora para o hospital, senhor, AGORA!
— Mas por que... Ah, minha filha! — lamentou, aos prantos.
— Ciúmes do Miguel! POR FAVOR, SENHOR, TEMOS DE IR LOGO, ELA ESTÁ SANGRANDO! — alertei.

  Sâmia então me chamou com a voz fraca e me aproximei dela, para ouvi-la sussurrar para mim “até o último suspiro”, em árabe, e fechar os olhos delineados devagar, soltando a minha mão lentamente, causando-me o mais profundo desespero.
   A chamei, implorando que acordasse e que não me abandonasse, porém a única resposta que tive foram os disparos que fizeram os demais gritarem assustados e dona Madi correr na direção do Miguel, caído com a esposa grávida chorando ao seu lado, com as mãos sobre o sangue que saía do meio do seu peito.
   Olhei na reta da mansão e enxerguei Layla segurando uma arma, com a barra do vestido queimada e o olhar fixo em mim, com o segundo andar da casa ardendo em chamas ao fundo, porém seu foco desviou e se perdeu em Theodora, fantasiada de bailarina, caída alguns metros de mim, com um tiro na cabeça.
   Percebendo o que fez, cambaleou um pouco, inexpressiva, até encostar o cano da arma na têmpora direita e disparar, arrancando mais gritos.
  Não lembro quem trouxe o carro, só sei que coloquei minha amada flor de Cicuta no banco de trás e corremos para o hospital mais próximo, agarrando firme a sua mão, torcendo para isso impedi-la de partir desse mundo.
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Hasan    Dove le storie prendono vita. Scoprilo ora