𝟑𝟐. 𝑶𝒖𝒕𝒓𝒂𝒔 𝒄𝒐𝒏𝒄𝒍𝒖𝒔𝒐̃𝒆𝒔.

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                                Sâmia 

 

  Tomei o café com dificuldade e tentei me refugiar em algum lugar silencioso antes que a Leonora chegasse. Mas, infelizmente, Miguel me achou no corredor dos nossos quartos, enquanto eu calçava algo confortável, e o seu ar de pânico não me agradou.

— Sâmia, eu preciso de... Que cara é essa?
— Nada. Estou bem.
— Mentira! O que houve?
Pombas, Miguel, nada! — respondi, brava.
— Houve, sim. Escuta, reparei que você anda um pouco aérea, desde o jogo de Polo. Eu sei o motivo.
— E qual seria?
— Você está assim por causa do outro.

  O encarei, com o estômago gelado. O que poderia saber? Será que ele viu o meu guarda-costas sabotando a sela do Eduardo? Ou notou que eu estou apaixonada pelo Samir? Não, não estou apaixonada, pensei.

— Miguel, por favor, não fale disso com ninguém! — implorei, segurando nas suas mãos, deixando-o confuso — É que...
— Pode falar, vou manter segredo.
— Nós nos beijamos. — confessei, com o coração acelerado, ao lembrar daqueles minutos intensos na biblioteca.
— Tem certeza que foi só isso?
— Só foi um beijo, e eu juro que não faço ideia de como aconteceu! Sabe que não sou oferecida! É que a gente começou a conversar e quando me dei conta, estávamos nos... Ah meu Deus! — reclamei, esfregando o rosto.
— Tudo bem, maninha.
— Eu o vejo e... isso é esquisito! Começo a ficar com um calor anormal, não paro de pensar nele, a minha pele formiga demais, e algo parece crescer dentro de mim! Só sinto vontade de arrancar as minhas roupas! Meu Deus, isso é muito inadequado! Parece que vou enlouquecer, Miguel! Não sei mais o que fazer! — contei, nervosa.
— Querida, calma. — pediu, acariciando o meu rosto — É normal ficar assim quando estamos apaixonados.
— Não estou apaixonada! — discordei, aborrecida.
— Está sim, e quanto mais cedo assumir o que sente pelo Eduardo, melhor vai ser.
— O que?

  Arregalei os olhos. Eu não pensava naquele pulha fazia dias. Estava me lixando para o fato de ter quebrado a perna. Foi mais do que merecido.

— Ele é bem bacana, e sei que gostava dele. Na verdade, todo mundo aqui, em casa. — continuou.
— Todo mundo, quem?
— Oras, todo mundo, até a Matilde e os jardineiros. O papai sabia, por isso o convidou. Fora que estava na cara, até porque o seu vestido não era nada discreto. Até eu me assustei, já que era muito sensual, principalmente por causa daquele vermelho extremamente chamativo e do Eduardo, que tentou te beijar na frente de todo mundo. Papai ficou tiririca.

  Sim, o meu vestido vermelho, que Samir comparou com o tom do sangue de alguém que ele sangrou até a morte. Creio que, se pudesse, o tiraria só com os olhos. Minha pele se aqueceu ao lembrar do calor das suas mãos no meu pescoço e daquele beijo roubado mais cedo. Estava morta de medo de notarem que algo tinha acontecido entre nós. Porém, se achavam que era por causa do Eduardo…

— Sei que vocês não deram certo, mas não fique triste. Logo vai achar alguém que te ame como realmente é. — prometeu, com um ar meigo.
— Nossa, Miguel... — comecei, com um suspiro, totalmente aliviada — não consigo esconder nada de você. — menti, e ele sorriu, satisfeito.
— Eu sei, maninha, eu sei. — garantiu, me envolvendo com o braço esquerdo, ao andarmos — Mas, preciso da sua ajuda. — me encarou, tenso.
— O que houve?
— Você consegue me ajudar a convencer o papai a fazer o noivado nessa semana agora, talvez na quarta, dia 28?
— Como é que é? Mas seria só no fim do mês que vem. Miguel, está muito em cima! Porque quer antecipar?
— A Beatriz falou que o vestido de noiva está ficando apertado no quadril. Não dá mais para esperar.
— Como assim? Quer dizer que...
— O médico confirmou hoje.
— Meu Deus, Miguel! Eu não acredito! Porque não me falou antes?
— Foi só uma vez!
— E você acha que precisa de quantas vezes para alguém engravidar? — perguntei, baixo — Eu tinha dado um jeito disso não acontecer.
— Como?
— Do mesmo jeito que ajudei a Madi todos esses 5 anos, depois que os gêmeos nasceram, na base do chá. Ai, não acredito! — falei, agarrando o meu cabelo, depois envolvi o meu irmão num abraço apertado — Miguel, não acredito! Vou ser titia!
— Não está decepcionada?
— Claro que não! — me afastei, para encará-lo — Essas coisas acontecem. Ah, maninho! — segurei no seu rosto, e ele me olhou com ternura — Você vai ser pai! — falei, sorrindo, me sentindo maravilhosa — Mas acho bom contar a verdade sobre a antecipação. Eles vão descobrir, mais cedo ou mais tarde. Melhor que seja por você.
— Melhor mesmo!

Nunca que eu ficaria decepcionada com o meu irmão, nesse ponto; na verdade, demorou até um pouco para isso acontecer. Vi claramente que tinham muita paixão um pelo outro. Eu tinha notado que a Beatriz estava comendo mais, faz uns dias.
  Aquela situação me deixou bastante satisfeita, porque todo o meu esforço tinha valido a pena. Não trazia a minha futura cunhada para dormir aqui à toa. Eles dois tinham que ficar juntos.
  Usava o fato de sermos amigas de longa data como justificativa, e sempre era a vela dos dois. Só que não dormíamos no mesmo quarto, então com certeza ela ia buscar água e cruzava com ele, no corredor.
Estava contando nos dedos os dias até ela aparecer grávida. Miguel contou que a primeira vez deles foi nosso sótão, enquanto caminhávamos até a sala de estar, aonde o papai e a Madi estavam. Diz que foi num passeio de carro, perto da praia, aconselhei, porque eles iriam ficar loucos, sem dúvidas.
 
— Antecipar? Mas porque?
— Ela está grávida, Madi. — meu irmão falou, depois de fechar a porta, sem medo na voz.
— GRÁVIDA? Mas como foi que isso aconteceu? — meu pai perguntou, saltando da cadeira.
— Do jeito tradicional, pai. — respondeu, rindo baixo.
— Mas que irresponsabilidade! — falou, dando voltas ao redor de si — Não foi assim que eu te eduquei, Miguel! E fazer a festa em cima da hora não resolve as coisas! Não acham que as pessoas vão desconfiar e fazer fofoca?
— Fora os pais dela, que são bem conservadores! A mãe vai enlouquecer se souber que a filha não é mais virgem! E ainda por cima, grávida! — Madi falou, aborrecida.
— Então, é melhor contarem para eles, logo. — me manifestei — Assim, todo mundo ajuda na farsa.
— A Bia ia contar para eles agora.
— Então, pegue o carro e vamos todos para a casa dela agora! Temos que resolver isso o quanto antes!

  Nem precisamos sair de casa, porque segundos depois, um empregado bateu na porta, avisando que eles tinham acabado de chegar. Graças a Deus, pensei, já que não queria mesmo sair. Rapidamente, estavam sentados conosco, olhando o Miguel de cara feia, ao tomarmos o chá trazido pela Matilde.

— Eles precisam se casar no início do mês que vem. — a mãe dela falou, ao colocar a xícara sobre a mesa de centro — Foi muita imprudência da parte dos dois! O que os outros vão pensar? Minha filha não vai se casar virgem!
— Não precisamos contar, mamãe! O meu vestido já está pronto, a casa também. Como ainda não comentamos os detalhes da festa e tudo mais, podemos reduzir a cerimônia.
— É mesmo! Os convites seriam enviados na sexta, então dá tempo de reduzir os convidados. Ninguém vai saber. — falou, segurando a mão da noiva, sentada ao seu lado.
— E o noivado também pode ser reduzido a um jantar aqui em casa. — falei, recebendo um sorriso aprovador do meu irmão e da minha futura cunhada.
— Não é boa ideia antecipar! Tem que ser na data combinada! Precisamos ter tempo para resolver tudo! — meu pai falou, e ninguém entendeu nada.
— Mas, querido, não temos isso! — Madi interveio — Também acho que a cerimônia deve ser no início do mês. Se o vestido está ficando apertado, em Maio, a barriga já vai estar à mostra. Vamos dar um jeito de fazer o casamento até o dia 8, o que acham? 

  Todos entraram e acordo, apenas o meu pai parecia não ter gostado muito da ideia, o que não fazia sentido, já que isso impediria a noiva de entrar com a barriga grande na igreja, o que ficaria muito estranho. Ele ficou estático, olhando para o tapete. O que há com ele?, pensei. Não devia estar feliz com a antecipação?
  Assim que aquela reunião terminou, só conseguia pensar no Samir. Corri até o escritório do papai e peguei o número da casa dele, que estava no currículo, guardado na gaveta da escrivaninha. Girei o discador, com a mão tremendo, sem entender o porque.

— Alô? — uma mulher perguntou.
— Alô? Estou ligando em nome do doutor Alfredo Bastos, e gostaria de passar um recado para o senhor Samir Hasan. — menti.
— Ah, ele está entrando aqui, só um momento.
— Não, não precisa chamar...
— Alô? — a voz grave e tranquila dele ecoou, e senti que perdi a minha, por alguns segundos — Alô? Alô?
— Samir, sou eu, a Sâmia. — respondi, nervosa — Só liguei para avisar que o Miguel antecipou o noivado. Vai ser na quarta.
— Antecipou? Porque?
— A Beatriz está grávida. Vai precisar trazer o seu smoking.
— Tudo bem, eu levo. Eu soube que você se estranhou com a minha irmã, mais cedo. — falou, e consegui ouvi-lo rindo.
— Não, não estranhei. Só não sabia quem era.
— Não dá para confundir, nós somos bem parecidos.
— É, eu sei que são. Ela é bem simpática e muito bonita.
— É sim, e quem vai casar com ela é um homem de sorte. Me certifiquei de que o meu futuro cunhado seria bom o suficiente. — falou, num tom baixo — Assim como você, eu arranjei alguém digno para a minha irmã.
— Só queremos o melhor para quem amamos. — falei, sentindo um calor estranho, por notar o quanto somos iguais.
— Exatamente. Você está bem? Esse final de semana foi um pouco estranho.
— Estou sim.
— Sabe que não precisa fingir comigo. — disse, e me arrepiei, como se estivesse falando frente a frente.
— Eu não vou, prometo. E você? Está bem?
— Sim, principalmente depois do que houve, na biblioteca. — respondeu, com suavidade, depois de alguns segundos, aquecendo-me.
— Eu também estou. — falei, depois de muito me segurar.
— Não consigo parar de pensar naquele beijo, Sâmia. Só confirmou o que eu sinto. Mas preciso saber se sente o mesmo.
— Preciso desligar, me desculpa. — soltei, tensa.
— Não precisa fugir, até porque se você fizer isso, tenho que te seguir, aonde quer que for. Sempre vou estar ao seu lado, fazendo o que for para te manter segura, sabe disso, não é? — disse, e eu sorri, não sei porque.
— Claro. Sei que já achou o contrário, mas eu sempre me senti segura com você, Samir, desde o primeiro instante. Mas agora eu realmente preciso desligar. Temos um noivado para preparar. Te vejo na segunda.
— Te vejo lá.

  Desliguei, me sentindo mais leve. Não minta para si mesma, refleti, e realmente já devia ter feito isso antes. Não negue para si o que quer, minha avó falou, uma vez, e essas palavras nunca fizeram tanto sentido quanto naquele momento. Eu o quero, murmurei, e senti um alívio estranho, porque finalmente estava sendo sincera. Me arrumei, com esse sentimento estranho no peito e parti com a Madi e a Beatriz para as compras do noivado, que aconteceria em breve.
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Hasan    حيث تعيش القصص. اكتشف الآن