𝟐𝟗. "𝑽𝒆𝒎 𝒅𝒂𝒏𝒄̧𝒂𝒓 𝒄𝒐𝒎𝒊𝒈𝒐."

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                               Sâmia

  Se consegui dormir 3 horas, na noite passada, foi muito. Foi um erro ter saído do meu quarto e ir perambular pela casa, às 1h da manhã. Idiota, pensei, ao descer para o café, enquanto o sol brilhava no céu, lembrando do que aconteceu na noite passada. Não parei de pensar um instante na conversa com Samir.
  Quis tanto beijá-lo naquele cômodo, mas foi melhor não ter acontecido nada. Não posso atrapalhar o seu trabalho. Caminhei sem rumo, no silêncio da madrugada, em direção à piscina, e ouvi a movimentação na água, graças à porta entreaberta. Quem está nadando a essa hora?
  Espiei entre a brecha e o achei, na outra ponta da piscina. Não imaginava que ele tivesse costas tão atléticas, e molhadas ficavam mais belas ainda. Finalmente vique as asas sob a camisa estavam, na verdade, gravadas na sua pele, de uma ponta a outra dos ombros largos, uma tatuagem negra, assustadora e sensual.
  Minha boca secou, instantaneamente, com o meio das pernas pulsando, e nunca quis tanto entrar e chegar bem perto. Não, não posso, fora que não sinto nada pelo Samir! Ele correu a mão pelo cabelo negro molhado e o imaginei correndo-a em mim.
  Apertei os olhos, me afastando em silêncio, o mais rápido que eu consegui, até chegar na escadaria principal, aonde sentei, no primeiro degrau, ofegante. Não sinto nada, não sinto nada, repeti baixo, com o rosto escondido entre as mãos. Foi só uma coisa do momento, nada mais. Mais uma vez, aquele formigamento na pele me infernizava; droga, porque eu saí do quarto?
   Theodora desceu os degraus, me arrancando dos pensamentos. Pediu um biscoito, para conseguir dormir, então fomos até a cozinha, aonde peguei um e logo a levei para o quarto dela. Senti uma vontade louca de voltar na cozinha e fui, silenciosa, pelo corredor secundário, saindo bem na porta do quarto do Samir.
  Minha mão coçou com o impulso estranho de bater e entrar, e deixá-lo fazer o que quisesse comigo. Algo dentro de mim me despertou daquela loucura e fugi para o meu quarto, aonde me tranquei com a chave, com o coração disparado.
  Saí da lembrança quando senti o cheiro do bolo e do café fresco, e finalmente cheguei na biblioteca. Minha futura cunhada disse que dançaria uma valsa com o Miguel, no dia do noivado, então coloquei o disco que ela mencionou para tocar e arrisquei alguns passos sozinha. Girei algumas vezes, fingindo segurar no ombro e na mão de um parceiro imaginário, até que desisti, frustrada.
  Preciso de alguém, falei comigo, chateada. De repente, ouvi a porta abrindo e Samir entrou, sem o terno costumeiro, usando uma camisa vermelha de botões e uma calça clara, da cor da areia do mar, bem informal, mocassins brancos e o cabelo mais solto. Parecia surpreso em me ver, o que não fazia sentido, e me olhou de um jeito estranho, com um sorriso bobo.

— Bom dia, Sâmia. — falou, com suavidade.
— Bo-bo-bom dia, Samir. — respondi, gaguejando, sentindo-me tola.

  O seu olhar alegre só trouxe à memória o que vi ontem e todas as sensações estranhas que tem me afligido todo esse tempo. Desviei o foco dele, andando até a vitrola, um pouco dispersa, tentando me acalmar um pouco. Coloquei o disco do Chet Baker, que eu amava, crente que isso ajudaria. Respirei fundo, com o coração agitado. Isso não é nada, não é nada, repeti mentalmente.

— Você está bem? — perguntou, ao seu aproximar de mim, aumentando o maldito calor.
— Estou sim. — respondi, evitando olhá-lo.
— Tem certeza? Está com uma cara estranha.
— É que eu estava só ensaiando alguns passos para dançar uma valsa no noivado do Miguel.
— Ensaiando com quem, o ar? — questionou, irônico, recostando na mesa aonde estava a vitrola, e consegui sentir o seu perfume — Está bem mesmo?
— Sim, Samir, eu só... Não se preocupe com isso. — garanti, com a imagem daquela tatuagem na cabeça.
— Acho que você precisa de um parceiro real e não imaginário. Posso te ajudar nisso. Vem dançar comigo. — falou, puxando-me pelas mãos até o meio da biblioteca, e simplesmente não consegui soltá-lo.

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