𝟕𝟕. 𝑭𝒆𝒍𝒊𝒛 𝒂𝒏𝒊𝒗𝒆𝒓𝒔𝒂́𝒓𝒊𝒐, 𝒑𝒂𝒓𝒕𝒆 𝟏.

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Domingo, 9 de junho de 1957

                                 Daniel

  Terminei de fumar o meu charuto favorito no jardim da mansão, perto das preciosas roseiras da minha sogra, pouco antes do horário da festa. Eu sempre o fazia depois de fechar um grande negócio, e repeti esse costume após a Sâmia aceitar o meu pedido.
   Mas, naquela noite, que estava mais gelada do que o normal, fumei antes de encontrar o Samir e dar-lhe uma lição sobre pegar o que é dos outros. Ele não fazia ideia de com quem mexeu, murmurei, sentindo-me vitorioso, vendo a fumaça sumir no ar frio.
  Retornei à casa, um tempo depois, e observei que certos empregados usavam máscaras e pinturas no rosto, de borboletas e outros animais. Estavam animados, carregando as bandejas com doces finos e arranjos com lindas flores e penas coloridas.
  Matilde encarregou-se de fazer o bolo, todo branco com penas da mesma cor, parecendo de porcelana. Elogiei o trabalho e ela agradeceu, contente, afinal tinha ficado realmente lindo.
  Alguns convidados começaram a chegar, então apressei-me até o saguão, olhando-me rapidamente no espelho do aparador no corredor, arrumando o meu terno azul marinho, com penas de pavão na lapela e na minha máscara.
  Minha esposa sugeriu esse animal, pela sua elegância, e concordei e usá-lo essa noite. Só comecei a pensar aonde ela estaria. Cumprimentei alguns e subi até o seu quarto, tenso.

— Oi, Daniel. — ela falou, alegre, olhando-me pelo espelho, assim que passei pela porta — Já estou pronta, não se preocupe. — avisou, levantando.

  O seu vestido tinha ficado fantástico! A saia na altura dos joelhos era levemente armada mas com uma leveza incrível. Penas brancas enfeitavam o decote discreto do corpete, subindo somente pelo ombro esquerdo, numa alça só, e o costumeiro colar que usava lhe deu um toque especial.
   Seus olhos estavam contornados com traços pretos, imitando o olhos dos cisnes, e os lábios sutilmente rosados. Arrumou o cabelo num coque de onde pendiam alguns cachos e uma tiara com duas penas largas que uniam-se no centro da cabeça, lembrando uma coroa. Minha esposa estava simplesmente esplêndida!
  O que falou no funeral do Felipe não deixou meus pensamentos. Talvez ele tenha merecido morrer, disse, assim que o caixão desceu na cova. Fiquei tão assustado com essas palavras que não consegui responder.
  Uma vez contaram que ela falava umas coisas estranhas, porém nunca acreditei, até aquele segundo, no cemitério. Mas bastou segurar nas suas mãos que toda aquela estranheza se desfez.
  
— Você está magnífica, princesa! Realmente, linda! Essa noite vai ser mais do que perfeita! Tenho um presente para você.

  Abri a minha mala, guardada num canto do quarto, e peguei lá dois envelopes pardos, entregando-lhe, ansioso. Ela abriu, curiosa, e a surpresa tomou conta do seu rosto.

— O acordo era nos casarmos e a dívida seria paga. Esse é o documento comprovando a transação. Está autenticado. E o outro é do divórcio. Eu não devia ter te envolvido nisso. Essa dívida era um problema meu e do seu pai. Já assinei, não se preocupe. Se quiser assinar também e acabar com tudo hoje, não vou impedir. Mas, se não, por favor, me dê a chance de te fazer feliz, Sâmia. — disse, e ela olhou-me fundo, de um jeito  estranho — Eu sei que você não me ama, e isso não vai acontecer num passe de mágica, porém sei que pode acontecer se me der uma oportunidade.
— Daniel, eu te agradeço, mas não sou a pessoa certa para você.
— É sim, meu bem! — garanti, acariciando o seu rosto — Você quer o divórcio?
— Eu não quero, Daniel. Não vou te deixar. — afirmou, determinada.
— Ah, minha querida! Você me fez o homem mais feliz do mundo! — soltei, sorrindo, abraçando-a apertado.
— Daniel, não me casei para me divorciar. — prosseguiu, tocando o meu rosto, com um ar tranquilo — Está tudo bem. Obrigada por fazer os documentos. Porei no meu cofre, para ficar bem protegido.

Hasan    Where stories live. Discover now