𝟔𝟐. 𝑺𝒂𝒄𝒓𝒊𝒇𝒊́𝒄𝒊𝒐, 𝒑𝒂𝒓𝒕𝒆 𝟐.

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                                 Samir

Domingo, 2 de junho de 1957

— Seus pais vão chegar de manhã? — Layla me perguntou, depois de sentar à mesa da cozinha, ao meu lado, e eu servir-lhe um chá de hibisco, quando o relógio marcava meia noite.
— Sim, bem cedinho, mas você pode ficar à vontade. — disse, com um sorriso.
— Que bom, pois estou morrendo de sono. — contou, e isso me animou, até porque empurrei-lhe uma taça da deliciosa champanhe atrás da outra, na festa — Esse chá de hibisco faz o quê de bom, no organismo? Já tomo faz dias.
— Bem, eu ouvi dizer que ajuda a engravidar. — menti, e ela pareceu interessada — Disso não entendo, até porque já tomo faz tempo e não estou esperando o filho de ninguém. — menti outra vez, rindo com ela — Mas ele também dá mais vigor, se tomar várias vezes no dia.
— Vigor? — perguntou, com um olhar intenso.
— Sim, eu só não sei aonde esse vigor age. — respondi, retribuindo o gesto.

  Fingir interesse nela estava cada vez mais difícil, principalmente porque Layla me puxou pela roupa, dando um beijo ardente em mim. Tentei pensar na Sâmia, para entrar na encenação, porém a memória da nossa despedida de mais cedo deu justamente o efeito contrário.
  A pele dela estava macia e muito quente, com o cheiro apimentado que eu adorava sentir, e foi difícil não fazer nenhum barulho com tanta gente naquela casa. É melhor não nos procurarmos, até isso tudo se resolver, falei, e ela achou uma boa ideia. Nos uniremos em breve, meu amor, minha amada disse com um último beijo. Acabei afastando o rosto de Layla e me levantando, incomodado.
 

— Porque você está fugindo de mim, Samir? — perguntou, se pondo de pé — É por causa das coisas que a sua irmã falou de mim? Eu sei que ela me detesta. Ouvi-a falando com você, no banheiro.
— Ouviu exatamente o que? — perguntei, preocupado.
— Que não sente nada por mim. Nem quis saber o resto, porque aquilo me magoou muito. Por acaso, é isso? Porque ela me odeia? — indagou, com lágrimas nos olhos — Isso é medo de roubar o irmão dela?
— A Zaina não te odeia, fica tranquila. — garanti, segurando nas suas mãos — Eu só não quero forçar uma situação com você.
— Não está forçando nada, Samir. Na verdade, é bom que não tenha ninguém em casa. — soltou, me encarando.
— Acho melhor eu ir, está tarde. — falei, tentando me safar daquilo.
— Fica mais um pouco, por favor. — pediu, com a voz suave.
— Não quero te induzir a...
— Eu quero você, Samir. — confessou, carregada de desejo, tocando o meu peito.
— Não quero ir longe demais contigo, Layla. — disse, afastando as suas mãos com cuidado — Você pode acabar se arrependendo, depois. Não quero que pense que estou tentando me aproveitar.
— Eu quero isso desde aquela festa. — sussurrou — Não há nada que me impeça, Samir. Quero ser sua. — insistiu, acariciando o meu rosto.
— Não podemos, Layla. — lembrei, tentando ser o mais gentil possível.
— Porque me rejeita? Você realmente não sente nada por mim, não é? — perguntou, e eu esfreguei o rosto, cansado daquilo — Está interessado em alguma outra moça? Samir, eu reparei que tento pegar na sua mão, em algumas ocasiões, e você não deixa. Não sente nada, é isso?

  Poderia acabar com tudo, ali mesmo. Estava farto de ficar escondendo o que sentia pela Sâmia e fingir gostar da Layla. Porém, se eu seguisse o impulso, poria a minha amada em risco, o que jamais faria. Ela era o meu segredo e iria protegê-la, não importando o que teria de fazer. Puxei o ar com força e a beijei, afastando o rosto alguns centímetros, olhando-a fundo, e a outra me agarrou para não fugir de novo.
   Sentei-a sobre a mesa, subindo a mão pela sua perna, até achar o elástico da meia, ouvindo a sua respiração aumentar, enquanto a beijava com desejo. Layla tentou dizer algo, mas não deixei, tapando a sua boca com a mão livre, para o som da sua voz não me desconcentrar e me fazer recuar. Puxei-a pela mão, até o andar de cima, entrando no seu quarto, deixando-a arrancar a minha roupa, e fiz o mesmo com a dela, tentando parecer o mais convincente possível.
  Pode não acender a luz?, pedi, sussurrando, e notei que sorriu, graças à claridade que entrava pela porta aberta. Ela realmente me queria, explícito no modo como me empurrou contra a cama e pulou em cima de mim. Respirei fundo, tentando ficar o mais relaxado possível, e deixei-a fazer o que queria.
  Fiquei grato por estar escuro, assim não teria que olhar nos seus olhos e aumentar a minha angústia por senti-la me tocar tão intimamente, algo que só a Sâmia fazia. Correr as mãos pela sua pele não era agradável, e foi difícil cheirar o seu pescoço e fingir estar excitado.
  Não é como o cheiro dela, refleti, mas rapidamente espantei esse pensamento, agarrando o lençol, tentando manter o foco, enquanto a minha namorada movia-se devagar, em cima de mim, gemendo, perdida no próprio prazer.
  Fiquei aliviado quando finalmente terminou; Layla deitou com a cabeça no meu peito, suada e ofegante. Por conta da champanhe a mais que tomou rapidamente adormeceu. Era impossível sentir qualquer prazer naquilo. Nem sei quanto tempo fiquei deitado, olhando para o nada, talvez umas horas. Consegui me levantar, sem acordá-la, e fugi o quanto antes da casa, com o estômago embrulhado.
   Assim que pisei na casa do Demétrio, por volta de três horas, me escondi no quarto e entrei no banheiro, perdendo vários minutos debaixo do chuveiro, tentando tirar o cheiro dela de mim. Nunca tinha me sentido tão sujo na vida. Vesti o que tinha de mais confortável e desci até a varanda escura, sem sono, onde sentei encolhido na cadeira de balanço, me sentindo péssimo.
   Me perdoa, meu amor, sussurrei, com as lágrimas descendo. Não fui capaz de impedir aquele casamento, agora a minha amada estava com aquele desgraçado. Pensar no fato do Daniel tendo prazer com ela me revoltava; ele não a merece e nunca vai merecer, murmurei, correndo as mãos pela cabeça, irritado. Nunca será capaz de fazê-la feliz, nunca!
   Minha cabeça começou a latejar, por causa do sono, mas eu não conseguia dormir sabendo que Sâmia estava lá, com o pulha riquinho, sem saber se estava bem. Me inclinei sobre os joelhos, escondendo o rosto nas mãos, sem conseguir fazer o maldito choro parar. Desgraçado, desgraçado, desgraçado, desgraçado! Se ele a machucasse, eu não responderia por mim.
   Ela iria ficar uma semana fora, no Copacabana Palace, desfrutando de todo o luxo possível, em meio a passeios no centro do Rio, com aquele cretino. Vou acabar com você, seu calhorda. O dia já estava amanhecendo, e ouvi uma movimentação na casa.
  Provavelmente, era o Demétrio, que sempre levantava cedo para correr. Resolvi entrar e deitar um pouco, antes que me visse naquele estado. Só consegui dormir umas 3 horas, então levantei e dirigi, não sei como, até a casa dos meus pais, e me sentei para tomar café, por volta das 8 da manhã.

 
— Meu Deus, que cara abatida é essa, sobrinho? — minha tia falou, ao sentar do meu lado, após me servir uma xícara de café e colocar duas fatias de pão na chapa no prato, à minha frente, o que achei bem esquisito.
— Nada, eu só não dormi direito. — menti, esfregando o rosto, com corpo pesado.
— Gostou do café? Sentiu o gostinho? Trouxe lá de Minas. — contou, animada, depois que tomei um gole.
— Não senti nada. — respondi, mau humorado, remexendo o líquido, sem olhar para ela.
— Que mau humor é esse, Samir? Você foi com a Layla a um casamento da alta sociedade, comeu do bom e do melhor, e está desse jeito? Parece até que saiu de um funeral! — disse, eu apenas bufei — Está tão carrancudo! Nem parece que tem uma namorada. — soltou, irônica.

   A encarei, irritado, o que a deixou desconfortável. A mulher que amava estava com aquele calhorda, e eu devia me sentir bem?, pensei. Respirei fundo, terminando de comer, sem dizer uma palavra. Estava contando as horas para a semana acabar e eu ver a Sâmia de novo.
  Pensei no dia em que lhe contei que vim de Minas; nunca conheci um egípcio mineiro, confessou, animada, e acabei sorrindo rapidamente com a lembrança. Precisava manter a calma, senão tudo iria ruir. Do nada, senti a mão da minha tia acariciando o meu braço, o que achei incômodo.

 
— No que pensou, para sorrir assim? — indagou, curiosa.
— Nada. — respondi, seco.
— Só responde isso? — rebateu, em tom irritado, e mantive o silêncio — Está desse jeito porque teve que dormir fora, não é? — perguntou, se aproximando de mim, e eu franzi a testa, confuso — Olha, diga que está passando mal e fique aqui, em casa, então você vai poder passar um tempo a mais com a Layla. — sussurrou — Não vou te julgar se algo acontecer.
— Tia, a senhora quer dizer que...
— Essas coisas acontecem, Samir, e é mais do que natural. Você é jovem, deve aproveitar certas oportunidades. Por acaso, já esteve com uma mulher?
— O que? — perguntei, rindo, sem acreditar naquilo — Porque a senhora está me perguntando isso, uai?
— Um homem que sabe o que fazer na cama conquista qualquer uma. E a Layla tem muito fogo, por isso é bom saber conduzir bem o ato, senão ela pode ficar insatisfeita, o que seria bem ruim, depois do casamento. Eu posso te dar na prática umas dicas muito úteis.

  Olhei-a fixo; ela realmente estava falando sério?, pensei. Nem o meu pai me perguntou uma coisa dessas! Acho que a Sâmia estava certa sobre a minha tia. Desviei o foco para o meu café, rindo baixo.
  Como eu queria que a minha amada estivesse ali, vendo aquele comportamento absurdo! Obviamente, eu entendia do assunto, mas preferi fingir o oposto, como sempre. O sobrinho sensual, minha querida me chamou, na praia, e achei engraçado. Será que a minha tia irritante achava o mesmo?

— Tia, eu já estive sim com alguém. — respondi, tranquilo — Promete guardar segredo?
— Com certeza, Samir! — garantiu, se inclinando um pouco para mim.
— Sei que a Layla é especial e bem intensa. Já tive um vislumbre disso. — comecei, num tom baixo — É que fico meio receoso de fazer algo e deixá-la constrangida. Não quero ser atrevido, sabe. E também fico um pouco sem jeito com ela. — menti, com um ar desconcertado, e a mulher me encarou, compreensiva — Eu sei do assunto, mas não tenho tanta prática quanto parece. — menti, outra vez, e um brilho estranho surgiu nos seus olhos.
— Ah, pensei que...
— Que eu era um mulherengo? — perguntei, bem humorado — O que menos fazia era namorar, tia. — disse, e isso era verdade — Se dava mais por falta de tempo. E nunca gostei de casos passageiros. Conhecer alguém só para passar uma única noite me parecia um perda de tempo. Desculpa, não queria te perturbar com esse assunto chato.
— Tudo bem, pode continuar.
— Só quero que a Layla fique satisfeita comigo. A senhora realmente guardaria segredo, caso acontecesse alguma coisa? — perguntei, segurando na sua mão, o que a pegou de surpresa.
— Sem sombra de dúvida! Só quero a felicidade de vocês.
— E pode me dar umas dicas, nesse assunto?
— Conte comigo para o que precisar, querido. Eu achei uma casa boa, aqui perto, já mobiliada, e decidi alugá-la. Me mudo amanhã. Vou ficar lá com a Layla, até os pais dela chegarem. Se precisar, é só me visitar.
— Obrigada, tia. — agradeci.

  Envolvi-a num abraço apertado, acariciando os seus cabelos nos ombros tão escuros quanto os meus. Sei que não é minha tia de sangue mas, para mim, não faz diferença, sussurrei, me afastando, em seguida, olhando-a fundo. Tudo para te ajudar, Samir, respondeu, com um sorriso breve. Ela não era uma mulher feia, porém, de sangue ou não, era a minha tia, e jamais pensaria nela de outra forma. Contudo, eu precisava arriscar.
  Dei um beijo no seu rosto, apenas alguns milímetros da sua boca, e ao meu afastar, notei que a sua expressão estava diferente, com ar de quem queria mais. Informei que iria dormir um pouco, e deixei-a lá, ainda pensativa, e caí na cama, esfregando os olhos. Minutos depois, ouvi um carro estacionando na nossa porta e Zaina entrou no meu quarto, com o olhar mais bravo que já vi nela.

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Hasan    Where stories live. Discover now