𝟏𝟔. 𝑱𝒐𝒈𝒐 𝒅𝒆 𝑷𝒐́𝒍𝒐, 𝒑𝒂𝒓𝒕𝒆 𝟏.

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                                Samir

  Às 9 horas em ponto, Sâmia levou o cavalo para fora junto com o irmão e os outros jogadores até a área destinada ao jogo. Ajeitou o simples capacete de hipismo na cabeça, ajustando a fivela embaixo do queixo e conferiu se a sela estava firme. Fiquei admirado com a confiança dela na hora de montar o animal.
  Me deseje sorte, falou, com uma piscadinha e saiu, num trote elegante até a marca, no meio do campo. Sempre vou desejar, pensei, e coloquei os óculos escuros, por causa do sol forte. Segui até uma árvore, perto dos vários presentes sentados, belamente arrumados e animados. Logo, Beatriz parou ao meu lado.

— Essas partidas de polo sempre me preocupam. Morro de medo do Miguel se machucar.
— Acredito que ele saiba cavalgar bem.
— Sim, ele sabe, tanto quanto a Sâmia. Mas acho que a irmã ainda se sai melhor nesse jogo. Ela é mais baixa, e se equilibra melhor no cavalo. Ele corre até mais rápido, já que carrega menos peso. Ah, eu sou imensamente grata a ela por tanta coisa!
— É mesmo? Tipo o que?
— Só encontrei o homem da minha vida graças a ela. Nós éramos colegas de escola e sempre me trazia aqui e falava do quanto o irmão era incrível. Um dia, nos apresentou e foi amor a primeira vista. — falou, com um brilho nos olhos.

  Então, Sâmia se livrou de uma namorada para colocar outra que ela julgava melhor!, pensei. Agiu como se movesse simples peças num tabuleiro de xadrez. Queria saber qual o meu lugar nesse jogo. Ela não parava de me surpreender.

— Que bom! Meus parabéns para vocês dois. — falei, sorrindo.
 — Ah, muito obrigada!

 O jogo finalmente começou; observei como o cavalo de Sâmia corria rápido, e ela tinha total controle dele. Até ao se inclinar e bater o martelo com toda a força na bola, que rolava sobre a grama verde, era graciosa. Comemorou sorridente, ao marcar pontos, e eu aplaudi, animado.
   Não parecia ter medo de cair, mesmo com a alta velocidade do animal. Miguel também se saía muito bem, para o alívio da noiva. Eduardo também corria bem, mas tentava se exibir para as jovens que assistiam. A partida deu um intervalo, um tempo depois, e Sâmia apeou perto de mim.
 

— Olha, você joga muito bem! — falei, impressionado, e ela sorriu.
— Ah, obrigada! Estamos empatados. Preciso levar o Pudim para beber água ali na frente. — falou, puxando o cavalo.
— Qual a raça?
— Mangalarga Marchador.
— Esse é o nome dele? — perguntei, seguindo-a.
— Sim. Foi o que me veio à mente, quando o ganhei. — disse, bem humorada — Fora que amo pudim, então tem a ver.
— Eu também gosto muito.
— Ah, sendo assim, vou fazer um para você, um dia. — falou, ao chegar num balde, onde Pudim se hidratou, e logo trouxeram água para ela beber.
— Vou cobrar, hein. — garanti, rindo e ela me imitou — Por caso, o pão com ovo estava bom? — perguntei, e caímos no riso.
— Estava, sim. Sorte sua. Não vai para o tronco. — soltou, me encarando de um jeito engraçado — Vou deixar para te chicotear outro dia.
Uai, que bom, sinhá. Meu lombo agradece. Escuta, aquele homem parado ali, do outro lado do campo, nos encarando, é o Daniel?
— Ah, sim! — confirmou, virou na direção que indiquei — É ele mesmo. Mas fique tranquilo, não vou me esquecer do seu pudim. Quer com calda de que?
— Pode ser morango.
— Então, será de morango. — sorriu, e fiquei surpreso em como fazia isso de forma tão leve, me fazendo esquecer, por segundos, que ela era um monstro, assim como eu.

  Sâmia tirou o capacete e arrumou o rabo de cavalo, puxando os fios presos no suor do pescoço. De repente, uma voz familiar me chamou e me virei na sua direção, dando de cara com a minha ex, com quem eu não falava fazia 2 meses.

— Olá, Samir. — disse, surpresa, ao tirar os óculos escuros, enquanto o vento balançava a saia florida do seu vestido laranja.
— Érica? Faz o que aqui? — perguntei, e Sâmia parou ao meu lado, segurando o martelo.
— Fui convidada por uma amiga do trabalho para ver a partida de hoje. Não sabia que estava aqui. Você não fala comigo faz 2 meses e nem sabia se estava vivo!
— Com licença, quem é você? — Sâmia perguntou, séria, acariciando a cabeça do martelo.
— Sou Érica, fui namorada dele. Já aprendeu a não esconder coisas, Samir? Você saiu do país e nem me avisou!
— Olha, não temos mais nada, então não tem razão para ficarmos conversando e nem te contando aonde eu vou. — expliquei, incomodado — Esse trem de virar amigo não funciona comigo. Preferi me afastar.
— Você é um insensível egoísta! — me acusou, se aproximando mais — Vivia fazendo segredo sobre o seu trabalho, começou a ficar distante, assim que fizemos 4 meses, terminou comigo e desapareceu! Nem sei como chegamos aos 6 meses! Qual o seu problema?
— Você não me entendia! Como continuaríamos juntos assim?
— Não te entendia em que, Samir?
— Escuta aqui, Érica! — Sâmia soltou,  colocando-se entre nós — Você está na minha casa, então é bom abaixar o seu tom e medir as suas palavras com um funcionário meu, o Samir, alguém em quem confio totalmente. — falou, olhando-a fundo, o que foi fácil, graças a baixa altura das duas — Não sei quem te convidou, mas vi que fez uma grande besteira, já que você aparentemente não tem o menor senso de etiqueta, só por causa dessa atitude.
— Como se atreve a falar assim comigo,  sua pirralha?
— Eu não dou a mínima para quem você é! Só vou avisar mais uma vez: se comporte ou saia da minha propriedade. Samir trabalha para mim e não vou tolerar que seja desrespeitado, o que equivale a me desrespeitar! — avisou, batendo levemente um dos lados do martelo contra a palma da mão enluvada, e Érica encarou o objeto — Não me obrigue a te fazer sumir.
— Vai usar um martelo de polo, para isso?
— Não precisei de um, da última vez. — respondeu, com suavidade, num timbre mais baixo, que confesso ter me assustado um pouco — Fica longe do Samir. Não quero você perto dele.
— Tudo bem, não vou mais me aproximar do seu funcionário. — garantiu, com desdém — Não se preocupe.
— Mas não me preocupo. A culpa é sua se não foi capaz de entendê-lo! Foi melhor mesmo terminarem, é complexo demais para você.
— Meu Deus... — soltou, pasma, balançando a cabeça, devagar — Samir disse o mesmo, quando terminamos! Você é biruta, igual a ele! — soltou.

  Ela se foi, deixando-nos em paz, finalmente, e eu pude ouvir a Sâmia respirar alto, bem aborrecida. Ela realmente me defendeu?, perguntei-me.

— Olha, não precisava... — falei, ainda sem acreditar no que tinha acontecido, tocando devagar no seu braço, fazendo-a virar para mim.
— Precisava sim. Eu não ia deixar essa qualquer te tratar assim. Você é importante para mim, e não vou tolerar que te maltratem. — afirmou, me olhando bem fundo.
— Você não me conhece direito, Sâmia.
— Se for como eu, conheço sim. É mais um motivo pra te defender.
— Entendi, e... obrigada por me defender. — agradeci, um pouco constrangido.
— Eu sempre vou fazer isso. — prometeu, com um brilho nos olhos — Mas agora preciso pegar o Pudim e voltar para o campo. Estamos a um ponto de vencer, então continue na torcida. — falou, e rimos juntos.
— Pode deixar, Sâmia, sempre vou torcer por você. — afirmei, e ela pareceu ficar sem graça.
— Eu vou indo, até daqui a pouco.

 
  Voltei ao meu lugar, embaixo da árvore, e segundos depois, os jogadores retornaram às suas posições, inclusive o Eduardo, que subiu no cavalo, e notei que a fivela da barrigueira estava a ponto de soltar. Coloquei os óculos no rosto e respirei fundo. Agora era só ter paciência.

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Hasan    Where stories live. Discover now