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KATRINA

Ela aproximou-se do portão lentamente, mesmo diante das grades grossas do portão eu podia ver que ele me observava, e eu fazia o mesmo.

-Entra. –Ela falou a uns trinta centímetros de mim. Escorreguei minha mão lentamente até o trinco do portão e abri o mesmo. Minha cabeça estava baixa, por algum motivo eu não conseguia olhá-la, eu caminhei em sua direção e logo senti o perfume doce da minha mãe, meus olhos começaram a lacrimejar, funguei algumas vezes tentando conter a “enxurrada” que com certeza viria. Quando enfim consegui encará-la, percebi que seus olhos também estavam marejados, mas ela continuava parada como uma estátua, era evidente o quando ela estava se contendo para não bancar a “molenga”, ela se esforçava para não demonstrar fraqueza, seu olhar me media de cima a baixo. –Onde... –Ela gaguejou para falar. –Onde você se meteu, Katrina? –A voz dela tornou-se mais dura.

-Podemos entrar? –Falei. Ela me encarou em silêncio por alguns segundos, seu olhar de alguma forma tentava decifrar o motivo de minha presença ali.

-Podemos. –Ela falou e virou-se, caminhando pelo pequeno corredor que dava acesso a porta da sala. Assim que entrei, meus olhos atentos voaram pelo local onde vivi meus infelizes anos, e eu não sentia a mínima saudade.

Minha mãe não parou quando passou pela sala, seguiu até a cozinha e eu fui atrás, quando enfim parou, se escorou no mármore escuro que ficava na pia, ela fez um gesto com a cabeça para que eu sentasse, e assim fiz, puxei uma das cadeiras e sentei. Ela permaneceu quieta por longos minutos, seu olhar já não estava mais “emocionado” por minha presença, agora estava vago, tanto sua feição, como olhar não demonstravam expressão alguma, eu não conseguia decifrá-la.

-Onde você esteve durante esse tempo? –Ela questionou.

-Em vários lugares, mãe... –Falei, ao ver sua expressão nada satisfeita com a minha resposta, tentei continuar. –Nos primeiros dias me virei sozinha, depois tive ajuda de um homem... –O olhar da minha mãe já a denunciava, ela havia “entendido” essa ajuda, e naquele momento eu não conseguia “mentir”, enfim suspirei e fiquei em silêncio, a encarando e esperando suas palavras.

-Que tipo de ajuda, Katrina? –Ela questionou desconfiada.

-Fiquei em uma casa com outras meninas, e em troca trabalhava pra ele. –Falei e ela balançou a cabeça.

-Você é igualzinha a seu pai... Fala tanto e não diz nada. –Ela falou impaciente. –Trabalhando em que Katrina? E não passou em sua cabeça telefonar pra mim e dizer: “mãe estou viva, não se preocupe”. Passou? –Ela alterou seu tom de voz.

-Depois de tantos anos de negligência, achei que não faria diferença se eu estivesse viva ou não, mãe. –Ergui minha cabeça. –Estou errada?

-Não seja injusta, Katrina. Do jeito que você fala ate parece que eu te expulsei de casa!

-Seus atos, ou melhor seu descaso me levou a isso. –Falei e ela riu com nervosismo.

-Não seja egoísta, Katrina! O que faltou pra você nessa casa? Eu sempre fiz de tudo para te dar tudo do bom e do melhor. O que faltou?

-Seu zelo, mãe! Faltou amor, faltou atenção... –Minha voz saiu como um sussurro, acompanhado de um soluço e das primeiras lágrimas. –Sabe o que essa falta de atenção me causou?

-O que causou, Katrina? –Ela falou de maneira dura, como se eu estivesse prestes a falar uma grande bobagem. E talvez eu realmente falaria, minha mãe nunca acreditou em mim, e não seria agora que ela acreditaria, para ela naquele momento, eu era a filha ingrata, que saiu de casa e agora não tinha mais o direito de estar ali, de retornar como um “fantasma de seu passado”.

-Você teve cinco anos pra cinco anos pra observar isso, e falhou na missão de ser “mãe”, e se ao menos desconfiou o que se passava de baixo do seu próprio teto, não fez nada para dar um basta nisso. Se soube de algo, ficou quieta e deixou que esse tormento tomasse conta de mim... Mas quer saber? –Ergui minha cabeça e passei as costas da mão pelo meu rosto, minha mãe me encarava em silêncio, com o olhar impetuoso. –Eu te perdôo. –Falei. –Com todo o meu coração, mãe... Você tem o meu perdão, é claro, você deve estar pensando: “E o que o seu perdão fará de diferença na minha vida?”. E eu respondo... Vai fazer a total diferença quando eu sair por aquele portão, e sumir, sumir da sua vida... Talvez não ira fazer diferença agora, mãe... Mas um dia, com certeza... Fará a maior diferença! Eu te perdôo, mãe. Pois mesmo não sendo suficiente para mim, você fez o que julgava ser certo, e isso, infelizmente eu não posso contestá-la. –Levantei, e antes de ir embora, tornei a olhá-la. –Desejo as melhores coisas pra você, mesmo sabendo, que talvez a senhora não almeje as mesma coisas pra mim. –Sorri de maneira fraca. –Eu vou subir e pegar o restante das minhas coisas. –Não esperei sua resposta, ela estava atônita demais com minhas palavras.

Subi os degraus da escada rapidamente, lágrimas desciam pelo meu rosto sem pausa, passei pelo corredor e pela porta do quarto do Pietro, continuava como sempre, aquela sensação de medo se impregnou em meu corpo, e eu não entendia o porquê de tanto desespero mesmo não estando na presença dele.. Talvez o sofrimento foi tão grande que ainda estava marcado em minha mente, mais do que eu esperava.

Balancei a cabeça e andei em passos rápidos até o meu quarto, também continuava do mesmo jeito, o lençol de cama, as coisas na prateleira, os livros... Talvez na cabeça dela, em seu “coração de mãe”, a possibilidade de voltar pudesse assombrar minha cabeça. Mas esse encontro não foi como eu planejei... Não teve abraços e nem palavras de carinho, e por algum motivo, eu não estava surpresa com esse reação da minha mãe.

Subi em minha cama e estiquei meu corpo para pegar a minha mala que ficava em cima do meu guarda-roupa, assim que peguei, a coloquei sobre a cama e desci da mesma. Respirei fundo e abri meu armário, pegando tudo o que podia, e o que caberia na mala consideravelmente grande. Assim que terminei, fechei e a coloquei no chão. Seria a última vez que eu estaria naquele quarto, e eu não conseguia sentir nada, nada além de alívio por estar saindo definitivamente daquele lugar que um dia achei ser um lar.

EVAWhere stories live. Discover now