16/11/2018

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São 07h40m da manhã e mal consegui fechar os olhos esta noite. As poucas vezes que consegui cochilar tive pesadelos com as imagens do ataque ao acampamento. Esses malditos pesadelos vão me atormentar por muito tempo.

E creio que não seja apenas comigo, ouvi muitos choros à noite, mais do que de costume. Algumas pessoas já estão de pé, outras ainda dormem e acho que digo por todos quando falo que é difícil de acreditar que perdemos tanta gente em uma única noite.

Ainda não consigo acreditar como isso aconteceu, já estávamos acostumados a dormir nas barracas e sempre o grupo de vigia conseguia manter o acampamento a salvo, não consigo entender como tudo pôde ter dado tão errado assim. Talvez nós subestimamos aquelas coisas, nos sentimos tão fortes com nossas armas e nossa organização que não percebemos que não há mais chance para guarda baixa nesse mundo.

Uma maldita falha, um maldito descuido que levou a vida de tantas pessoas, eu estou totalmente descrente de tudo, me sinto abatido, enjoado e sem a mínima vontade de nem ao menos escrever algo aqui. Sinto minha dor assim como sinto a dor de todos os outros, não quero mais viver num mundo assim, num mundo de dor e sofrimento. Não sei até quando vou aguentar essas perdas, na verdade nem sei se vou aguentar essas de agora.

Conversei com Igor e ele tenta parecer forte pra nós, mas eu vejo em seus olhos o abatimento que ele tenta não demonstrar. Izabel estava com ele e deu pra ver que os dois tinham chorado bastante, nesta ultima noite acredito que todos nós derramamos lágrimas mais uma vez, mas infelizmente não temos tempo para lamentar nossos mortos, não quando todos os que estão vivos parecem estar a beira da morte também.

Tentamos reunir as pessoas mas não foi fácil, com todos de luto e boa parte nos culpando pelas mortes no acampamento é difícil tentar conversar.

Passamos a manhã enterrando os corpos de Carlos, Débora e Patrícia, também cravamos cruzes pra cada uma das pessoas que morreram naquela noite e meio sem querer conseguimos reunir todos no mesmo local.

As pessoas colocavam objetos pessoais, recados em papéis velhos e alguns conseguiram encontrar flores pra deixar em homenagem aos falecidos, o clima de luto estava pesado sobre nós e por um momento todos se solidarizaram com as perdas do próximo e decidiram ouvir e também falar sobre a nossa situação.

Igor e Edinho tomaram a frente da conversa e eu simplesmente os ouvi, é incrível como eles conseguem se manter centrados mesmo com tudo isso que aconteceu, eu não sou tão forte assim. Igor perdeu a esposa, Edinho perdeu ainda mais e isso contando apenas as pessoas extremamente próximas deles, foi hoje que vi que não sou um líder, não como eles, apenas tento brincar de ser gente grande. As palavras dos dois foram reconfortantes e inspiradoras, conseguiram renovar um pouco da esperança e união do grupo.

Wendell também não parece muito bem, se absteve de falar qualquer coisa ao grupo e anda um pouco distante, de todos nós ele parece ter sido um dos mais afetados. O fato de ele ser o líder do grupo dele antes de nos juntarmos deve fazer com que aquelas mortes o atinjam com ainda mais força, sem contar o que ele teve que fazer com o melhor amigo. Ver alguém tão próximo se transformar e ainda ter que matá-lo pelo jeito realmente destrói qualquer um.

Precisamos decidir o que fazer de hoje em diante, pra onde ir ou onde ficar. A viagem em direção ao sul já nos parecia bem desgastante e depois dessa tragédia não sei se teremos força para continuá-la, não por agora.


Diário de Um SobreviventeWhere stories live. Discover now