06/12/2018

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Acordei antes que os outros e decidi dar mais uma volta pela casa antes de irmos embora. Acabei parando em frente a uma janela no primeiro andar e passei a fitar o horizonte hipnotizado pela calmaria matutina. Estava tão distraído que nem percebi Barbara se aproximar de mim.

- Oi, Bom dia. – Ela disse com um sorriso no rosto mas o que me chamou mais atenção foi a tiara de metal repleta de adornos que ela tinha na cabeça. – Acordou cedo hoje.

- Olá, bom dia. – Respondi no mesmo tom que ela. – Sim, tive uma boa noite de sono mas algo me tirou da cama cedo.

Barbara sorriu e deu alguns passos para frente, aproximando-se mais e passando a dividir o espaço da janela comigo.

- A paisagem é realmente bonita. – Ela disse tirando a tiara e ajeitando os cabelos num rabo de cavalo.

Enquanto ela mexia nos cabelos e os juntava atrás da cabeça para formar o penteado, sem querer deixou que uma marca, parecida com uma cicatriz, um pouco acima da orelha aparecesse por de baixo dos fios castanhos.

- O que foi isso na sua cabeça?

Ela tentou disfarçar cobrindo novamente a região mas não dava mais para evitar que eu visse.

- É uma marca apenas... Uma cicatriz.

Achei a explicação muito vaga e isso ficou evidente na minha expressão. Continuei calado esperando que ela continuasse a falar e após um breve momento de silêncio Barbara prosseguiu.

- É uma marca que eu fiz em mim mesma. Uma para cada pessoa que perdi.

- Se eu fizesse uma cicatriz para cada pessoa que perdi nesse mundo, não teria mais espaço para isso.

- Eu também não. – Ela disse enquanto levantava o cabelo da parte direita da cabeça, deixando à mostra uma série de cicatrizes que saía de um pouco a frente da orelha e percorria sua cabeça, descendo pelo pescoço e seguindo até quase alcançar o ombro.

- Me desculpe.

- Não tem problema. – Ela soltou os cabelos cobrindo novamente as marcas. – Você apenas não foi o único a perder alguém.

Assenti com a cabeça e Barbara continuou.

- Qual o nome dela? Da garota que faz você olhar assim para o horizonte?

- Izabel.

- É um bonito nome. A conheceu antes ou depois de...

- Depois. - Sabia qual seria o restante da pergunta então me antecipei. – Eu estava de vigia no acampamento do meu grupo quando avistei a fogueira do acampamento dela a algumas centenas de metros de nós. Ela, seu irmão, Igor e a esposa dele, Rafaela. Eram apenas os três e não estavam nas melhores condições, decidi convidá-los pro nosso grupo e eles aceitaram. O resto aconteceu com o tempo.

- Foi diferente com ela?

- Ela é a única garota com quem eu me importei de verdade e foi a única que se importou comigo, então sim, é diferente.

- A primeira? – Barbara reagiu como se surpreendesse ou duvidasse do que eu acabara de dizer.

- É. Dizem que a primeira pessoa que amamos na vida, na verdade foi a última pessoa que amamos na vida passada. E o sentimento é tão forte que transcende o tempo. Também falam que é por isso que não ficamos pra sempre com o nosso primeiro amor, pois é um rastro do passado que precisa ser superado para que possamos enfim viver nossa nova vida. Superar este primeiro, ou último amor, é uma forma de mostrar para vida que conseguimos deixar o que é preciso para trás e assim manter vivo o ciclo das coisas. Só que eu não acredito que seja verdade, e mesmo que seja, eu prefiro viver preso a um amor da vida passada do que qualquer outra coisa.

Diário de Um SobreviventeWhere stories live. Discover now