26/11/2018

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Adormeci no fim da tarde ontem e acordei apenas de madrugada, estava com fome. O dia ontem foi corrido e eu nem cheguei a me alimentar, na verdade não é muito raro ficarmos um dia ou outro sem comida e pelo jeito agora esses dias ficarão mais freqüentes.

Assim que chegamos ao prédio demos uma vasculhada pelos apartamentos atrás de suprimentos após Rodrigo e meu irmão terem certificado que o local estava livre de mordedores. Com isso encontramos alguns restos de alimentos enlatados que juntamos na cozinha do Ap 202, que é vizinho a onde estou e é onde vou agora atrás de algo pra comer.

Logo que sai do apartamento fitei pela janela do corredor a rua e a entrada do prédio. A rua estava mais calma agora e uma grande lua cheia clareava a noite e a luminosidade adentrava pela janela junto com uma brisa fria do mar, fria o bastante para me fazer vestir o moletom encardido que levava nas mãos.

Segui com os pés descalços naquele chão sujo até a entrada do apartamento vizinho que estava aberta. Sem alarde segui até a cozinha, não sabia se alguém do grupo estava dormindo lá então valia a precaução para não acordá-los a essa hora da noite. Já dentro do apartamento precisei da pequena lanterna do chaveiro para poder me locomover sem esbarrar em nada e enfim alcancei a cozinha.

Os enlatados e conservas estavam empilhados em cima da mesa, cômodo o bastante, me facilitaria o trabalho de vasculhar pelos armários. Antes de me sentar dei de olhos no fogão e notei que havia panelas lá que não pareciam estar abandonadas há muito tempo então decidi olhar.

Foi de muito proveito ter feito isso pois me deparei com uma bela panela de ensopado de sardinha e outra arroz. Pus tudo num prato e voltei a mesa, não tinha muito então supus que todos já tinham comido e aquele era o resto que me sobrava.

Depois de saciada voltei ao meu quarto mas antes olhei novamente a janela, tenho estado mais atenta ultimamente na questão da segurança do grupo, com a ausência de... Droga eu sinto tanto a falta dele.

Fui acordada de manhã pelo barulho do meu irmão vasculhando o guarda roupas:

- O que está procurando? – perguntei com uma voz arrastada e sonolenta.

- Algo útil. E bom dia pra você também – ele me respondeu ironicamente.

- Não há nada útil pra você ai, ao menos que vista 36, maninho.

Ele sorriu levemente e olhou pra mim enquanto me sentava no meio da cama.

- Estamos partindo? – perguntei.

- Sim, estamos. Olhei o portão pela manhã mais cedo e aquilo não me parece seguro, os muros desse prédio são baixos e o número de mordedores aqui nunca diminui. Não é um bom lugar pra ficarmos, precisamos dar o fora antes que algo dê errado de novo.

- Eu to aqui para proteger vocês, não estou?

- Você não tem flechas para todos eles, Valente. – ele me respondeu com o mesmo tom irônico com o que fiz a pergunta e logo deixou o quarto.

Assim que meu irmão saiu tratei de me trocar e organizar tudo para partir. Juntei mais algumas mudas de roupa, um belo par de sandálias que foi deixado para trás pela antiga moradora do quarto e um boné que eu não acho que fosse dela mas vai ficar muito bem em mim.

Logo sai do quarto com minha mochila e arco nas costas e a mochila do Jotah na mão. Todos já estavam prontos e eu fui a última a seguir escadas abaixo. Meu irmão estava na frente com um das pistolas na mão e seguido logo atrás por Rodrigo, também armado. Eles livraram a passagem das barricadas que fizemos e seguimos rapidamente da entrada do prédio até o portão que limitava a divisa com a rua.

Tentamos não fazer barulho ao abri-lo mas o velho portão de ferro não correspondia ao nosso cuidado e rangia a cada centímetro que se movia. Os corpos dos zumbis amontoados na entrada também dificultavam a nossa saída, eram muitos corpos e tinham tantas flechas nele, tentei reaver o máximo que pude sem que nos atrasássemos mais.

Enfim conseguimos passar todos, as garotas foram nos braços de Dayse e Leonardo, elas estavam assustadas e não queriam chegar perto dos zumbis, mesmo estando mortos. Os carros estavam bem em frente à calçada então após vencermos os obstáculos no portão não tardou para estarmos a salvo dentro deles. A salvos.. É engraçado lembrar que essa expressão já teve um significado certo um dia.

Seguimos pela rua em frente ao prédio no mesmo sentido em que a frente dos carros estava apontada, não queríamos perder tempo manobrando ali e dando a chance dos zumbis se amontoarem no caminho. Estava no carona do meu irmão e iniciei a conversa:

- Para onde vamos?

- Não sei ainda. – ele respondeu enquanto olhava ao redor como quem procurava o melhor caminho a seguir. – Só sei que não podíamos ficar mais naquela espelunca.

- Vamos voltar pro interior? – Castilho, que estava no banco de trás junto com a irmã, perguntou.

- Não. Por enquanto não, com os carros nesse estado e sem gasolina não duraríamos muito numa viagem longa. – meu irmão respondeu e continuou – Vamos apenas procurar um novo local pra ficar, ta legal?

Acenamos positivamente com a cabeça enquanto ele nos olhava rezando para que tivéssemos exatamente essa reação e parássemos de fazer perguntas.

Seguimos pelas ruas imundas daquele bairro litorâneo em baixa velocidade, acompanhados de perto pela EcoSport dirigida por Rodrigo, não tínhamos pressa e meu irmão não queria superaquecer o motor dos carros sem necessidade.

Alguns zumbis ouviam e tentavam nos acompanhar mas eram lentos de mais para alcançar os carros. Fomos em direção ao centro da cidade, no sentido contrário a praia mas não queríamos entrar de mais no coração da metrópole. Com certeza os centros das grandes cidades devem ser os piores locais que existem atualmente.

Em pouco tempo trafegando pela estrada que dava acesso a orla chegamos a uma zona não muito habitada, com ainda muitos terrenos e espaço vazios, que deviam estar abandonados desde antes do apocalipse.

Aparentava ser um bairro novo, não tão rico quanto a orla mas ainda assim de um padrão elevado, era como um apêndice do bairro litorâneo que não tinha mais como crescer pela orla então passou a regressar pela região um pouco mais elevada alguns poucos quilômetros após a praia, uma zona como um miramar. Que era exatamente o nome estampado nos muros de um condomínio de luxo que nos chamou atenção.

"Condomínio Miramar. Sua morada em frente ao levante."

Realmente era lindo e atraente, atraente de mais para deixarmos passar.


Diário de Um SobreviventeWhere stories live. Discover now