31/12/2018(Continuação)

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O homem percebeu minha feição com uma mescla de desaprovação e raiva e antes que eu pudesse dizer qualquer coisa ele se adiantou.

- Nem pense em relutar ou dizer "nem ferrando". Você está a um passo de me aborrecer mais do que eu admito e se isso acontecer eu irei deixá-lo amarrado a árvore para servir de lanche para os cabeça-oca.

Permaneci amarrado a arvore observando esfomeado o pedaço da preguiça que o homem jogou ao chão na minha frente enquanto ele apagava os vestígios da fogueira e juntava as coisas para partir.

- Seu pedaço da preguiça agora é das formigas. Vou te dar algo para comer na próxima vez que pararmos. – O homem falou enquanto colocava uma bolsa nas costas. Ele se virou para mim e continuou – Vou te soltar da árvore e você não vai se mexer até eu dizer que sim.

Mantive-me em silêncio o observando com o mesmo ar desaprovação de antes.

- Entendido? – O homem falou aproximando uma lâmina ao meu rosto.

- Sim. – Respondi seco.

O homem se pôs atrás de mim e cortou a corda que me prendia a arvore, mas minhas mãos ainda continuavam atadas. Não fiz nenhum movimento brusco tal qual ele disse e esperei por sua próxima atitude.

- Consegue se levantar sozinho?

- Acho que sim.

- Pois bem, levante-se.

Minhas mãos estavam amarradas atrás das costas e isto junto com a fome e a fadiga dificultaram minha manobra de se por em pé, mas mesmo assim após alguns instantes consegui levantar apoiando-me na arvore que antes me prendia.

- Ótimo. Agora vamos embora daqui. - O homem disse guardando a lâmina e sacando a arma com a outra mão.

Ele me puxou pelo braço e me pôs a sua frente antes de começarmos a caminhada. Senti a ponta da arma encostando-se às minhas costas logo que demos inicio a caminhada, mas daí em diante ele se pôs sempre a alguns passos atrás de mim e não me encostou mais.

Seguimos caminho pela mata já não tão densa, com o homem sempre indicando a mim por qual caminho seguir. Andamos a noite inteira até alcançarmos um descampado que dava acesso a uma pequena estrada de terra.

Quando alcançamos a estrada caminhamos por mais alguns poucos minutos por ela até que o homem disse para eu parar e sentar. Fiz o que ele falou e logo depois ele se agachou em frente a mim tirando a mochila das costas.

Ele abriu a bolsa e tirou um cantil de dentro, destampou e ofereceu a mim. Eu ainda estava amarrado então ele pôs a garrafa em minha boca e me ajudou a beber.

- Já andamos tempo o suficiente para você entender o que está acontecendo, certo? – Ele disse enquanto vasculhava mais algo na bolsa.

- Eu já entendi que você não está com aqueles caras, mas ainda não entendo o que você está fazendo.

- Tome. – Ele disse estendendo uma barra de cereal em minha direção enquanto continuava a olhar e procurar algo na bolsa. – No momento o que estou fazendo é ter manter vivo.

- Eu não tenho como pegar. – Falei para chamar atenção para o fato de eu ainda estar amarrado.

- Ah desculpe! Eu havia esquecido.

O homem então abriu a barra para mim e antes que ele a colocasse na minha boca eu falei:

- Seria mais fácil se você me desamarrasse, não é?

- Eu deveria dar essa confiança a você?

- Você quer que eu confie em você mas me mantém amarrado e não acredita em mim. Fica difícil, não acha?

O homem então sacou da lâmina mais uma vez e a segurou em frente ao meu nariz, segurando firme a balançou levemente como forma de prender minha atenção nela. Um aviso para o que me esperava caso decidisse atacá-lo assim que me soltasse.

Entendi o recado e assenti com a cabeça. Eu ainda não entendia o que estava acontecendo ali, ou quem era aquele homem, mas sabia que se quisesse obter respostas minha única opção seria jogar conforme o jogo dele.

O homem cortou as amarras que prendiam minhas mãos e a me ver livre delas passei as mãos sobre meus punhos que estavam roxos e doloridos.

- Desculpe-me pelos hematomas. Você nunca foi amarrado assim antes pelo visto.

- Ser amarrado e arrastado pela floresta não é algo que costumo fazer toda semana.

- Eu não arrastei você.

- Tá bem então. – Falei pegando a barra de ceral de cima da bolsa. – Mas quem é você afinal de contas? Por que está me ajudando e como sabe sobre meu arco?

- São muitas perguntas... Mas já vi que você não vai me deixar em paz até saber as respostas. – Ele disse pondo a mochila de volta nas costas.

- É. Não vou.

- Tudo bem. Mas vamos andando então. – Também me pus de pé e retomamos a caminhada enquanto o homem deu inicio as explicações. - Eu venho acompanhando os homens que levaram sua amiga há algum tempo e fiquei sabendo de você desde que uma equipe de busca inteira foi morta algumas semanas atrás, um deles tinha uma flecha atravessada na garganta. Botaram a cabeça do tal arqueiro como prêmio e foi aí que descobri sobre você, mas só alcancei seu rastro há poucos dias.

- Quem botou? Quem são esses homens?

- Você realmente não tem noção de onde se meteu, não é?

- Merdas aconteceram e culminaram em outras merdas, não foi algo que planejei. Quando menos percebemos em todo lugar que íamos nos deparávamos com esses putos e como eu falei, as merdas foram acontecendo.

- Tinham mais pessoas além de você e ela?

- Sim, mais algumas. – Dei uma pequena pausa para comer um pedaço da barra e continuei. – Mas e você? O que está fazendo? Como sabe sobre eles? Por que veio atrás de mim?

- Muitas perguntas... – O homem respirou fundo e prosseguiu. – Eles também tiraram algo de mim, assim como fizeram com você. Então eu passei a querer vingança, assim como você quer agora.

- Você sabe onde fica o acampamento deles?

- Acampamento? Você realmente não tem noção de onde se meteu. – O homem pausou sua fala e depois de passar a mão pelo rosto continuou. – Eles têm uma cidade, não um acampamento.

- Como assim uma cidade?

- Uma cidade. Com muros altos, um monte de gente, um monte de armas, um monte de soldados. E advinha só, eu e você somos as duas pessoas que eles mais querem encontrar.

- Quais nossas chances contra eles?

- Temos uma pistola sem munições e um arco com sete flechas, o que você acha? Batendo de frente com eles nossas chances são menores que zero.

- E como você diz que está atrás da sua vingança desse jeito?

- Eu disse que batendo de frente com eles não temos chances, mas quem disse que eu bato de frente?

- E o que você faz então?

- Você vai ver. – O homem começou a caminhar para fora da estrada a partir daí. – Chegamos.

- Chegamos aonde?

- Você vai ver.

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